"A curiosidade matou o gato". Esse velho ditado popular dito por muitas pessoas no dia-a-dia traz à sociedade atual uma triste realidade. A busca pela novidade muitas vezes se torna perigosa. E a curiosidade que um dia matou gatos, está tirando a vida de crianças e adolescentes através dos desafios que visam o suicídio, principalmente o Baleia Azul.
De acordo com Valdomiro Pontes, Gerente de Políticas da Criança e do Adolescente da Secretaria de Prevenção Social à Violência de Alagoas (Seprev), até o dia 3 de setembro de 2017 foram detectados 67 casos de adolescentes alagoanos que se envolveram com o desafio da Baleia Azul. Destes, um menino de apenas 15 anos - infelizmente - chegou ao Game Over (suicídio) em Maceió no início de maio deste ano.
Apesar de ser a capital, Maceió é somente a segunda cidade alagoana que mais apresentou casos do desafio da Baleia Azul no Estado. Ao total, 16 famílias viveram o pesadelo que lidar com o desafio macabro. No município de Porto Real do Colégio – na região do baixo São Francisco alagoano – há 180 km da capital, o conselho tutelar municipal conseguiu interromper os desafios de expressivos 22 adolescentes e a situação é considerada alarmante pela Seprev, já que se trata de uma cidade com pouco mais de 20 mil habitantes.

O drama
Também foi na capital que outro caso, por muito pouco, não se tornou em uma tragédia ainda maior. Seduzida pelo desafio via internet, uma adolescente de apenas 13 anos foi atraída à morte há cerca de três meses. De acordo com a mãe, o Baleia Azul afogou sua filha em profunda depressão e quase a levou sem ela sequer saber o que estava acontecendo. A negligência e a falta de conhecimento quase custaram a vida jovem Adriana**. Após o maior susto de sua vida, a mãe - dona Michelly Neves – contou a reportagem como foi a difícil descoberta.
Com personalidade doce e amável, a jovem Adriana passou a se tornar problemática e rude em sua família. A mãe imaginava que a menina passava apenas pelas já conhecidas crises existenciais que todo adolescente na fase da puberdade passa. Com este pensamento de que o perigo nunca poderia entrar em sua casa, ela se surpreendeu quando descobriu que sua filha estava no desafio. A mãe afirmou que não sabia como lidar com Adriana ao ver as marcas de automutilação e a situação lhe deixava desesperada.
De acordo com a psicóloga Izabella Cristina Alcântara Duca Alencar (CRP 15/4232), a busca pela novidade pode ser um perigo para os adolescentes, principalmente sem a devida vigilância dos responsáveis. Segundo ela, deixá-los livres demais pode ocasionar situações de risco como no caso de Adriana.
“O processo de maturação dos jovens desta idade está ainda em construção. Dessa maneira o adolescente passa a viver e querer aquilo que está em alta no mundo deles, sempre buscando ser inserido em grupos sociais aos quais eles se identificam, buscam novidades e desafios e esse é um dos motivos pelo qual o jogo se tornou atraente, ele é desafiador estimulando-os a cumprir metas, sem medir as consequências que isso pode lhe trazer. Assim como o corpo está em desenvolvimento, o cérebro também está e tem uma alta plasticidade para diversas coisas como a aprendizagem, seja ela boa ou ruim. Dessa maneira os adolescentes são vulneráveis as novidades, excitação e aceitação em determinados grupos” explicou.
A psicóloga disse ainda que “Além da maturação, como falado anteriormente é preciso verificar o que é normal na vida do indivíduo, e se existe equilíbrio emocional, pois se não a criança estará mais vulnerável a esses tipos de jogos”.

