Em ataque frontal ao clima beligerante que se impôs no país por conta das narrativas políticas que mais se preocupam com seus projetos de poder que necessariamente com a verdade, o jornalista Luciano Trigo escancara – em sua nova obra, Guerra de Narrativas: a crise política e a luta pelo controle do imaginário – os males da “bolha ideológica” instaurada no Brasil, em que grupelhos partidários falseiam fatos, mentem descaradamente e ainda vendem para a população a bravata de serem eles o “monopólio das virtudes”.

Sem exageros e pautado pelos fatos das últimas décadas nesse país, Luciano Trigo resgata o exercício da ciência política feita de forma inteligente. E isso se faz presente das epígrafes aos capítulos muito bem ordenados e coordenados entre si.

Trigo é irrefutável ao mostrar a ladainha do lulopetismo, mas ao mesmo tempo não esquece o populismo de alguns dos adversários.

Os dois primeiros capítulos de Guerra das Narrativas já deixam claro o tom acertado da obra e possuem um grande mérito: a capacidade de tornar didáticos assuntos que requerem a compreensão do pensador Antonio Gramsci, uma das bases da esquerda moderna no Brasil, e outros filósofos deste campo de pensamento.

Tudo isso aplicado à análise dos fatos e do funcionamento de um estamento burocrático que tomou conta do poder e pretende se manter nele eternamente ao sabor da corrupção generalizada.

Luciano Trigo mostra que tal estamento – definido pela primeira vez pelo intelectual de esquerda Raymundo Faoro – não se trata mais apenas dos três poderes instituídos, mas sim da ocupação dos meio culturais para a construção de uma hegemonia utilizando-se de “intelectuais orgânicos” que professem o mesmo credo, alinhados a uma ideologia.

É o que o autor chama de “Escola Com Partido”, por se fazer presente em redes de ensino, nas universidades, mas indo muito além, pois também estamos falando de artistas e intelectuais engajados muito mais compromissados na defesa de um lado político-ideológico que pela busca da verdade.

Uma das notas de rodapé sobre Gramsci, presente no segundo capítulo, tem um poder de síntese invejável. Nela se pode vê claramente a importância da doutrinação ideológica nesse processo. Trigo ainda associa tais conceitos a episódios recentes de nossa história que poderiam passar batido, como quando o autor vai resgatar uma analogia com um antigo comercial da Folha de São Paulo em que se falava de Hitler para mostrar o quanto é possível mentir usando da verdade. É uma sacada genial.

O livro de Trigo serve de alerta para o perigo de todos os populismos, independente em qual corrente ideológica este se apoie. Como bem coloca o jornalista, “nesse processo de balcanização da sociedade, a atmosfera de animosidade e embrutecimento se tornou irrespirável: amigos romperam relações, parentes deixaram de se falar. O país se fragmentou em uma briga de facções cheias de ressentimento e impermeáveis a qualquer possibilidade de diálogo. Nunca se defende tanto a tolerância: nunca se praticou tanto a intolerância”.

Some-se a isso a reflexão essencial de que o fenômeno que fez de alguns governistas independente dos males que o governo cause, virou um “imperativo moral” (como frisa o autor) dentro de uma ideologia, “mesmo quando o governo roubava, mentia, corrompia ou caluniava”.

Em resumo, Luciano Trigo escancara a fábrica de narrativas e mostra – de forma prática – que toda ideologia é um conjunto de ideias que traveste um fim político. Ao ponto de, como já constatou o escritor George Orwell, a liberdade de pensamento ser um início de um pecado mortal e mais tarde uma abstração sem sentido.

É o que Orwell classificou, em 1984, como crimideia, quando o Estado totalitário consegue dizer até o que pode ou não ser pensado, por meio de uma reformulação da linguagem. Em nosso tempo, o tal dos exageros do politicamente correto.

Em que pese ter algumas pequenas divergências com o autor, reconheço que até as críticas feitas a alguns populismos de direita são bem-vindas nesse momento, sobretudo quando se enxerga uma direita como sendo um bloco hegemônico.

A obra de Luciano Trigo é uma ode à liberdade. Uma defesa de algo tão caro às democracias: a liberdade de pensamento, expressão e do combate às ideias. Também acaba sendo, como já havia definido o pensador Micheal Oakeshott, uma radiografia do racionalismo articulado das ideologias que resulta na fé política, quando alguns – que se sentem iluminados – desrespeitam a tudo e a todos em nome da utopia do mundo melhor que se encontra em suas cabeças.

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