Nesta quinta-feira (29) é festejado o dia de São Pedro. A data encerra, oficialmente, os festejos juninos. A festa é conhecida pelas suas cores vivas, ritmo e sabores peculiares. Em Alagoas, assim como em todo Nordeste, as comidas típicas, as quadrilhas, os fogos de artifício, as roupas xadrez e as fogueiras ganham destaques nessa época. Porém, este último item tão tradicional, em particular, tem sido cada vez menos comum pelas ruas do Estado.
A correria do trabalho, os problemas de saúde, a perda da característica cultural e a maior fiscalização dos órgãos ambientais são alguns dos fatores que têm contribuído para que muita gente deixe de juntar sua madeira e faça sua fogueira na porta de casa ou em seu quintal.
De acordo com a empresária Wanessa Vilar, moradora da Rua Santa Fernanda, no bairro da Jatiúca há 32 anos, é notória a diminuição de fogueiras na região nos últimos cinco anos. “A rua antigamente era toda cheia de fogueiras e esse ano acenderam apenas duas no dia de Santo Antônio e nenhuma fogueira foi acesa no dia de São João. Até os fogos diminuíram esse ano", disse.
Veronica Souto, moradora da rua Antônio Cansanção, no bairro da Ponta Verde, acha que um dos motivos a diminuição das fogueiras se dá pelos malefícios causados pela fumaça. “O índice de crianças e adultos com alergia hoje é muito grande. Tenho uma filha que tem problemas alérgicos e nessa época do ano, ela não pode chegar nem perto da fumaça. Eu percebo também que tradição a vem se perdendo há muito tempo. As quadrilhas hoje parecem carnaval e acabou a graça. O bonito era ver as roupas típicas de matutos no São João, de juntar todo mundo da rua pra decorar e comemorar juntos. Não existe mais isso, infelizmente”, contou.
Ana de Fátima moradora do Farol, disse que somente duas fogueiras foram acesas na rua em mora. Informou também que tem notado uma grande diminuição de uns três anos pra cá. “Acredito que os festejos juninos estão desaparecendo. É uma pena... Como era bom acender a fogueira, deixar o fogo baixar e poder comer milho assado. Eu fui feliz e não sabia!", brincou.
Outra moradora que tem notado diferença no número de fogueira nas ruas é a professora Helouise Vieira, que mora no bairro Santos Dumont. Ela falou que os festejos tradicionais vêm diminuindo ao longo do tempo e como apreciadora do período junino, se preocupa que essa tradição chegue ao fim. "Hoje o São João não é mais como antigamente. Na minha infância lembro que ficava encantada ao ver tantas fogueiras acesas e hoje essa tradição está se perdendo aos poucos. Em minha rua mesmo nessa época os vizinhos se juntavam para fazer a decoração da rua, que já chegou a ser considerada a mais enfeitada do bairro, haviam fogueiras quase em todas as casas. Esse ano houve apenas duas em toda a rua. Tenho receio que chegue um dia que essa tradição se perca", relatou.
Depoimentos como o de Wanessa, Ana e Helouise são muito parecidos com o de muitos alagoanos que perceberam que, com o passar dos anos, a tradição da fogueira junina tem caído consideravelmente. Este símbolo junino parece ter perdido força ao longo dos séculos. Surgida em Portugal, na Idade Média, para comemorar o dia de São João, foi adotada pelos nordestinos para aquecer as noites frias do inverno.
Tradição x Fiscalização?
De acordo com a engenheira florestal do Instituto do Meio Ambiente (IMA), Luise Andrade, a maior atuação dos órgãos ambientais tem ajudado a diminuir o número de fogueiras no em Alagoas. Segundo ela, o trabalho que tem sido realizado com a população nos últimos anos tem criado uma maior cultura de preservação da natureza, mas nega que isso deva inibir a tradição junina.
“Hoje existe um maior controle por parte dos órgãos e existe uma maior informação dos impactos causados pela retirada das árvores e a queima delas. Acreditamos que a conscientização ambiental está maior que antigamente, mas em contrapartida, não acho que somente este fator seja o motivo da diminuição de fogueiras”, afirmou.
Luise disse ainda que atualmente o IMA não realiza fiscalizações específicas durante o período junino. Esse trabalho tem sido feito durante todo o ano e tem o mesmo foco: o transporte e a derrubada ilegal de madeira nativa.
“Em relação à venda ilegal de madeira nativa existe punição sim, pois toda madeira nativa precisa de autorização ambiental para ser cortada e transportada, segundo determina a Lei Federal nº 12.651/2012. Agora, para a prática de fazer fogueiras não existe punição, pois é tradição e a quantidade é relativamente pequena”, explicou.
