A polêmica envolvendo o Exame Nacional do Ensino Médio, por conta de algumas questões, precisa ser esmiuçada sem o viés político-ideológico e distante das paixões. Há muito que o Enem não anda bem das pernas, e como é um teste - de origem verificativa e depois seletiva - para ingresso em universidades, acaba direcionando o Ensino Médio a trabalhar com foco, quase que exclusivo, na prova. 

Com isso, se trona a cereja do bolo de uma base curricular precária que oferece um conhecimento raso, por meio de apostilas mastigadas com resumos dos resumos. O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) acerta em partes quando identifica isso e pontua que o foco deve ser o essencial das disciplinas escolares como História, Geografia, Física, Língua Portuguesa, Matemática etc. Agora, erra quem coloca o Enem como um processo "doutrinador". Não é. Até proque uma prova não tem competência para isso.

Discutir apenas a ideologização do ensino é discutir apenas um ponto que, por mais relevante que seja, é apenas um.

A prova é falha por uma série de motivos que precisam ser discutidos com seriedade. Um destes é a incompetência para tratar determinados assuntos, o que acaba prejudicando o aluno que de fato se prepara e estuda para o tal exame. Como exemplo, cito uma questão que caiu na prova: a que versava sobre o pensamento de Santo Tomás de Aquino em relação à existência de Deus. 

O Enem usou trecho da Suma Teológica de Aquino (Artigo 1 da Questão 2 do Tratado de Due Uno) sem sequer entender o que ali estava presente. Um erro absurdo para alguém que formula a questão de Filosofia. Ora, para elaborar uma questão de determinada área se pressupõe que o sujeito seja conhecedor dessa área. 

Nesse trecho, Aquino levanta o argumento ontológico de que a existêcia de Deus se provaria por si. Tal argumento é anterior a Tomás de Aquino, sendo um de seus defensores Santo Anselmo. O que o Doutor Angélico da Igreja Católica faz é apresentar o argumento ontológico para depois refutá-lo ao longo do debate sobre a questão. 

Então, ao perguntar sobre a formulação do pensamento de Aquino em si, a respsota possível é que ele é contrário ao posto por Anselmo e por isso desenvolveu as cinco vias para provar a existência de Deus. Isto sequer se apresentava na prova. 

Assim, a questão do Enem oferecia ao aluno uma resposta errada por ser formulada de maneira errada também. O aluno que estudou a filosofia medieval e detinha conhecimento sobre o assunto não encontrava ali a alternativa. Claro, sendo minimamente inteligente e para não perder pontos, seguia o raciocínio errado do Enem para marcar uma resposta que deveria ser atribuída a Anselmo.

Vejam, não há questão de ideologia em jogo aí. Não se trata de doutrinação ou qualquer coisa semelhante. Trata-se de erro mesmo. Uma incompetência da prova que se soma aos erros de correção nas redações de anos anteriores, que já renderam polêmica. Basta o leitor pesquisar no Google e vai lembrar do que estou falando. 

Fora disto, na área de Humanas, a rica literatura vem cada vez mais sendo desprezada para dar lugar a textos militantes do progressismo, como reflexo do que já ocorre em todo o processo educacional, do qual o aluno sai sem conseguir interpretar um texto, sem ter conhecimento de clássicos e, quando muito, lendo resumos. Mata-se aí o pluralismo. 

Lamento que, diante do que ocorre, a Educação seja discutida de forma superficial por meio da tentativa de encaixar propostas em rótulos políticos de "esquerda" e "direita". Educação tem que ir além disso e ser um processo plural, onde as ideias se choquem e se promova o debate da forma mais ampla possível, com o maior número de fontes primárias, como os livros. 

Uma prova seletiva - lá na frente do processo - tem que refletir isso e com competência necessária para não cometer erros como o que aqui cito. E este é só um exemplo. Detalhar a prova seria encontrar casos semelhantes. Que o próximo governo possa travar essas discussões sem paixões, mas buscando o melhor para o aluno e o melhor meio para o ingresso em universidades, que é o sonho de muitos dos nossos jovens. 

Que possamos também revisar a base curricular, ter foco na educação básica para melhor formar, não tendo apenas o foco do quantitativo, mas no qualitativo. Todos os políticos falam de Educação como um tema urgente, mas a maioria deles faz isso de forma demagógica e esquecem as deficiências estruturais, a desvalorização dos bons professores e uma série de questões práticas. Em outras palavras: uma urgência que tem mais de 60 anos.

O Enem é só a cereja do bolo. 

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