“O jet-ski de Veblen encalhado na Praia do Saco” Hábitos explicam porque estamos cada vez mais longe do que sonhamos um dia.

27/09/2018 22:00 - Trabalho do Carvalho
Por Redação
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O tal Thorstein Veblen não era alagoano, tampouco teve jet-ski, mas a mesma realidade econômica em que viveu lá no século XIX se faz presente em todos os finais de semana e feriados nas orlas lagunares de nosso Estado, tão rico de belezas naturais, mas tão miserável em seus índices econômicos e sociais.

Em tempos tão complicados, de tanta intolerância, é bom ressaltar que ele não era bolivariano ou comunista. Pelo contrário, foi crítico da ficção de uma sociedade utópica marxista. Além disso, viveu e foi professor de economia nos Estados Unidos.

A ‘alagoanicidade’ de Veblen está centrada no que chamou de consumo conspícuo, ostentatório, que se destina mais à afirmação daquele que gasta como integrante de um grupo social privilegiado, do que algo útil para a economia e para o próprio processo de acumulação capitalista.

Sim, você é o que consome.

O cuidado com a alimentação, na nossa sociedade que valoriza mais a beleza do que a própria saúde, está diretamente relacionado com os seus hábitos e vai repercutir diretamente no seu tempo de permanência nesse planeta. Se você se alimenta com refeições balanceadas e saudáveis, provavelmente viverá bem mais do que quem só come no fast-food, bebe refrigerante, fuma e, literalmente, se entope de gordura.

Ora, ora, ora... O que fez Veblen? Constatou que o mesmo era válido na economia. Os hábitos de consumo das pessoas vão ditar o padrão de comportamento e dinamismo da produção. Ele entendeu que o capitalismo tem na acumulação de capital a sua essência e que os lucros auferidos pelo capitalista devem necessariamente retornar à produção para gerar mais capital. Foi essa a lógica da revolução industrial: o que era ganho na expansão das vendas era reinvestido para gerar mais produção.

Daí ele identificou que justamente a classe que tinha a possibilidade de expandir a produção não reinvestia o excedente para gerar mais produção. Ele chamou de consumo conspícuo aquele tipo de gasto desprovido de racionalidade econômica e que tinha o exclusivo fito de “tirar onda”, de mostrar seu status econômico e, literalmente, distorcer o nível de preços e a produção da economia.

Um passeio de lancha na Praia do Saco pode ser uma experiência empírica do consumo conspícuo. É a verificação in loco dos hábitos ostensivos do capitalista que prefere valorizar o ócio com um consumo extravagante e improdutivo. A compra de um jet-ski pode trazer status, mas nada de desenvolvimento econômico para este Estado.

Aliás, nenhum dos produtos que se traduzem em status social sequer são produzidos em Alagoas: motores de embarcações, jet-skis, carros importados, roupas de grife, cervejas e até os tira gostos que consumimos em nossos passeios náuticos vem todos “de fora”, o que diz muito sobre como a renda não retorna para o processo de acumulação alagoana.

Vivemos numa sociedade pobre de modelos morais, onde o consumo ostentado por celebridades e youtubers influenciam diversos extratos sociais a consumirem bens cujo preço e cobiça aumentam na proporção em que ficam mais caros, pelo simples motivo de ostentá-los.

Nesse sentido, o consumo esbanjador é compartilhado pelo dono dos bens de produção que “tira onda” na lagoa, pela classe média que anda de carro importando no asfalto irregular do centro de Maceió, do fazendeiro que comprou o caríssimo cavalo de raça ou, ainda, do pobre que tem iPhone e sacode todos os dias num ônibus lotado pela Fernandes Lima.

Todos estão fadados a encalhar nas praias alagoanas do atraso tecnológico, subdesenvolvimento e pobreza.

Para conhecer mais sobre Thorsein Veblen, leia The Theory of Leisure Class. 1899.

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