A engenheira florestal disse ainda que o IMA restringe em fogueiras apenas o uso de vegetação nativa como mangue e mata atlântica. “O corte da madeira utilizada para a confecção das fogueiras devem ser de árvores exóticas, ou seja, espécies que não sejam nativas do Estado. Exemplos desse tipo de árvores são: mangueiras, algarobas e eucaliptos. Também recomenda-se o uso de restos de poda de árvores ou restos de madeiras de construção, compensados, entre outras. O corte dessas árvores nativas diminui a biodiversidade florestal e a queima desta madeira libera gás carbônico poluindo o ar que respiramos. Sorte que é por um curto período de tempo, assim, pode ser classificado como baixo impacto” finalizou.
Já a Secretaria de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Sedet), responsável pelas fiscalizações em Maceió, afirmou que “A Sedet realiza fiscalizações diárias em Maceió. Entretanto, no mês dos festejos juninos, a equipe de fiscalização intensifica os trabalhos para orientar e vistoriar a venda e a utilização dos tipos de madeiras, além da padronização exigida na colocação das fogueiras” disse a assessoria.
“A orientação é de que as fogueiras tenham até um metro de altura por um metro de diâmetro e largura. Além disso, essas fogueiras devem ser construídas a uma distância mínima de aproximadamente 10 metros dos chamados palhoções, prevenindo acidentes.”, completou a Sedet.
Sertão com menos fogueira
Se na capital a tradição tem sido cada vez mais diminuída, no Sertão do estado, a situação não tem sido diferente. No local onde os festejos juninos nasceram é quase impossível se pensar que a fogueira tem se tornado cada vez mais escassa. Na região, dificilmente as crianças saberão dizer o que significa expressões populares como “Padrinho ou Madrinha de fogueira”, algo que era muito comum no interior.
Por esta razão, a reportagem do Cada Minuto entrou em contato com moradores de Santana do Ipanema que apontaram diferentes motivos para a diminuição do número de fogueiras na cidade sertaneja e nos municípios circunvizinhos.
De acordo com o empresário Bruno Bezerra, a cultura junina tem se apagado cada vez mais entre os moradores da região e com isso, o interesse em acender fogueiras tem se perdido. A funcionária pública Isa Duarte, por sua vez, atribuiu a diminuição ao clima chuvoso e frio na cidade.
Já o professor Luiz Santos diz que “a redução do quantitativo de pessoas aderindo à prática de fogueiras, ocorre devido a fatores, climáticos, falta de madeira e de pessoas que busquem e disponibilizem pra venda, uma singela consciência ecológica, e principalmente, a perda do sentido cultural tradicional dos festejos juninos, cada vez mais estilizados e econômico” analisou.
O Bombeiro Militar, Marcello Teodózio, acredita que “em 2007, eu não fazia mais fogueiras por razões ambientais. Na época a questão do efeito estufa e só se falava no aquecimento global. Agora, existem outra pautas relacionadas ao que enfrentamos em relação à fluidez dos laços afetivos. Com o advento da globalização, as relações interpessoais passaram a ser mais instantâneas cobrindo, inclusive, as tradições das famílias que se sentavam à beira de uma fogueira para jogar conversa fora e assar seu milho”.
Tradição mantida
Nascido em São José da Tapera, no Sertão de Alagoas, Olavo Ribeiro, de 63 anos faz parte do grupo dos que não abrem mão de fazer fogueiras em homenagem ao trio junino Santo Antônio, São João e São Pedro. Herdou a tradição dos pais ainda quando criança e quer passar os mesmos ensinamentos de sua infância para as futuras gerações de sua família.
Para ele, mais que uma tradição, o fogo é a principal atração dos festejos juninos. Atualmente vivendo em Olivença, também no Sertão de Alagoas, ele faz questão de fazer sua fogueira todos os anos para reviver as lembranças do passado e reunir a família.
“A fogueira, é um dos símbolos mais fortes desta época. Com ela assamos o milho e as crianças podem usar para soltar chuvinhas e fogos. Para mim é lindo de se ver uma fogueira acesa para todos se aquecerem nesse inverno. Algumas pessoas acabam quebrando a tradição por não encontrar o material indispensável para montar sua fogueira ou por preguiça, comodismo ou justificando o excesso de fumaça e, por isso, acabam não fazendo. Eu sempre mantive a tradição e espero manter até quando vivo eu estiver e deixo esse exemplo para as próximas gerações" finalizou.