Recomeçar longe do crime é o desejo de muitos reeducandos do sistema prisional em Alagoas que estão pagando pelos erros que cometeram, com a oportunidade da qualificação profissional, educação, trabalho e condições dignas no encarceramento.

Cumprir a pena determinada pela Justiça sem algemas, em um ambiente sem trancas e com agentes penitenciários sem armas, desperta nos detentos a vontade de reconstruir a vida e voltar para a sociedade melhor.

Oportunidade

Um desses detentos é Milton dos Santos, de 36 anos. Ele cumpre pena de 13 anos e frequenta o Núcleo Ressocializador há doze meses. “É importante por que a gente pode ajudar nossa família, reduzir a pena para ir pra casa logo e ocupar a cabeça também. Sempre gostei de trabalhar. Aqui eu trabalho na horta, faço limpeza... é muito bom ficar ao ar livre, no meio das plantas”, afirmou.

Milton também contou que trabalhar no centro de reeducação o ajudou a pensar em alternativas para quando sair do sistema prisional. “Estou fazendo um curso de padeiro aqui também... é bom pra quando eu sair já ter uma profissão. Vou construir minha padaria e ter uma vida digna”, disse o reeducando.

Já a detenta Maria Helena, há cerca de quatro anos, cumpre pena no Núcleo e ressaltou a oportunidade de trabalhar durante o processo de recessão social. “Minha mente hoje já não funciona do mesmo jeito. Trabalhar aqui me fez aprender o que eu não tinha aprendido. Lá fora, eu não tive oportunidade de trabalhar... por isso cometi muitos erros. Aqui eu vi que sei fazer as coisas, que posso pintar e vender meu filé. Aqui eu mudei”.

“Lá dentro é muito pesado, eu ficava o tempo todo com uma sensação de pânico muito grande”, revelou a reeducanda Maria Helena, ao criticar o sistema prisional.

Choque

A diferença entre o Núcleo e os outros presídios também é sentida pelos agentes penitenciários e colaboradores. Carlos Albuquerque, que já trabalhou no Baldomero Cavalcante e está há sete anos no Núcleo, contou que o choque inicial é grande.

“No começo você quer agir como agia nos outros presídios. E não é assim, começando pelo armamento. As armas aqui são de baixa letalidade, a gente conversa com os reeducandos o dia inteiro... damos bom dia, boa tarde e boa noite. É outra realidade, uma mudança para melhor extremamente interessante. O ambiente aqui é zero violência”, explicou.

Albuquerque também afirmou que espera não ter que voltar para o sistema normal, por que ele embrutece tanto presidiários quanto agentes e colaboradores. “A violência lá é grande e o clima é pesado. Não depende exclusivamente de mim, mas pretendo me aposentar aqui”.

Dados

Segundo a subchefe do Núcleo de Ressocialização (NR), Polianna Bugarin, a reincidência criminal computada pelo núcleo apresenta números muito inferiores ao do sistema prisional convencional. Ainda segundo Polianna Bugarin, nos últimos dois anos nenhum reeducando que saiu do núcleo voltou para o mundo do crime.

“São essas coisas que fazem do núcleo um case de sucesso. É assim que a gente consegue fechar esse ciclo de ressocialização. Além disso, temos os reeducandos que passam no Enem, um deles inclusive vai colar grau no final desse ano no curso de administração”, contou.

De acordo com Bugarin, nos sete anos de existência do Núcleo, nenhuma morte foi computada e nenhum disparo de arma de alta letalidade registrado: “tudo aqui é resolvido no diálogo”, afirmou.

Baseado na experiência espanhola dos "Módulos de Respeito", o Núcleo Ressocializador é uma unidade modelo, única no país e totalmente voltada para a reinserção do preso na sociedade. A educação e o trabalho da pessoa reclusa são compulsórios, sem quase nenhum espaço para ociosidade, o que proporciona uma maior possibilidade do indivíduo ser inserido novamente no meio social.

“A gente acredita que sem estudo, sem uma base familiar e sem oportunidade não dá para reinserir a pessoa reclusa na sociedade. Esse é o papel do Núcleo Ressocializador e aqui a gente trabalha baseado no respeito e diálogo”, explicou.

Ainda de acordo com Bugarin, os reeducandos do Núcleo possuem um ambiente muito próximo do ambiente social comum e detalhes, como comer em pratos de vidros e arrumar sua própria área de convívio, fazem toda a diferença.

Sobre a questão da quantidade de vagas e da seleção do reeducando para o Núcleo Ressocializador, Polianna detalhou o processo e afirmou que o ideal seria que as unidades fossem replicadas, uma vez que há uma demanda reprimida de presos que não conseguem desfrutar do NR.

“Não existe, por exemplo, indicação para o Núcleo. É um conjunto de fatores para que o reeducando seja selecionado. Temos a inscrição, o cadastro, a avaliação psicológica e jurídica, além da análise da trajetória do candidato dentro do sistema prisional”, detalhou a subchefe.

“Eu acredito que, assim como precisam ser replicadas as unidades prisionais, o Núcleo também precisa ser replicado, para poder atender a demanda reprimida. Temos um projeto que ainda não foi aprovado, que visa à construção de um Núcleo feminino”, finalizou.

*Estagiárias sob supervisão da editoria