Com a crise hídrica que tem prejudicado o abastecimento em diversas cidades, a busca por políticas públicas para a preservação deste verdadeiro ouro líquido para a nossa sobrevivência tem ganho status de urgência. Visando acelerar esse processo, o Instituto de Preservação da Mata Atlântica (IPMA), o Ministério Público Estadual (MPE/AL), o Instituto do Meio Ambiente (IMA), o Batalhão de Proteção Ambiental (BPA), a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH) e empresários do setor sucroalcooleiro alagoano criaram, no final de abril deste ano, mais oito unidades contínuas de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). O objetivo é proteger os mananciais que formam a bacia do Rio Niquim, no município de Barra de São Miguel, no litoral Sul de Alagoas.
Os mananciais que formam essa bacia são responsáveis pelo abastecimento hídrico de toda a cidade e também levam água para a parte baixa de Marechal Deodoro, uma população que abrange aproximadamente 10 mil pessoas. De acordo com o presidente do IPMA, Fernando Pinto, a importância da criação das RPPNs da bacia do Niquim é fundamental, porque as terras de quatro grupos empresariais estão interligadas formando um único corredor ecológico de 978 hectares de Mata Atlântica ainda preservada, o que contribuirá para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes que receberão água potável, além de garantir o equilíbrio do bioma local.
“O corredor do Niquim são oito áreas contínuas das usinas Sumaúma, Roçadinho e Caeté somadas com uma parte do Grupo Luiz Jatobá. Nestas RPPNs que acabam se interligando, estamos preservando inúmeras nascentes da bacia do Niquim e isso é muito importante, pois estamos levando água limpa e de qualidade para duas cidades em plena crise hídrica. Isso significa que estamos segurando mananciais em bom estado. São mais de 970 hectares de Mata Atlântica preservada que contribui para a melhoria do clima que vivemos, do ar que respiramos e é determinante para a vida animal e vegetal. É inimaginável a quantidade de nascentes que existem nessas áreas de preservação. São aves, mamíferos, anfíbios e répteis que são protegidos” afirmou.

O promotor de Justiça Alberto Fonseca celebra a criação das RPPNs do Rio Niquim, pois tem criado nos proprietários uma consciência ambiental que por muitos anos foi desprezada por muitos empresários, principalmente, os que atuam no meio rural. Para ele, atualmente, os antigos vilões estão se tornando verdadeiros guardiões da Mata Atlântica.
“O nosso intuito foi de fazer com que esses empresários, que muitas vezes foram os principais vilões do meio ambiente, se tornem incentivadores dessa preservação em suas próprias terras. Eles tiveram a consciência de que uma área melhor cuidada, haverá uma melhor qualidade do seu solo e das águas que passam por essa propriedade, que beneficia muito a eles. Para isso acontecer, nós criamos um ajuste de conduta onde o pressuposto básico é não abrirmos mão da preservação in natura, já que a nossa busca é pela melhoria contínua da qualidade ambiental e temos a meta de projetar de vez esse conceito tanto nos empresários como na população em geral” disse.
O gerente de fauna, flora e unidades de conservação do IMA, Alex Nazário, aprova a criação das RPPNs do Rio Niquim por causa da fluidez com que elas são efetivadas no Estado, fazendo com que a bacia tenha proteção garantida e com maior rapidez; confira no áudio.
O gerente de Gestão Ambiental e Clima da Semarh, Eduardo Barreto, explicou que a ideia de se criar essas RPPNs partiu-se da urgência de manter essa reserva de água potável ainda intacta das ações de degradação e garantir maior rapidez nos processos legais.
“A ideia inicial era de se criar uma área de preservação na bacia do Rio Niquim, que já abastece toda a cidade de Barra de São Miguel e que agora também atende a parte baixa de Marechal Deodoro. Queremos, justamente, evitar a poluição neste local onde foi aberto anteriormente um processo para que fosse criada uma unidade de conservação, mas isso acabou esbarrando em burocracias que poderiam demorar de 5 a 20 anos para se concretizar. Por isso, tivemos o pensamento de propôr a empresários que têm terras nessa localidade para transformar parte de suas propriedades em RPPNs, o que acelerou todo o trâmite com mais eficiência, chegando a concretização de tudo em até seis meses” revelou.

