O dia 7 de abril de 2014 para muitos com certeza representa uma data sem grandes acontecimentos, porém para as famílias da Vila Nossa Senhora do Carmo, no Poço, esse dia será dificilmente esquecido. No início da tarde, moradores, comerciantes e a população que passava pela Avenida Comendador Leão, em Maceió, foram surpreendidos com a queda o silo do Moinho Motrisa que despejou 1.600 toneladas de trigo e concreto, interditando a via e dezenas de residências e estabelecimentos comerciais.
Famílias foram obrigadas a sair de casa imediatamente apenas com alguns pertences. Com as lojas invadidas pelos entulhos, comerciantes tiveram que fechar as portas e a própria Avenida ficou dias interditada, causando transtornos para muitas pessoas. Um trabalhador que ficava numa loja nas imediações foi hospitalizado e por muito pouco o acidente não se transformou em tragédia.
Quatro anos depois, alguns moradores da Vila ainda aguardam pelo ressarcimento dos prejuízos provocados pelo acidente ocasionado pelo Motrisa. Mais que quarenta famílias foram acomodadas em outros imóveis por conta do Moinho. “É preciso ressaltar que o Moinho pagou os alugueis após determinação judicial, não o fez de boa vontade; foi uma luta”, destacou o advogado Efrem Lyra, que representam algumas famílias da Vila e uma empresa que funcionava no local.
A jornalista e empresária Silvana Valença, moradora da Vila, lembra que “só depois de muita peleja entramos com uma ação contra o Moinho para que fôssemos ressarcidas das despesas imediatas. Tivemos que nos mudar duas vezes, instalar equipamentos do escritório, arcar com gastos extras e durante 11 longos meses não recebemos um centavo sequer. Só sob ordem da justiça foi que o Moinho passou a pagar apenas o valor referente ao aluguel”.
Agora, passado o transtorno de muitos estarem morando de forma improvisada, moradores “estão aguardando o posicionamento da justiça, porém é extremamente frustrante essa demora, haja vista que tanto o Moinho quanto as famílias já apresentaram as alegações finais e só falta a sentença, sabemos a carga que os magistrados têm, mas isso incomoda. Nada justifica que um processo que tem alegações tão claras não seja encerrado”, comentou o advogado.
Ranhuras materiais e emocionais
A queda do silo ocasionou não só prejuízos materiais, mas também causou abalos emocionais e esses não há como mensurar. Para Silvana Valença, “o desabamento nos pegou em plena produção do show de Milton Nascimento, um dos maiores nomes da música brasileira. Estávamos a poucos dias do evento, com equipes contatadas, ingressos vendidos e material de divulgação nas ruas, mídias sendo veiculadas. Tivemos que cancelar, devolver o dinheiro da compra antecipada e ainda ver a imagem da nossa empresa arranhada, por culpa de algo que não foi provocado por nós. Financeiramente calculamos em mais de R$ 100 mil o nosso prejuízo”.
Silvana relata que “há também o abalo emocional, psicológico, a tristeza e o desespero de num piscar de olhos ficar sem casa para morar e sem escritório para trabalhar. Reunir forças para seguir não foi nada fácil. E ficar por quase dois anos e meio sem poder retornar ... Isso só sabe quem vive essa amarga experiência”.
Novos silos
No período em que os moradores estavam fora da Vila, o Moinho levantou novos silos metálicos, de forma extremamente rápida. “As novas estruturas subiram sem sequer consultar nenhum dos moradores que agora têm que conviver com o ruído, trepidação e calor devido ao reflexo da luz solar irradiada para as residências, além do risco”, disse Efren.
“Parece brincadeira de mau gosto”, completou Silvana ao ser questionada sobre os novos silos. Ela lembrou que “em menos de um mês eles ergueram dois silos enormes de metal. Levei um susto. Isso foi entre junho e julho de 2016. Na época eu vinha todos os meses pegar correspondência e as contas para pagar que eram colocadas na caixa dos correios da minha casa. Quando levantei os olhos, quase caí para trás, dois monstros de metal quase grudados nas casas da Vila estavam lá. Não sei como eles conseguiram isso. Estamos numa área extremamente urbana, cheia de casas, de gente morando. E o pior, não nos consultaram em nenhum momento. E essa consulta teria que ser feita obrigatoriamente, não só aos moradores da Vila como da vizinhança”.
As novas torres de metal erguidas trouxeram não só medo e o aumento da temperatura, a empresária diz que há também o problema da poluição sonora e do ar. “Palha de trigo e fuligem caem nas ruas, nos carros e isso acontece geralmente de madrugada quando a cidade dorme e ninguém vê. Por conta dessa poluição, pessoas estão com problemas respiratórios, de pele”, lamentou Silvana.
Respostas
Por meio de sua assessoria jurídica, o Moinho Motrisa afirmou à reportagem que foi surpreendido com as alegações levantadas acerca dos silos metálicos, destacando que eles foram erguidos conforme as normas técnicas vigentes, seguindo projeto aprovado pelos órgãos oficiais competentes.
“A empresa desconhecia por completo até o momento essa alegação dos moradores, mas se comprometeu a checar com a área técnica competente essa alegação”, frisou a assessoria.
