A função de um inquérito é investigar. E, dentro do Estado Democrático de Direito, aquele que é investigado deve ter o amplo direito à defesa. Além disso, um pedido de abertura de inquérito se faz justamente para saber se houve crime ou não diante dos indícios que se apresentam ali naquele momento e precisam ser melhor apurados. Então, em que pese o senador Renan Calheiros (PMDB) ter se manifestado sobre o relatório da Polícia Federal que afirma não vê crime de obstrução de Justiça por parte dele, do senador Romero Jucá e do ex-presidente José Sarney (PMDB), Calheiros não foi vítima de absolutamente nada. Foi alvo de um inquérito. 

Ele foi investigado diante de conversas gravadas pelo delator Sérgio Machado - ex-presidente da Transpetro - que apontavam para a possibilidade do crime de obstrução, a Polícia Federal, de forma correta, mostrou que não havia o crime, apesar de existirem - conforme o relatório - as “meras cogitações”. Se há algo que esse relatório prova é que Polícia Federal cumpriu seu papel com isenção e sem fazer “caça às bruxas”, mas se pautando pelo que existe de concreto nas investigações. 

Afinal, o inquérito por si só é todo procedimento destinado a reunir elementos necessários à apuração de um prática de uma infração penal e de sua autoria, concluindo se houve ou não o crime. Assim, leva à conclusão que pode resultar em réus ou dispensa do próprio inquérito, pois tudo depende do lastro probatório idôneo de fontes diversas que vão sendo apuradas. No caso de Renan Calheiros e os demais, ficou claro para a Polícia Federal que “as conversas estabelecidas entre Sérgio Machado e seus interlocutores, limitaram-se à esfera pré-executória, ou seja, não passaram de meras cogitações. Logo, as condutas evidenciadas não atingem, numa concepção exclusivamente criminal, o estágio de desvalor necessário à perfectibilizacao do delito em questão, que não prescinde, ao menos, de lesividade potencial”.

Entenderam? Não quer dizer que os envolvidos não tenham tido a intenção de atrapalhar ou obstruir, mas sim que eles não fizeram, que ficaram na esfera pré-executaria, nas cogitações. Não há crime, o que não quer dizer que não haja juízo de valor possível por parte da opinião pública dos conteúdos que se tornaram públicos daquelas conversas. E aquele conteúdo mostrou o que alguns políticos pensam sobre a Lava Jato ir tão fundo. 

Em outro ponto, a PF vai dizer que “o simples desejo, intenção ou manifesta vontade de impossibilitar a execução ou o prosseguimento da investigação em realizado a organização criminosa, críticas, reclamações ou desabafos feitos a condição de determinada investigação, aos agentes investigadores e ou mesmo ao juiz, não bastam para caracterização do crime”. 

A Polícia Federal está correta. Renan Calheiros tem todos os motivos para comemorar. É que nos diálogos com Sérgio Machado, Renan, Sarney e Romero Jucá fizeram afirmações contra a Lava Jato e chegaram a discutir sim como parar a sangria das investigações. Apenas nada foi colocado em prática. Logo, não há crime. Destaco a frase de Jucá: “Tem que mudar o governo para poder estancar a sangria”. Era um desejo, que - como se percebe pelos fatos subsequentes - não se concretizou. 

Por isso, na época, também foi correta a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de negar o pedido de prisão de Renan Calheiros e dos demais políticos. Diante disso se conclui que  a deflação de Sérgio Machado é ineficaz. Assim, ele pode perder os benefícios previstos no acordo. Mas, em que pese a PF está correta - a meu ver - em relação ao ponto da obstrução de Justiça, há mais. 

Atenção: uma coisa é o crime de obstrução de Justiça que não houve. A outra é anular por completo a delação de Sérgio Machado, repito. Segundo os procuradores, é algo descabido, pois há outras investigações em andamento com base na delação e Machado. Se tais investigações inocentarão os acusados ou não, é outra história. Mas, precisa ser investigado. 

Em um dos casos - por exemplo - é apurado se Calheiros, Romero Jucá e José Sarney receberam ou não mais de R$ 70 milhões em propina da Transpetro. Este caso está dentro de um inquérito que apura se integrantes do PMDB formaram uma organização criminosa para desviar recursos da Petrobras e outras estatais. O caso segue sendo apurado. 

Renan Calheiros

O senador Renan Calheiros utilizou suas redes sociais no sábado, dia 22, para comentar a decisão da Polícia Federal em relação ao caso de obstrução de Justiça. É justo e legítimo. Afinal, durante meses pairou sobre ele esta acusação de obstruir. 

Porém, é válido Calheiros lembrar que havia elementos para a investigação e sua conclusão ocorreu desta forma justamente porque a PF levou em consideração os pontos para os quais Renan Calheiros chama atenção em seu pronunciamento, que é saber que as palavras de um delator desesperado - por ter sido pego em um esquema de corrupção - carecem de provas e que se estas não existirem ele perde os benefícios da delação. 

Fora a tentativa de afastá-lo da presidência e o pedido incabível de prisão, não há qualquer outro erro. 

Logo, Calheiros acerta ao falar que a decisão “mostra que réus desesperados pela redução de pena” não podem acusar sem provas. Ora, foi justamente o que a PF concluiu. Agora, isso não quer dizer que se joga fora o bebê com a água suja do banho, pois há muito a ser investigado no que foi dito por Sérgio Machado e não se resume apenas a este ponto. 

A exposição na mídia - da qual Renan Calheiros reclama - faz parte de sua vida pública. Afinal, ele sempre vai precisar dar esclarecimentos de várias acusações que surgem contra ele. Não é só este inquérito. Não cabe, evidentemente, o prejulgamento, já que Calheiros como qualquer outro tem que ter o direito à ampla defesa. Todavia, em um jogo político os adversários utilizarão dessas informações. Por vezes com honestidade intelectual. Outras, não. 

Renan Calheiros está certo em reclamar do açodamento da decisão que quase o afasta da presidência com base nessa delação. E também está correto ao afirmar que é “vida que segue”. Segue sim, senador…pois ainda há muita coisa a ser explicada e muitos outros inquéritos em andamento. E absolutamente todos devem garantir ao senador as condições de mostrar sua inocência. 

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