A grandeza do pequeno Niquim
Apesar de possuir uma extensão considerada pequena, o Rio Niquim é muito importante para as comunidades ribeirinhas de sua região. Nasce em São Miguel dos Campos e deságua na Barra de São Miguel. Ele ainda é responsável por sustentar a irrigação de quilômetros de mangues às suas margens.
Junco, aningas, nífeas entre outras vegetações são presentes durante a extensão do rio, que também mantém a vida de diversos animais. Inúmeras espécies de peixes, crustáceos, répteis, insetos, moluscos, aves e mamíferos dependem das águas do Niquim para atividades de reprodução, alimentação e hidratação.
Como o rio passa por áreas urbanas, tem sofrido com o desmatamento de suas matas ciliares. A habitação civil já destruiu mangues e degradou a área com lixo e esgoto. Esta agressão tem durado anos e tem assoreado o rio em alguns pontos de sua pequena extensão, o que tem gerado um impacto ambiental inestimável como a ameaça às espécies nativas.
Desde o ano de 2014, as autoridades ambientais voltaram suas atenções ao problema da poluição do Rio Niquim. O local, sempre frequentado por banhistas, aos poucos passou a ser degradado pela ação humana. Em diversas ocasiões, alguns trechos do balneário apresentaram coliformes fecais acima dos critérios determinados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Alex Nazário, do IMA, afirmou ao InFoca que em algumas ocasiões os banhistas são os principais poluidores do Rio Niquim e que é preciso fazer um trabalho de educação para que a população seja mais consciente sobre o uso da natureza; ouça abaixo.
Após investigações do Ministério Público Estadual em parceria com o Instituto do Meio Ambiente foram descobertos vários efluentes de estações de tratamento de esgoto que estavam sendo lançados diretamente no rio.
Foi com essa preocupação que os proprietários resolveram aderir a criação das RPPNs perpetuamente em suas terras. O corredor ecológico de preservação de Mata Atlântica nativa vai garantir o processo natural de filtragem das águas do Niquim e preservar a água limpa e cristalina de sua bacia. Além disso, os empresários receberam – através de um decreto do governo de Alagoas – a isenção tributária equivalente ao corredor ecológico.
“Os empresários se comprometeram a perpetuar a preservação de todo este corredor ecológico em um acordo firmado legalmente com a Semarh e as outras instituições parceiras deste projeto, que jamais deverá ser desfeito, nem mesmo pelos possíveis herdeiros futuros. É uma garantia de que esta área será bem cuidada e que a natureza cumpra seu curso sem ações da degradação humana. Além disso, eles terão o benefício de isenção do ITR na área das RPPNs e, claro, podem criar mecanismos de exploração rentável economicamente no local, mas de maneira sustentável e que não prejudique o bioma da Mata Atlântica e, claro, os mananciais. O descumprimento do acordo está sujeito a multas que serão dadas de acordo com o nível de lesão ao meio ambiente local”, enfatizou o gerente de Gestão Ambiental Eduardo Barreto.
“Nós temos o desejo de fazer aqui em Alagoas o que chamamos de recuperação conglobante, onde o dano ocorrido é analisado por todos os especialistas em questões ambientais e a partir daí, deverá se ter uma compensação de recuperação do bioma de forma que englobe todos os impactos envolvidos. Queremos pôr fim na prática de recuperação-indenização, pois isso não tem sido solução na maioria dos casos”, afirmou o promotor Alberto Fonseca.
Preservação do patrimônio nacional
Um dos principais símbolos do Brasil, a Mata Atlântica, tem pedido socorro e já não é de hoje. Este é um dos principais biomas florestais brasileiros e foi cruelmente devastado durante a colonização deste país chegando a ser praticamente varrida do território nacional.
As novas gerações que veem atualmente as tímidas reservas de Mata Atlântica espalhadas por Alagoas e pelo país, certamente não tem noção da grandiosidade que esta floresta nativa do Brasil já foi. O bioma foi quem deu as boas-vindas às primeiras caravelas portuguesas que chegaram na ainda Pindorama em abril do ano de 1500. Hoje, a mata tem lutado para não dar adeus de vez ao povo brasileiro 517 anos depois.

