Quem tem acompanhado a nova turnê do músico e compositor gaúcho Humberto Gessinger tem se deparado com um “show dentro do show”: o trabalho do multi-instrumentista Felipe Rotta. Seja na guitarra, nos violões ou no bandolim, Rotta conseguiu, de forma brilhante, dialogar com os clássicos de Gessinger e, ao mesmo tempo, deixar sua assinatura nesse trabalho.

Felipe Rotta toca com a alma. Demonstra uma virtuose que ainda trará bons frutos em futuras composições de Gessinger e até mesmo, torço por isso, em trabalhos solos. Músico estudioso, Rotta ainda trabalha com trilhas sonoras e tem um projeto belíssimo chamado Led Acústico. Vale a pena conhecer.

Em Maceió, pude conversar com o músico. Falamos sobre o cenário da arte no país, sobre sua carreira, sua chegada ao universo da engenharia havaiana, dentre outros assuntos. Confiram o papo:

 

Você migrava para a carreira de jornalista. Porém, a vida lhe conduziu à música. Como se deu esse processo?

Cara, na verdade, eu comecei a trabalhar com música aos 14 anos. Comecei a dar aula em um colégio e preparava crianças para apresentações na escola. Quando tinha 15 fiz carteira de música e conciliava o colégio com a música. Fiz violão erudito e jornalismo ao mesmo tempo. A música assim tomou conta da minha vida. Toquei com várias bandas, trabalhei muito em estúdio e a música foi tomando conta da minha vida. Creio que ela tenha me escolhido. Então, foi seguir o caminho que me trouxe ao lugar no qual me encontro hoje.

E como se deu o convite para trabalhar com Humberto Gessinger?

Eu toquei com muita gente conhecida no Sul. Num desses trabalhos conheci o Protássio Júnior, que virou um amigo. Ele trabalha com o Humberto. Até aí toquei com Garotos da Rua, TNT, com o Duca (Leindecker) e tantos outro trabalhos. Foram vários artistas dessa cena. Por meio do Protássio, o Humberto conheceu o meu trabalho.

Dá para perceber, que nesse trabalho, você assumiu um desafio imenso que foi mexer com os clássicos do Revolta dos Dândis, dentre outros dos Engenheiros, mas ao mesmo tempo deixar a tua assinatura ali. Como se deu essa equação? Como você conseguiu isso?

Cara, na verdade, por duas coisas: toquei em todo tipo de situação e tendo que se virar muitas vezes em diferentes situações. Isso dá um suporte. Mas, o mais importante, é que eu nunca perdi o meu coração de fã. Sou fã de vários músicos, inclusive do Humberto. Então, subo no palco pensando em como o fã gostaria de escutar, mas ao mesmo tempo colocar um pouco do meu lado artístico que é a minha visão dos fatos. Eu tento aliar esses universos, com muito respeito pelos fãs.

Vocês fizeram shows em um universo mais pesado, que relembra mais o Surfando Karmas e DNA, o Dançando no Campo Minado, enfim...um universo mais distante do formato acústico. Agora, o Humberto lança músicas mais minimalistas que soam como um álbum dentro de outro álbum. Como tem sido o diálogo dessas canções no palco?

Sempre essas canções vão dialogar porque antes de tudo vem a música. O que você fala do ser pesado é porque chama atenção para as guitarras e as pessoas classificam como “o guitarrista”. Eu não sou um guitarrista. Eu sou músico. Eu gosto da guitarra, gosto do piano, gosto de tocar a gaita. Fiz gaitas em um show recente. Faço o que precisar. Não que eu seja bom neles, mas gosto de me expressar por todos esses instrumentos (risos). A gente sempre conversa muito sobre arranjo. O importante é o que a música tira da gente. O Revolta era um disco diferente e acabou no palco ficando mais pesado. Também, sigo a ideia que o Humberto fala, do disco dentro do disco.

Uma das características do trabalho do Gessinger é brincar com as próprias canções, que vão ganhando – ao longo da vida – novos arranjos e mudanças nas letras. A inéditas já estão passando por isso no palco?

