Admiro o trabalho do compositor Humberto Gessinger e não escondo isso. É um artista que, em que pese as revisões que fez das próprias canções recentemente, como no caso do clássico A Revolta dos Dândis que foi tocado ao vivo em vários cantos do país, não virou cover de si mesmo. 

Nos últimos anos, Gessinger abandonou a zona de conforto em vários momentos, seja no Pouca Vogal (que esteve na capital alagoana), seja ao abandonar o nome “fantasia” Engenheiros do Hawaii, para produzir um de seus melhores trabalhos em estúdio: o maduro Insular, que reflete bastante sobre a passagem do tempo. Com referências literárias, aliterações, um jeito próprio de escrever, ironias ou abusando de jargões, Gessinger construiu uma carreira sólida que desafia as lições prontas de marketing. 

Se fosse para selecionar os três melhores discos da carreira de Gessinger, Insular estaria na minha lista. 

Foi odiado pela crítica por “assar o pão com o forno fechado” e ter a coragem para, quando uma banda de rock soava heróico e messiânico, zoar com revolucionários de plantão, como em Fé Nenhuma do longínquo Longe Demais das Capitais, ou ironizar com o universo pop do qual faz parte, como em O Papa é Pop. Trouxe discos complexos como o GML e obras diretas como Dançando No Campo Minado. 

Há quem acuse Humberto Gessinger de sempre transitar nas mesmas temáticas. Ele reforça isso nas auto-referências de sua obra. Mas, ao menos para mim, longe de ser uma acusação, isto é uma qualidade de sua honestidade intelectual e artística. Como ele diz em Outras Frequências, “seria mais fácil como todo mundo faz”. 

A obra de Gessinger encontra - vista de trás para frente - justamente o equilíbrio entre as temáticas que de fato importam para o artista e a reinvenção necessária para não sucumbir na zona de conforto aqui já citada. 

Não acho justo que se cobre de Humberto Gessinger que ele seja o mesmo alemão de 20 e poucos anos. O tempo passa e a passagem o tempo é bela. Quem duvida que escute Segura a Onda, DG, presente no Insular. 

O compositor acertadamente sabe disso e parece não se preocupar com os fãs diante do que tem a oferecer. Nessa maturidade que passei a enxergar em suas músicas (pode ser mera impressão minha!), ele também perdeu a pressa de apresentar novidades e passou a tratar suas composições com muito mais carinhos. 

Claro, sinto falta (como fã!) dos álbuns conceituais que Gessinger fazia, onde as faixas se completavam em uma canção só, e as músicas dialogavam entre si na própria ordem em que eram executadas. Porém, entendo essa ausência de pressa nos lançamentos “faixa-a-faixa” que vem fazendo nos últimos anos. 

Alexandria, por exemplo, é um primor. Uma canção que fala diretamente aos nossos tempos, onde - como diria em “Canibal Vegetariano...” do antigo GLM - “todo mundo é/era poeta, todo mundo é/era atleta, tudo mundo é/era tudo”. Agora, todo mundo é tudo e em voz alta diante das opiniões apressadas que desprezam os fatos e queimam “mil bibliotecas de Alexandria por dia” nas redes sociais. 

O grande trunfo de Gessinger, e ao mesmo tempo desafio nesse novo show, será encaixar o lírico e minimalista universo que criou com as novas canções já lançadas. São músicas simples, porém jamais simplórias. São canções que falam diretamente a alma e apesar da calmaria com que são tocadas, possuem seus incômodos nas temáticas que abordam. 

Uma delas - a canção Cadê? - é uma paulada nos tempos pós-modernos, na modernidade líquida, sempre pronta a transbordar sem aceitar uma gota a mais, sempre a espera da cereja do bolo. É o reflexo sobre nosso solo encharcado de tanta coisa, seja pelo bombardeio midiático das novidades da última semana, em que a pressa já não nos permite separar o joio do trigo e saímos consumindo tudo de forma voraz. Gessinger freia, para no centro do museu das novidades, para nos dar um choque de realidade ao indagar onde está nosso espelho, onde se encontra nossa humanidade. 

Pra Caramba fala de promessas vazias diante do tempo e o quanto nos comprometemos com esse tempo de tantos enganos e eternos retornos. O compositor não esquece de indagar o que aprendemos com isso diante dos apegos e desapegos, já que se for para descer ladeira abaixo...todo santo ajuda. Eu diria que todo demônio, mas a brincadeira com o dito popular está muito bem posta. 

Por fim, a mais visceral das canções lançadas é justamente a que aponta para o futuro. Se alguém ainda tinha dúvida que Humberto Gessinger “não veio até aqui para desistir agora”, Das Tripas, Coração responde: “tempos melhores virão, a certeza que eu tenho eu não sei de onde vem, mas vem, sempre vem...a transformação, da água para o vinho, das tripas, coração”.

Por vezes, como Humberto Gessinger coloca, é longo o caminho da água por vinho e passa de fato por guerra e paz, por invernos e verões. E este caminho se dá para o que foi feito e o que ainda se estar por fazer. Afinal, as canções precisam também envelhecer para que as “uvas brindem o vinho” e por isso que na carreira dos Engenheiros e Gessinger, as canções nunca tiveram um registro oficial (apesar dos discos de estúdio), ganhando novos trechos com o passar do tempo, novos formatos, novos sentidos. 

Das Tripas, Coração não deixa de ser uma metalinguagem sobre esse processo mágico da composição. E a calma com que Gessinger vem trabalhando suas novas músicas faz todo o sentido, pois canções que deveriam envelhecer mais como um bom vinho - feito Coração Blindado de Novos Horizontes - acabaram saindo cedo das turnês. Espero que retornem em um futuro em um novo formato. 

Ah, quando disse que seria um desafio encaixar esse universo minimalista no show é por ainda ter na memória a tour dos 30 anos de Revolta dos Dândis. O som pesado distribuído no belo trabalho de cordas de Felipe Rotta, no baixo de Gessinger e na bateria do Rafa deram uma nova vida em canções que soavam urgentes como a versão de “Quem Tem Pressa...”. É um universo contrastante com o que se vê agora, mas que pode dialogar muito bem evidentemente. 

Por sinal, o trabalho de Rotta nas novas canções é um show a parte. 

É, Humberto Gessinger demorou a voltar a Maceió. Porém, espero que esses anos distantes dos palcos alagoanos, faça com que no dia 16 de março tenhamos o melhor do vinho. É que “águas passadas não movem moinhos; águas paradas também não”...

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