É impressionante como boa parte da imprensa prefere culpar - por meio de manchetes - os objetos inanimados e esquecer que por trás deles existe uma ação deliberada do ser humano que, nos casos de terrorismo, possui uma motivação específica. 

Mas, dentro da linguagem do politicamente correto, é mais fácil simplesmente chamar atenção para o objeto utilizado em um atentado terrorista do que todo o resto. Assim, a cada fato que se sucede, temos matérias jornalísticas com chamadas como: “Carro atropela e mata pessoas em tal lugar”. No mais são variantes com vans e/ou outros objetos.

É de se indagar se, não mais que de repente, estivéssemos a sofrer um ataque transformers, mas especificamente dos decepticons…

Ironias deixadas de lado, o grande problema disso é não ir à raíz da discussão. Ora, é óbvio que o problema não são os carros e as vans. O problema é o que tem motivado o terrorismo em toda a Europa, enquanto o continente se encontra de joelhos. 

Todavia, em épocas de multiculturalismo e onde palavras machucam, o ocidente parece ter uma dificuldade imensa de reafirmar seus valores, se preocupar com eles, e com a herança que é fruto do direito romando, da filosofia grega e dos valores judaico-cristãos. 

Ninguém está dizendo para fechar a Europa ao diferente, mas simplesmente o óbvio: se queres viver em minha casa, saiba quais são os meus valores, então, no mínimo, que estes sejam respeitados e aceitos. E é preciso que o ocidente entenda a sua herança cultural e, como bem frisou o pensador Edmund Burke, que essa é um contrato social firmado com as gerações anteriores e com as próximas, com os vivos, os mortos e os que virão. 

Que entenda e a defenda. 

O que essa objetificação de automóveis nesses ataques esconde é uma discussão que poderia ser mais ampla e mais honesta intelectualmente sobre o que de fato tem ocorrido, o que é o globalismo e como ele se insere nisso, além de outros pontos como as diferenças entre as próprias crenças, sem relativizar o que de fato é tolerância e respeito ao indivíduo. 

Nesse texto falei da filosofia grega como um dos pilares do ocidente. Eis que em tempos de carros e vans “assassinos”, Aristóteles também nos dá um recado oriundo lá dos tempos antes mesmo de Cristo. 

Diz Aristóteles, em seu livro Política:

“(…) o homem está provido por natureza de armas que devem servir à prudência e à virtude, as quais (essas armas), todavia, ele pode usar para fins opostos. Eis que o homem sem virtude é a mais perversa e cruel das criaturas, a mais entregue aos prazeres dos sentidos e seus desregramentos. Mas, a justiça é o liame entre os homens nas cidades, pois a administração da justiça, a qual é a determinação do que é justo, é o princípio da ordem na sociedade política”.

A citação está no capítulo II do Livro I de Política. Vejam que Aristóteles fala de armas, mas serve para qualquer objetivo. 

Como ele fala em armas, aproveito para mostrar mais uma vez a falácia dos discursos desarmamentistas que possuem a mesma lógica de culpar o inanimado. Aristóteles é bem claro: as armas servem à prudência e à virtude - ou seja assegurar a segurança, dentre outros valores que são discutidos pelo filósofo em várias outras obras como Ética a Nicômaco - portanto, não são apenas instrumentos de ataque, mas sobretudo de defesa. 

Agora, podem sim cair nas mãos de pessoas ruins e perversas. Mas essas não vão esperar por autorização da lei para o acesso a elas, pois já descumprem a lei. Por isso que Estatuto algum vai desarmar bandidos. Logo, o que se deve fazer - como coloca muito bem Aristóteles - não é culpar as armas, mas os bandidos, que é o que Aristóteles chama de “homem sem virtude”. 

Assim, se pune quem pratica o mal, mas se reconhece o direito de quem busca seguir as leis, inclusive no direito de portar uma arma de fogo. Afinal, não é o fato de alguém ter um carro ou uma van que significa que ele é um potencial “atropelador em massa”. 
 

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