“Arrependo-me profundamente”. Esse é o sentimento de Dayane Maria da Silva*, de 47 anos, reeducanda do Presídio Feminino Santa Luzia, localizado no Sistema Prisional de Alagoas, na parte alta de Maceió. Ela é uma das 109 presas que ingressaram no cárcere por tráfico de drogas. Assumidamente traficante, Dayane comandou o comércio de entorpecentes na região do Trapiche da Barra, na orla lagunar da capital alagoana, durante muitos anos. O motivo, segundo ela, foi a necessidade de criar seus filhos, a falta de emprego e a facilidade que o mundo do crime lhe proporcionou.
Dayane está presa há sete anos, faltando ainda cumprir 23 para obter sua liberdade. Condenada por tráfico de drogas e homicídio, ela negou a autoria do segundo, mas contou em detalhes à reportagem do Cada Minuto sobre seus tempos de comandante do tráfico na região central de Maceió. O início, nem mesmo ela se lembra, mas a presa relatou que a sua vida mudou quando se casou pela segunda vez.
Mãe de dois filhos, um de 28 - que está preso por tráfico e homicídio - e outro de 26 anos, Dayane conheceu o mundo das drogas devido a um relacionamento com um traficante do bairro do Trapiche da Barra. Porém, "o amor bandido", como a própria a definiu, não apenas a afundou, mas levou toda sua família para o fundo do poço.
Apesar do envolvimento com as drogas, Dayane afirmou que sua prisão aconteceu através de um crime que – segundo ela – não cometeu. Há sete anos a ex-traficante foi apontada como mandante de um sequestro. A partir daí a polícia “puxou” o seu histórico criminoso e a colocou atrás das grades. "Foi armação, sequestraram uma pessoa e disseram que tinha sido eu, quando a polícia me pegou, descobriram que eu era traficante", contou.
Ela disse que durante a sua prisão, no bairro do Village Campestre II, a polícia encontrou na residência em que ela estava uma grande quantidade de drogas. Dayane garantiu à reportagem que a “mercadoria” não seria dela, mas assumiu a culpa para proteger um familiar, que ela não revelou quem seria.
"A polícia pegou um familiar meu e ligaram para mim avisando, eu me entreguei e fui presa. Tinha droga na casa da pessoa quando a polícia chegou e eu disse que era minha, mas não era minha. Fiz isso para meu parente não ir preso", confessou.
O caminho errado e o arrependimento
Ao lembrar de seu filho preso, Dayane não conteve as lágrimas. Ela afirmou que se sente culpada pelo ingresso dele no mundo do crime. Ela relatou que para defende-la da morte, seu filho cometeu homicídio, crime do qual está preso – também no Sistema Prisional de Alagoas.

Apesar de estarem tão perto – fisicamente falando – já que os presídios em que estão ficam no complexo penitenciário, mãe e filho que tiveram suas vidas marcadas pelo crime, comunicam-se apenas por carta. Em pleno século XXI, essa é a única alternativa que possuem para manterem unidos os laços familiares.
Bem-sucedida no mundo do tráfico, Dayane disse que pensou em parar após a conquista da independência financeira. Sem dizer ao certo quando seu comando no tráfico iniciou, ela afirmou que chegava a lucrar R$800 reais por semana.
Ela contou que com esse dinheiro, obteve casa própria, veículos de passeio e uma boa quantia de dinheiro depositada em banco, buscou abrir uma loja de roupas para passar o resto de seus dias vivendo de forma digna, porém, apesar de olhar para o futuro com esperança, seu passado veio à tona e lhe colocou no cárcere.
Outras “Dayanes”
De acordo com o levantamento realizado pela Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris) no Presídio Feminino Santa Luzia, no último dia 10 de outubro de 2017, 210 mulheres estão presas no local, sendo que 109 têm envolvimento no tráfico de drogas, o que representa um total de 52%.
De acordo com Geórgia Hilário, chefe do Núcleo Ressocializador da Capital, o caso de Dayane é quase que um denominador comum entre as presas por tráfico de drogas atualmente. Ao casar-se ou envolver-se amorosamente com algum traficante, essas mulheres acabam sendo absorvidas pela prática criminosa e muitas delas – assim como Dayane – dão continuidade ao negócio após a morte ou prisão de seus companheiros.