Santo Antônio
Segundo a tradição Católica, Santo Antônio de Pádua foi um homem com um dom da retórica. Tanto é que sua língua permanece incorrupta até hoje e é venerada por milhares e milhares de devotos. Coincidência ou não, um outro Antônio conseguiu operar um verdadeiro milagre na vida da jovem Adriana através de muita conversa, compreensão e confiança. O responsável por impedir o suicídio da menina foi o conselheiro tutelar Antônio Vieira, que detectou que a adolescente estava participando do desafio da Baleia Azul.
O conselheiro afirmou que quando soube pela mãe que Adriana estava com os braços cortados, tomou um susto e suspeitou de que se tratava do desafio da Baleia Azul. Confira o depoimento abaixo.
Após o susto de ter a vida de Adriana possivelmente escorrendo pelas suas mãos, Antônio interviu no desafio e imediatamente colocou em prática o que aprendeu durante os encontros sobre o tema entre os conselheiros tutelares e a Seprev.
Após cerca de dois meses após a intervenção de Antônio, Adriana vive dá sinais de que está aproveitando sua vida como deve ser: tratando com zelo e com a sensação de juventude e que apenas é o começo dela. A menina que viveu momentos de tortura psicológica, hoje retorna a dar sorrisos e agradece por poder retornar à alegria de viver.
A mudança de comportamento e o desejo de morrer
Aos poucos, a menina Adriana escondeu o sorriso e mostrou-se agressiva e a alegria se fez agonia. A mãe, que nada sabia, se angustiava ao ver sua filha sem vontade de viver e a sensação de impotência potencializava ainda mais o sofrimento da família. A automutilação, as palavras duras e o desespero escondiam o grito de socorro que a jovem tanto queria soltar.
Recomeço
Atualmente, a jovem Adriana segue sendo acompanhada de perto pelo conselheiro tutelar Antônio Vieira. A menina, que aos poucos já dá os primeiros passos de volta à sua vida normal, precisa ser vigiada 24 horas para que o mal não lhe atinja novamente. Hoje, a menina já até vai à academia, retornou às aulas e concentra todas as suas atenções apenas em espalhar seu sorriso por onde passa.
Com alívio, agradecimento e esperança em ver a filha vivendo uma nova fase em sua vida, Michelly afirma que Adriana já vive uma nova fase buscando esquecer o recente passado de dor, sofrimentos físico e psicológico.
Os criadores da dor
“Ao estudar sobre o desafio da Baleia Azul a gente pouco vê sobre o perfil do curador, porem em um artigo, foi constatado a possibilidade do mesmo ter o transtorno de personalidade psicopata. Uma vez que o perfil deste individuo é caracterizado como sujeitos desprovidos de consciência moral, ética e humana, possuem deficiência de empatia, são indiferentes ao sofrimento e sentimentos dos outros e não demonstram nenhum tipo de remorso, são manipuladores e sedutores, atraentes e mentem de forma patológica. Como o objetivo do desafio é o homicídio em massa, e também o de assistir o sofrimento alheio, daí uma possibilidade desse curador se tratar de uma figura psicopata” disse a Drª Izabella.
O perfil descrito pela psicóloga parece cair bem sobre o russo Philipp Budeikin, um dos criadores do desafio da Baleia Azul. Ainda jovem, de apenas 22 anos, foi preso no final de 2016 e afirmou à polícia de seu país que o objetivo do desafio seria o de “limpar a sociedade” do que ele chama de “lixo biológico”.

Até o momento as autoridades policiais e judiciais ainda não sabem se os curadores envolvidos nos casos dos jovens alagoanos são do Estado, do país ou se são estrangeiros.
No dia 18 de julho deste, a Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu um jovem de 23 anos suspeito de ser um dos curadores do Baleia Azul no Brasil. Meses antes, “Calango” – como é conhecido – foi encontrado por uma produtora de reportagem da Record TV, se infiltrou e se passou por uma adolescente, sendo recrutada para o desafio. Durante as conversas entre os dois, o curador afirmou “sentir prazer ao ver as suas vítimas se automutilando”.
De acordo com o artigo 122 do Código Penal, a indução ao suicídio resulta em uma pena de 2 a 6 anos de prisão. Caso as vítimas sejam menores de idade, a pena é dobrada, podendo chegar a 12 anos.
Segundo a promotora de Justiça Marluce Falcão, do Ministério Público de Alagoas (MP/AL), os casos de Baleia Azul são difíceis, mas não impossíveis, de serem investigados, já que podem se tratar de crimes interestaduais. Neste caso, a Polícia Federal é acionada pelo poder judiciário. Ela reforçou ainda que as famílias precisam saber prevenir esse tipo de situação e - se acontecer - fazer a denúncia junto a Justiça, já que até o momento, somente o caso do único óbito registrado foi encaminhado às autoridades.
“Quando um pai dá a um filho um aparelho celular ou um computador, ele precisa policiar e saber exatamente o que ele acessa e o que ele vê na internet. O abandono do jovem a própria sorte é um erro muito grave. Um filho trancado no quarto e os pais pensam que eles estão seguros e sem acesso ao mal, estão enganados, já que a internet é muito perigosa quando usada de maneira errada. Uma vez, ocorrendo o fato, isso deve ser investigado pelos pais para que se tome as providências cabíveis do ponto de vista físico, psicológico e, claro, a segurança. Na comunicação com a justiça, nós iremos tomar as medidas preventivas e investigar o caso. Mas é preciso que a família sempre esteja atenta. E não existe um alvo determinado, infelizmente, todos os jovens podem ser vítimas desse tipo de crime” finalizou a promotora.
*Estagiária
**Nome fictício dado à menor para resguardar sua identidade