Sim. Pra Caramba começamos tocando como um disco e depois mudou. Cadê está mais parecida com a original, mas tem percussão. A mais parecida é Das Tripas, Coração. Saudade Zero ficou bem diferente ao vivo, ganhou instrumentação elétrica e tal. Eu acho isso muito rico no universo do Humberto.

Os fãs de Engenheiros e do Humberto são muito fortes nas cobranças. Sempre atento ao trabalho dos demais músicos que tocam com ele. Você sente esse peso? Como você lida com isso?

Não pesa. Eu tento ver as coisas de forma mais simples. Eu me expresso pela música e amo o que faço. Quando subo em cada palco é para dar o melhor de mim sempre. Quando eu entro no estúdio é para dar o melhor de mim sempre. Será sempre assim. Se eu me conectei com alguém por esse trabalho, fico imensamente grato. Se alguém não gosta, faz parte. É direito. Eu não gosto de ficar pensando nisso. O que me ajuda também e simplifica isso é o fato de que desde novo sou fã do trabalho do Humberto. Sou fã de todas as fases, todos os discos. São grandes músicos que passaram pela banda. Eu respeito muito essa trajetória e vejo como um fã. Arte não é corrida de cavalo para buscar quem é o primeiro. Arte parte de dentro e toca dentro de ti. Eu tento esquecer e busco personificar: o que é que eu posso passar pelo meu trabalho e tento passar.

Como você vê o cenário de hoje em dia, quando se busca fazer trabalhos inéditos e com qualidade e nas rádios está um maramos total, sempre as mesmas coisas?

Bem, eu começo vendo o cenário não ligando mais a rádio (risos). Acho que tem muita coisa boa acontecendo. Há hoje uma facilidade de gravar, ao mesmo tempo em que é mais difícil divulgar. É confuso, mas abre a possibilidade de você ir atrás do diferente. Infelizmente, há coisas boas sendo produzidas que não conseguem chegar a um maior público, que talvez seja até um público que tenha esse interesse. Isso é uma dificuldade. Mas, cara, eu acho que há muito comodismo por parte de quem fica sentando reclamando de que está tudo ruim e não vai atrás de coisas novas que estão sendo feitas. Que as pessoas comecem a apoiar a incentivar o que gostam, independente do mainstream. Desliga a rádio e vai ouvir os bons discos. Não podemos ter o comodismo e ficar só reclamando.

Existe possibilidade de trabalho solo?

Eu tenho há anos um disco de jazz engavetado. São composições instrumentais engavetadas. Já fiz shows nesse projeto. Tenho um projeto de Beatles em violões de náilon e trabalho com trilhas sonoras. Eu penso em lançar um disco um dia com guitarra e piano em primeiro plano, com instrumentos dialogando em função da música. Músicas dialogando com imagem em um DVD. Enfim, eu penso sim nisso.

Como é trabalhar com um compositor totalmente outsider? Um roqueiro que é tímido e família?

O Humberto é um lobo solitário que dialoga com lobos solitários por todo o Brasil, né? E aí, em um determinado momento, quando você observa esses lobos solitários, você se pergunta quem de fato é um lobo solitário, saca? Eu acho isso muito emocionante. Há coisas que algumas vezes algumas pessoas não entendem, que é isso do Gessinger nunca virar cover de si mesmo, sabe... isso nos tira sempre da zona de conforto para buscar um diálogo diferente por meio de canções até consolidadas, mudando aqui e ali. Ele faz o que está afim de fazer e faz com a alma. Eu me identifico com isso. Acho que por isso ele sempre está presente aí, com quem acompanha. Isso me agrada. Eu sempre escutei Engenheiros e na época, só quem escutava era eu e um coloca. Tínhamos a sensação de que só tinha uma dupla ouvindo aquele som e aí íamos no show e lá estava um monte de duplas se reconhecendo como lobos solitários. E há coisas que nos fazem pensar muito do tipo: quando todo mundo estava tocando nos Estados Unidos e na Europa, lá vai o Humberto tocar na Rússia. Totalmente fora de tudo. É difícil até entender. Esse tipo de visão inquieta é muito bom. É muito bom trabalhar com alguém assim e que nos dá uma liberdade artística que é maravilhosa, pois demonstra confiança e alimenta o desafio. Eu faço parte desse grande público de lobos solitários que amam isso.

Estou no twitter:@lulavilar