Em relação ao reflexo provocado pelo sol, a empresa informou que os silos metálicos têm em sua superfície acabamento adequado para dirimir os reflexos dos raios solares, mas diante das alegações dos moradores, também procurará dirimir as dúvidas.
“No que se refere à alegação de fuligem provocada pelos silos, informamos que nosso processo de estocagem e produção não utiliza a queima de combustíveis que possam gerar fuligem. Além disso, os silos metálicos são equipados com um sistema de despoeiramento para captação do pó e filtragem”, finalizou a assessoria jurídica.
Perdas
Os moradores do entorno do Moinho Motrisa aguardam até hoje a decisão judicial que irá definir os danos materiais provocados em todas as residências. Já que ficaram mais de um ano fechadas há também a reparação de dano moral que é inquantificável, ressaltou o advogado.
Além dos danos emocionais, os moradores tiveram também perdas financeiras, uma vez que os imóveis ficaram desvalorizados após o incidente. Existem especificidades materiais, que vão das estruturas residenciais, até profissionais, uma vez que muitos moradores tinham ali empresas, que contabilizaram prejuízos imediatos.
“Nestes anos mudou muita coisa. Estávamos caminhando para a ampliação de ações. Muitos projetos, novas metas. Tivemos de parar com tudo. Tentar colocar a cabeça no lugar, buscar calma para saber discernir o melhor a fazer. Tínhamos que tentar minimizar ao máximo possível os efeitos danosos do ocorrido, na nossa vida particular e na nossa vida profissional também. Experimentamos a sensação de vulnerabilidade, de impotência. Fomos vitimas de uma situação provocada por uma empresa poderosa, o quinto maior ICMS do Estado. Foi e está sendo difícil lutar, batalhar pelos nossos direitos”, comentou Silvana.
A empresária destacou ainda que “há quatro anos se tenta uma solução. Esperamos pela decisão da justiça. Deveria ter saído em setembro do ano passado, passou para março deste ano, mas até agora nada. Parece incrível, mas este infelizmente é o Brasil. Só que não desistiremos, nunca”, disparou Silvana.
Os moradores agora aguardam um laudo final do juiz que ficou de fazer uma nova vistoria antes de encerrar o caso. “Até lá os moradores aguardam já que nenhuma data foi estipulada”, reforçou o advogado.
Laudos
Existem três laudos técnicos que provam que o silo desabou por falha na estrutura e falha no cuidado, destacou o advogado. No processo consta a avaliação do engenheiro Ruy Braescher Filho onde aponta a presença de microfissuras que favoreceram o ingresso de oxigênio, umidade e demais agentes agressivos no concreto, fato que atingiu e agrediu a proteção do silo. Foi constatado também que a parede do silo era demasiadamente fina, concluindo com clareza a falência estrutural do silo.
Já o perito judicial nomeado pelo juiz do caso, engenheiro Marcelo Daniel diagnosticou que houve falha no controle de umidade, onde o teor estava acima do normal e essa alteração no fluxo de descarregamento provocou a formação de espaços vazios na tremonha, ou o chamado “efeito arco”.
Em outro exame pericial contratado pelo Motrisa, a empresa Bedê Engenharia de Estrutura, observou que em 1985 foi adicionada uma camada de concreto, de dois a quatro centímetros de espessura às torres da fábrica, para corrigir fissuras e trincas, que aliadas ao processo de enchimento e esvaziamento dos silos com trigo, teria reduzido o tempo de útil da estrutura.
“Os laudos comprovam a culpa grave do Moinho e jogaram o risco para a sociedade, visualizando apenas os lucros sem se preocupar com os riscos da atividade”, destacou o advogado.
Medo como vizinho
Questionada se ainda existe o medo de ter o Moinho como vizinho, Silvana é enfática e diz “claro! Quem pode assegurar que não haverá mais desabamentos? As paredes dos silos de concreto estão visivelmente rachadas e isso dá medo”.
Sobre os direitos de cada morador a empresária diz diretamente que espera que a justiça “se faça, simples assim. Que ponha um fim nessa novela” e reforça que “isso não aconteceria em um lugar onde o direito do cidadão e leis ambientais são respeitados. Quatro anos se passaram a dezenas de pessoas aguardam que simplesmente a justiça se pronuncie e se faça cumprir”, concluiu Silvana Valença.
O caso
Na tarde do dia 7 de abril de 2014, o desabamento de um dos silos do Moinho Motrisa provocou um grave acidente atingindo carros, casas e estabelecimentos comerciais na região que fica no entorno do estabelecimento, principalmente na Avenida Comendador Leão, no bairro do Poço.
Toneladas de trigo e concreto desabaram deixando a população em pânico. Equipes do Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, Samu, IML, Polícias Civil e Militar estiveram no local trabalhando durante dias.
O Ministério do Trabalho suspendeu a operação da retirada das placas que ficaram penduradas no topo do silo, quando constatou que o funcionário que atuaria na operação não tinha a capacitação necessária. As placas foram retiradas no dia 26 de abril. Só no dia 14 de maio de 2014 o trânsito no local foi parcialmente liberado.
Quase um ano depois do acidente é que as famílias puderam, aos poucos, voltar às suas casas e tentar retomar a vida.