Naquele ano grande parte da costa litorânea brasileira era completamente coberta pela Mata Atlântica. O bioma abrangia uma área de aproximadamente 1.315.460 km², o equivalente a cerca de 1/8 da extensão total do Brasil. Por conta da ação do desmatamento, a floresta se resumiu a cerca de 157.855 km² – de acordo com o senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) – o que confirma uma redução de 88% da totalidade original. De acordo com o SOS Mata Atlântica, a vegetação perdeu mais 18.500 km² nos últimos 31 anos, o que é proporcional à área de 12 cidades de São Paulo, uma das maiores do mundo.
O Brasil possui centenas de RPPNs, que juntas estão somando atualmente cerca de 510 mil hectares de área preservada. O número ainda é pequeno, mas o objetivo do governo federal é ampliar ainda mais a quantidade de reservas e tem a missão de sensibilizar o cidadão comum para a conservação de parte da biodiversidade existente em sua propriedade particular. As reservas têm como principal característica a conservação da diversidade biológica, mas continua garantindo ao proprietário a titularidade do imóvel.

O sonho das “avenidas ecológicas”
Fernando Pinto, presidente do IPMA, revelou um plano que já está sendo colocado em prática pelo instituto e parceiros, que é o de interligar mais propriedades afim de aumentar a área de proteção homogênea.
“Estamos buscando fazer uma coisa nova, que é muito interessante. Já estamos em contato com mais usinas associadas ao IPMA e também com fazendeiros para nos dar mais de 1000 hectares que podem nos proporcionar uma conexão e, acontecendo isso, transformaremos esse corredor em uma avenida ecológica”, destacou.

Em Alagoas, 43 proprietários rurais – afiliados ao IPMA – assinaram um acordo de parceria para a criação de RPPNs em suas propriedades. Juntas, elas formam uma área de quase 10 mil hectares de preservação. Fernando relembrou o início da instalação das primeiras reservas particulares em Alagoas e vê a classe empresarial mais aberta e consciente com as questões ambientais
“Atualmente temos 43 RPPNs em Alagoas ligadas ao programa do IPMA, isso equivale a uma área de mais de 9 mil hectares. Essas oito reservas particulares criadas são muito recentes. Nós começamos esse nosso trabalho com usinas, porque elas eram as grandes vilãs, mas era quem tinham as matas. Na época, ainda em 1996, quando iniciamos a criação das primeiras RPPNs, foram apenas duas usinas que aceitaram e hoje temos quase todas as empresas do setor sucroalcooleiro ao nosso lado. Antigamente, isso era um processo muito demorado e as próprias empresas eram mais reticentes, mas criamos uma associação de RPPNs a nível nacional e o nosso foco sempre foi para que houvesse a preservação imediata. Como são áreas particulares, isso ajuda muito na celeridade, pois no setor público há muita burocracia e pouco apoio, mesmo havendo a boa vontade dos envolvidos”, afirmou.

