Com uma escrita empolgante, dinâmica e atenta a aspectos fundamentais da recente História de Alagoas, o jornalista Carlos Marchi resgata a biografia do senador Teotônio Vilela de forma surpreendente. O Menestrel das Alagoas – como ficou conhecido! – talvez seja, ao lado de Aureliano Tavares Bastos, um dos principais nomes da política local devido ao conhecimento que possuía do país e das leituras que conseguia fazer de sua própria época e do futuro.
Teotônio Vilela, que era – em minha visão – um poço de contradições que pendia entre o liberalismo clássico e o esquerdismo revolucionário (já na fase final da vida), era um intelectual boêmio que passeou pelo humanismo, pelo agnosticismo, pelo ateísmo disfarçado (por conta da influência de Dom Avelar) até a crença em Deus e os recursos ao misticismo, quando se deparou com a fase final do câncer. Em resumo, um personagem real da História que é cativante.
Sempre tive curiosidade por alguns personagens de nossa história. Dentre estes, três se destacam: Tavares Bastos (do qual sou fã), Muniz Falcão (antes mesmo de me casar com a neta da irmã de Falcão, a jornalista Vanessa Alencar) e Teotônio Vilela. Por sinal, ao entrevistar o ex-governador Teotonio Vilela Filho (PSDB) – em off – já fiz perguntas sobre o velho Teotonio. Confesso: sempre me encantou mais o homem Teotonio Vilela que o mito que foi criado a partir das Diretas Já! Explico: é que o primeiro era capaz, apesar da visão erudita e da cultura que possuía, de ser simples, não esquecer as raízes e viver conforme os aboios que entoava. Admiro – apesar de discordar em alguns pontos – a sua visão “liberal-social” e as críticas pontuais que fazia ao pensamento marxista. Por isso, resisto ao incendiário revolucionário já idoso, que foi retratado por Henfil e abalou o regime militar por ter concedido uma entrevista ao Pasquim. Ao contrário da maioria, não é isto (ou apenas isto) que me encanta no personagem.
Logo, enxergo em Teotonio Vilela várias faces.
Marchi, na obra Senhor República, consegue resgatar todas elas. Mostra as contradições de Vilela sem precisar citar a palavra “contradição”. Vai do bom humor, como as pegadinhas feitas com Théo Brandão, o folclorista, ao vozeirão romântico presente na canção gravada por Fafá de Belém. Mostra a forma como desafiou os generais ainda no Arena por manter uma honestidade intelectual. Pode-se, evidentemente, discordar dos pontos de vista do senador, mas jamais duvidar de sua honestidade ao ir à tribuna, colocando o próprio mandato em risco, mesmo encontrando depois – por meio da política – os meios de permanecer no cargo.
Se tenho uma única crítica a obra de Marchi, é por achar que ele poderia aprofundar mais no período do regime militar e mostrar melhor a faceta da esquerda revolucionária. Porém, isto não prejudica em nada a obra. É apenas uma visão pessoal minha.
Um dos pontos alto é resgatar a participação de Teotônio Vilela no impeachment de Muniz Falcão. O deputado-relator foi figura central no processo que gerou o episódio mais lamentável do Legislativo alagoano, com o saldo de morto e feridos. Relembrar Vilela é relembrar a política alagoana, marcada pelo autoritarismo, pelo sangue, pelos currais eleitorias, mas também por raros grandes homens, como foi o próprio Teotônio Vilela e como foi Tavares Bastos.
Minha geração ainda não viu homens assim. Infelizmente. Guardo em mim o sentimento de querer ter sido jornalista naquela época, onde entrevistar um político era debater ideias e não somente tomar notas sobre escândalos. Era se encantar com literatura, com discursos profundos, com um debate sobre país e projetos. Marchi mostra isso na obra.
O livro chega às livrarias no ano em que Vilela completaria 100 anos de idade. Aquele que se titulava liberal, que não escondia a admiração que tinha da Confederação do Equador, que buscava o diálogo com os oponentes, que encarou a briga até o fim, nos dá lições independente de concordarmos ou não com seus ideias.
Não digo que Teotônio Vilela foi o ícone do Arena, do MDB ou do PMDB. Digo que foi o farol de uma geração, mesmo quando os impulsos revolucionários se fizeram presentes. Que a obra encontre o sucesso editorial merecido. Há tempos não lia uma biografia de 400 páginas em um único dia. Há tempos que uma biografia – mesmo com algumas discordâncias pontuais sobre os contextos traçados – não me emocionava tanto. Carlos Marchi, em resumo, puxa uma cadeira para que você se sente no bar de Zé do Cavaquinho, lá na Viçosa, abra uma garrafa de uma boa aguardente para conversar com a História, e com um mito que se mostra tão humano, com defeitos e virtudes, com dores e delícias, com uma força surpreendente tão presente naqueles que amam a vida e buscam dar sentido a ela.
É mais que a biografia de um político. É mais que política. Muito mais...
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