Ainda segundo Geórgia, apesar de entrarem no crime por causa de seus companheiros, a grande maioria são abandonadas pelos próprios homens, que na maioria das vezes é a maior razão por elas terem ido tão longe arriscando a sua liberdade.
O delegado Gustavo Henrique, titular da Delegacia de Repressão ao Narcotráfico (DRN) concordou com Geórgia sobre os motivos da entrada das mulheres no tráfico de drogas. Segundo ele, o fato da sociedade ainda ser machista, acaba facilitando o ingresso delas na criminalidade, já que as forças policiais acabam focando mais no combate aos homens.
Presas e abandonadas
Atrás das grades, a maioria tem família e filhos, mas são "abandonadas" pelos companheiros que as deixam porque estão presos ou terminam o relacionamento após a detenção.
O presídio feminino é um local calmo, afastado e ao ar livre, o vento que bate nas roupas das detentas - que estão estendidas com a ajuda de garrafas utilizadas como um varal - secam as peças das mais de 200 reeducandas que vivem no local.
O aumento da população carcerária feminina é comprovado com o crescimento de 698% no Brasil nos últimos anos de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Geórgia Hilário, afirmou que o perfil das mulheres vem mudando e que elas estão entrando cada vez mais no mundo do tráfico.
Pesquisas publicadas em artigos, mostram que as mulheres que se envolvem com o tráfico eram "invisíveis" antes de conhecerem as drogas.
Geralmente, elas são analfabetas, negras, sem condições financeiras e se tornam solteiras após a prisão. Em muitos casos, a mulher torna-se traficante após o ex-esposo morrer e ela ficar na posição de líder assumindo o papel do ex-companheiro.
De acordo com a Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social (Seris), o presídio feminino Santa Luzia tem capacidade para 210 mulheres. Entre elas, 52 foram condenadas e 166 estão provisoriamente.
Conforme o Mapa da População Carcerária, elaborado pela Chefia de Pesquisa e Estatística da Seris, no dia 10 de outubro deste ano sobre as incidências criminais, o tráfico ocupa o primeiro lugar registrando que 52,96% estão presas por tráfico de entorpecentes; 9,14% por homicídio e 8,06% por furtos simples.

O perfil das presas
Ainda de acordo com o Mapa da População Carcerária da Seris, 43,35% estão em regime provisório; 28,48% são analfabetas e 37% cumprem pena de 2 a 4 anos.
Os dados também mostram que a idade com maior número de prisões é dos 18 aos 24 anos, registrando 28,19% e 56,99% estão solteiras.

Em entrevista ao Cada Minuto, a psicóloga Izabella Cristina Alcântara Duca Alencar (CRP 15/4232) disse que não se pode generalizar um perfil das presas, pois muitas mulheres procuram "caminhos diferentes", mas alertou que o tráfico de drogas tem que ser analisado e investigado, afinal, algumas entram por amor ao parceiro ou alguém da família, ou simplesmente pelo fato do status que ganha sendo traficante, o que envolve um poder.

Izabella também informou que psicologicamente, a mulher pode ser afetada se ela vive em um ambiente de tráfico, mas que existem casos e casos. "Se a mulher está no tráfico porque gosta e quer, ela não sofrerá, psicologicamente falando. Mas, se ela vive nesse meio coagida pelo companheiro ou outra pessoa da família sob ameaça física ou psicológica, existe a possibilidade de a mesma ter um sofrimento psíquico e até mesmo de desenvolver transtornos e doenças como ansiedade e depressão", alertou.
O sonho do recomeço
Dayane ainda tem mais de duas décadas de pena para cumprir. Mas ainda sonha com um futuro fora da prisão. Ainda com o sonho de se tornar comerciante, ela acredita que se tornou uma nova mulher e se agarrou na fé em busca da esperança por dias melhores.
“Quando eu sair daqui, quero recomeçar a minha vida do zero. Vou trabalhar dignamente e, se Deus quiser, poderei viver a liberdade que eu perdi quando decidi entrar de cabeça no mundo das drogas” finalizou.
*Nome fictício para preservar a identidade da presidiária