Não é uma discussão fácil, nem tem solução simples. Mas, se os prefeitos querem "Menos Brasília, Mais Brasil" - como mostra a carta da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) - é hora de começarem a discutir para além dos projetos de curto prazo, diante das ajudas necessárias que sempre pedem ao governo central, e pensarem em uma discussão sobre o pacto federativo brasileiro com foco no federalismo.
Este é um caminho para uma visão municipalista e de descentralização de poder. O autor e político alagoano do século XIX, Aureliano Tavares Bastos, já denunciava o mal do centralismo adotado no Brasil antes mesmo deste virar República. No golpe que instituiu a República, o estamento burocrático, com sua visão positivista, apenas se intensificou no país.
Nos tornamos, "Mais governo central e Menos Brasil"
Com efeito, o governo central passou cada vez mais a controlar tudo. A União passou a custar muito e a favorecer os seus e os amigos do rei, como com as políticas de "campeões nacionais" dentro de um metacapitalismo, e os Estados e cidades passaram a receber menos.
O Congresso Nacional, por exemplo, custa mais que muitas cidades pequenas desse país.
A situação piora com a criação de municípios cada vez mais dependentes dos fundos de repasse. Detalhe: foram criados apenas para acomodar novos prefeitos, vereadores e por aí vai...
Criamos - ao longo da história - a "eterna" dependência político-administrativa-financeira das cidades, como muito bem mostra o autor Rodrigo da Silva em sua obra O Guia Politicamente Incorreto da Política Brasileira.
As administrações municipais viraram gestoras de programas federais que não atentam para as necessidades regionais ao mesmo tempo em que a burocracia brasileira (e todo o seu entulho de leis) atravancam o empreendedorismo (o setor produtivo) em muitas regiões.
Em outras palavras: o nosso pacto federativo foi feito para dar errado. É dinheiro e decisão demais nas mãos do governo central e migalhas sendo devolvidas por meio do Fundo de Repasse dos Municípios (FPM) que, não raro, simboliza mais da metade da receita das cidades. Em muitos casos, os municípios só possuem mesmo o FPM para recorrer.
Neste jogo de cartas marcadas, todos os anos vemos os prefeitos de pires nas mãos fazendo marchas em Brasília. Os deputados federais viraram office boys de luxo tentando tapar alguns buracos, de forma paliativa, com emendas.
A bola de neve foi crescendo e se tornou complexo discutir esse pacto federativo pelas desigualdades nos municípios e o excesso de cidades que não se sustentam e só existem porque na cabeça de algum burocrata de plantão era necessário criar a cidade, ainda que sem qualquer estudo de impacto.
Fomos, ao longo da história, aumentando o número de políticos e benesses destes, como ocorreu recentemente com o número de vereadores nas cidades pelo país afora.
Claro: este não é o único problema. É um dos.
Estão corretos os prefeitos quando querem que o dinheiro dos contribuintes cheguem de fato onde as pessoas vivem. O problema é que - a cada carta feita ao presidente (seja ele qual for) - temos a busca por compromissos com paliativos que nãos e transformam em programas de Estado, mas apenas de governo. Não há uma continuidade.
Motivo: resolve-se, por meio desses paliativos, o curto prazo e não se dá condições para o desenvolvimento das regiões em médio prazo ao mesmo tempo em que se planeja no longo prazo uma revisão desse pacto federativo rumo ao federalismo. Nossos prefeitos precisam estudar sobre federalismo o quanto antes.
A recente carta ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), feita pela FNP, tem muitos pontos correto. Toca em problemas urgentes: o desfinanciamento da Saúde de atenção básica, que tem feito os municípios cada vez investirem mais que o mínimo constitucional; a questão da Educação básica no país, seja em sua estrutura ou na valorização dos professores etc. E nesta carta, estamos falando das cidades com mais de 80 mil habitantes. Imagine as outras.
É claro que - no curto e médio prazo - o governo federal tem a obrigação deste socorro, aprimorando programas como o Mais Médicos, o Bolsa Família etc. Estes programas, para serem aprimorados, necessitam também passar por uma auditoria. Então, no final das contas, ao menos no que está sendo prometido, o pensamento de Bolsonaro está alinhado com os dos prefeitos.
Mas se este governo quer fazer a diferença, precisa também ir além e criar - junto com os prefeitos - o estudo aprofundado do pacto federativo. Isto também envolve o Congresso Nacional e outros poderes constituídos.
Torna-se, assim, mais complicado em função do estamento burocrático que temos, que trabalhou com duas filosofias execráveis ao longo da história: 1) a democracia emana do povo para contra ele ser exercida; e 2) farinha pouca, meu pirão primeiro.
Ao que tudo indica, o futuro governo terá um pensamento diferente. O próprio Bolsonaro já usou o lema Mais Brasil, Menos Brasília. Quatro anos podem não ser o suficiente para essa revisão profunda, mas pode ser o início. É possível rever o pacto federativo e falar em federalismo no Brasil. Ter o pensamento de Tavares Bastos como norte pode ser importante nesse momento.
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