Fernando destacou ainda que, apesar de ser uma reserva particular, as RPPNs funcionam sob as mesmas regras de uma unidade de preservação públicas.
“Todas as RPPNs têm a mesma importância e a rigidez da lei que em uma unidade de preservação, só que ela é reconhecida muito mais rápido e isso ajuda. Começamos a convencer os empresários que ter uma reserva era uma coisa muito lucrativa e boa para eles, principalmente porque não precisam ter gasto nenhum para isso. Mostramos que preservando a Mata Atlântica, mantém suas nascentes limpas e, sem as matas, não há como ter água potável. Hoje estamos com parceria com quase 100% do setor sucroalcooleiro alagoano, formando mais de 9 mil hectares de preservação. Proporcionalmente, esse é o maior projeto de RPPNs do país. E eles não estão fazendo por imposição, o que significa que é bom para a empresa”, destacou.
Bons filhos à mata retornam
Além de preservar as nascentes que dão origem a bacia do Rio Niquim e também visar aumentar a porcentagem de Mata Atlântica em Alagoas, as RPPNs estão sendo preparadas para servirem de casa para antigos moradores: o mutum das Alagoas e o papagaio curau, espécies ameaçadas de extinção. O primeiro é classificado como uma das cinco aves mais raras do mundo e também o primeiro a ter perspectiva de retorno ao seu habitat de origem. O presidente do IPMA afirmou que, enfim, o mutum deverá voltar para casa depois de várias tentativas de reintrodução.
“Estamos preparando as áreas para que em 2018 possamos, finalmente, reintroduzir o mutum na nossa Mata Atlântica. Nossa intenção é de inserir primeiramente três casais e eu acredito que se tudo continuar andando do jeito que está, teremos uma população de mutuns estabelecida em até 10 anos. Esse animal tem sido o carro-chefe para a preservação da Mata Atlântica. Ele só pode ser solto com reservas de no mínimo 500 hectares. A situação do papagaio curau é um pouco melhor, pois nós conseguimos encontrar um macho ainda vivendo em nosso estado. Nosso planejamento é de trazer uma fêmea para que eles possam se reproduzir sob nossa constante supervisão”, disse.

Além do mutum e do papagaio curau, as RPPNs também irão proteger 15 aves que estão sendo ameaçadas por causa do desmatamento e degradação da Mata Atlântica alagoana, que tem apenas cerca de 5% ainda preservada. Fernando diz que Alagoas está localizada em uma área ecológica ímpar e que determinadas espécies só existem no estado, por esta razão, há uma urgência em proteger essas localidades.
“Alagoas está dentro de uma área de Mata Atlântica, chamada Centro Pernambuco. Isso significa que parte da fauna e flora que existe aqui é nativa daqui e só existe aqui. São, por exemplo, mais de 15 tipos de aves que habitam no nosso estado e que estão sendo ameaçadas com a degradação. Da vegetação original, temos apenas entre 3% a 5%, o que é muito pouco”, informou.

RPPNs para todos
O promotor Alberto Fonseca informou que as empresas podem explorar as RPPNs mediante a um plano de manejo, especificando todas as atividades que serão realizadas no local. A partir de uma avaliação do MPE, do IPMA e do IMA, a reserva seria liberada para a realização de atividades sustentáveis.
“O empresário que quiser criar um comércio sustentável ou qualquer atividade que seja, pode nos definir um plano de manejo para a exploração da área. A partir daí, sendo aprovado, ele poderá construir uma sede para uma determinada quantidade de pessoas, etc. Tudo sendo bem planejado e aprovado pelas instituições, pode ser realizado a exploração do local com as diretrizes corretas. Se observarmos a maioria das unidades de preservação públicas não há plano de manejo e isso dificulta a perpetuação do trabalho.

Alex Nazário reforçou que a área das RPPNs podem se tornar rentáveis, caso os proprietários tenham esse desejo. Ele explicou que o IMA também está disponível para dar suporte nas instalações da possível atividades; ouça.
Fernando Pinto destacou ainda a importância do envolvimento da comunidade local na preservação dessas reservas. Mesmo sendo particulares, eles alertaram que é preciso haver uma inserção da população em geral afim de contribuir com o bem-estar do meio ambiente em geral.
“O nosso grande desafio não é fazer mais as RPPNs, pois estamos com projetos andando e já temos o mapa da mina de como desenvolver esses projetos. Mas, nossa meta também é de que a comunidade tenha acesso a essas áreas e também a consciência de que essas reservas irão melhorar a qualidade de vida de todos em geral, não apenas do empresário que detém a terra. Por isso, incentivamos a todos os proprietários a explorarem os locais de maneira sustentável, para que escolas e o povo possa visitar e entender como o meio ambiente funciona”, disse.