No longíquo 1993, encontrei o álbum Filmes de Guerra Canções de Amor (Engenheiros do Hawaii) numa loja de deprtamentos. Naquela época, nem sonhava com internet. Claro: já acompanhava a banda, mas só soube daquele novo disco ali, quando estava na minha frente em uma prateleira.
Lembro que pensei: "Caramba, os caras lançaram disco novo e nem avisaram!". Que idiotice a minha. É que as novidades só estavam em revistas especializadas e eu era um estudante colegial pobretão demais para conseguir acompanhar todas elas.
Mas, naquele momento, por sorte do destino, o que restava da minha mesada estava no bolso e era quase o preço exato do novo álbum. Essas coisas de um mapa do acaso. Era dia 14 do mês. Eu passaria o restante do mês sem dinheiro, mas que se dane. Apostei no novo trabalho de Humberto Gessinger, Carlos Maltz e Augusto Licks.
Não que eles precisassem que eu apostasse, mas era uma compra heróica: um disco totalmete lacrado, que eu ainda não tinha ouvido nada e a única coisa que deporia a favor do CD era o fato de eu ter os anteriores trabalhos da banda que gostava.
Eu achava heróico aquela coisa de comprar um disco lacrado e me surpreender com ele. Eu primeiro analisava os encartes, lia as letras imaginando como seria as melodias e depois me surpreendia com o casameto entre palavra e som. Não sou nostálgico, mas era um ritual que se perdeu. Sinto falta desses rituais.
Hoje em dia, com as plataformas digitais, isso ficou distante. Confesso: ainda procuro manter isso com os livros. Com a música já é impossível.
Eis que naquele disco, quatro canções me chamaram atenção de imediato: Realidade Virtual, Mapas do Acaso, Ás Vezes Nunca e Quanto Vale a Vida. Eram as inéditas. Como o compositor e músico Humberto Gessinger gosta de dizer: o álbum dentro do álbum.
Realidade Virtual, ao menos para mim, falava do salto que temos que dar na vida como quando se consome Fernando Pessoa e se descobre que "navegar é preciso, viver não é preciso". Isto no sentido de precisão. Gessinger nessa canção brinca exatamente desta forma com o "preciso", variando entre a forma verbal e o significado da precisão.
Orientava-nos a ter fé sem perder o ceticismo, o faro fino e o olho vivo diante do que vem. Anos depois - por ligações que talvez só eu mesmo faça -essa canção me lembra Santo Tomás de Aquino. Não é comparação.
Mapas do Acaso tem um verso que até hoje me encanta por também ser minha dúvida: âncora ou vela? Qual nos leva e qual nos prende? Pois somos impulsionado pelo que queremos conquistar quando os ventos estão favoráveis e mesmo quando não estão, mas o que nos dá força na caminhada é o que temos conquistado e conservamos como o mais importante da vida. E quanto vale a vida mesmo?
Quanto Vale a Vida é auto-explicativa e quem nunca se indagou isso: quanto vale e quando vale a pena? Todavia, foi Às Vezes Nunca que se tornou a canção que eu ouviria a todo o momento. Não achava a mais bela do disco, mas era a que mais falava de mim: os fins de tarde melancólicos entre meus escritos que nunca ganhariam a luz; as confissões que nunca mostrei e as cartas que nunca enviei estavam ali. Escritos direcionados a pessoas que nunca os receberam, mas que me ajudavam a exorcizar os meus demônios metafóricos, lidando com angústias, raivas, amores etc...e assim como diz Humberto Gessinger, a minha própria letra me traia.
Na quarta-feira, dia 08, às vésperas de fazer um show aqui em Maceió (será amanhã, dia 10), Gessinger relança essas quatro canções, em novas versões, em um novo álbum. Um universo de releitura que alia o minimalismo das quatro inéditas recém lançadas (Das Tripas Coração; Saudade Zero, Pra Caramba e Cadê) ao virtuosismo que a nova turnê tem no palco, com o trabalho de cordas de Felipe Rotta e Rafa Bisonho.
Rotta - que tive a honra de entrevistar - tem um trabalho que merece ser apreciado a parte. Deu nova vida às canções. Contribuiu de forma surpreendente. Bisonho, idem.
Quando falei do retorno de Gessinger a Maceió, já que virá duas vezes nesse ano, destaquei que será um novo show no próximo dia 10. Algo me inspirava a crer em novidades. Só não imaginaria que o presente seria - em algum momento do show - poder me reencontrar com aquele adolescente tímido que gastou o resto de sua mesada em um disco que ainda não tinha ouvido, mas que passou o resto do 1993 colocando aquele álbum na radiola.
Uma experiência que me levava a indagar - ainda que muito novo - quanto valia a vida. A entender que às vezes a gente nunca está certo sobre esse valor, pois constrói realidades virtuais entre bússolas que tentam mapear o acaso. Estas quatro canções estão de volta. Já se encontram nas prateleiras das lojas vituais. Já estou escutando-as. É o melhor convite para o dia 10 de novembro, quando Humberto Gessinger retorna aos palcos alagoanos.
Que venha o show! E que venha também, em 2019, o disco de inéditas já anunciadas. Não tenho dúvidas que, entre relançamentos e inéditas espaçadas, que foram lançadas entre o Insular e o Ao Vivo Pra Caramba, tudo foi um laboratório para confirmar o dito em Das Tripas, Coração: Dias Melhores Virão.
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