Fraturar um osso é um processo doloroso e dependendo do tipo de fratura, a recuperação é lenta e requer uma série de cuidados até que o tecido ósseo consiga se recompor. Não é de hoje que a ciência e a medicina tentam tornar esse processo mais rápido e eficiente e é dos laboratórios de química do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) que uma pesquisa sobre o tema vem sendo desenvolvida e vai cruzar o mundo para apresentar na China os resultados obtidos.
A equipe composta pelo professor doutor em físico-química Djalma Barros, e pelos estudantes Wagner Cirilo, do Campus Marechal Deodoro, e Antony Ernesto, do Campus Maceió, irá para Dalian, na China, participar da Internacional Conference Of Applied Surfice Science (ICASS - 2017), que ocorre em junho, onde eles apresentarão os resultados da pesquisa sobre a utilização de Hidroxiapatita e Látex para acelerar a cicatrização de fraturas.
A pesquisa replica em laboratório substâncias que se encontram na natureza. A hidroxiapatita é um mineral formado basicamente por fosfato de cálcio e que pode ser encontrada nos nossos dentes. Já o látex é obtido a partir das seringueiras e é fabricado comercialmente e utilizado em diversos materiais.
O experimento analisou como se comportavam as duas substâncias e sua aplicação nos processos de cicatrização de fraturas. O professor Djalma explica que a inovação da pesquisa está na forma como a hidroxiapatita é utilizada e o resultado obtido. A equipe do Ifal realizou o tratamento térmico da substância a 600º C e constatou que ao ser agregada com esferas de látex nessa temperatura ela possibilitava uma maior aplicação de medicamentos na sua estrutura, apresentando resultados duas vezes mais eficazes do que utilizando a substância a uma temperatura de 100º C. Em outras palavras, o grupo do Ifal afirma que o composto produzido por eles permitiria que o processo de cicatrização de fraturas ósseas ocorresse de forma mais rápida que os métodos atuais utilizados.
“É o aquecimento dela [hidroxiapatita] que proporciona a junção com as esferas de látex. E justamente quando ela é tratada termicamente que há essa maior abertura de sua estrutura, que permite a junção das duas. É como se tivesse um monte de partículas juntinhas e vem algo e separa. Ela não muda sua morfologia, mas permite que nesses espaços entre as moléculas seja possível colocar alguma medicação, um anti-inflamatório ou antimicrobiano com maior concentração”, explicou.
Enquanto a produção do composto não se torna realidade, a equipe alagoana irá cruzar o mundo para participar do evento que é referência em inovação e que pode mudar a vida desses estudantes.
Do improviso a tecnologia: a evolução no processo de cicatrização
Civilizações antigas já se debruçavam em experimentos voltados para a cicatrização de fraturas. Há registros de que no Egito Antigo as primeiras tentativas de tratamento conhecidas utilizavam pedaços de madeira ou casca de árvores amarradas no membro fraturado.
Foi no ano de 900 d.C. que o gesso começou a ser utilizado na sociedade com a finalidade de tentar reatar ossos fraturados. Eram utilizadas tiras de linho embebidas numa mistura de cal e clara de ovo. Em 1854 Antonius Mathysen desenvolveu as ataduras gessadas. Hoje o composto de sulfato de cálcio semi hidratado é utilizado para fabricação do gesso utilizado pela ortopedia.
Segundo o médico ortopedista Rafael Kennedy, apesar da grande quantidade de estudos e pesquisas na área sobre medicamentos e outras drogas para serem utilizadas no mecanismo de consolidação de fraturas, nenhum deles até hoje se mostrou eficiente.
“Hoje no estado atual da medicina você não tem muita coisa promissora, existem pesquisas, mas atualmente as evoluções se dão no campo cirúrgico, nos procedimentos menos agressivos, incisões menores, no uso de materiais mais modernos para realizar a consolidação”, explicou.
Quebrar um osso dói só em pensar. Porém entre a ruptura e a total cicatrização há um caminho longo que ocorre distante dos nossos olhos. No momento da ruptura do tecido ósseo, os vasos sanguíneos em seu interior se rompem causando um coágulo e sangramento no local. Este coágulo é logo invadido por capilares e fibroblastos, que tornam a região uma espécie de massa dura. Nesse calo temporário se proliferam células osteogênicas, capazes de formar os ossos. Ocorre em seguida o calo ósseo, formado por osteoblastos, que dão certa resistência ao local da fratura, que aos poucos vai sendo substituído por um osso compacto. Dependendo do caso, esse processo pode durar mais de um ano.
As grandes evoluções vêm ocorrendo, segundo o especialista, nos materiais utilizados, como placas e pinos, e nos procedimentos cirúrgicos. Kennedy lembra as pesquisas realizadas com proteínas morfogenéticas do osso para induzir a transformação das células-tronco que não tiveram avanços promissores.
“A gente sabe que todo esse processo de pesquisa demanda tempo, quem sabe lá na frente nós tenhamos avanços nesse sentido, mas hoje ainda não existe um substituto que apresentou muito resultado clínico. O que a medicina vem fazendo é utilizar materiais mais leves, procedimentos cirúrgicos menos agressivos ao paciente”, pontuou.
A busca pelo financiamento
Em busca de produzir o composto, a equipe também está em diálogo com a Pró - Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) do Ifal para viabilizar a produção em Alagoas. “As esferas de látex já são produzidas comercialmente, mas no sentido da pesquisa é inovador. Se com as esferas micrométricas a gente conseguiu algo em torno de duas vezes, com as nanométricas a gente pode conseguir resultados ainda melhores. Vamos à China para divulgar, quanto mais divulgarmos, mais a gente recebe apoio e isso é importante, pois pode surgir interesse de alguém financiar. Sem falar que é uma oportunidade única para esses meninos irem para outro país", disse o professor.
Para o secretário de Ciência e Tecnologia, Pablo Viana, o estado tem apoiado de várias formas a ida de estudantes para outros estados e outros países, uma delas tem sido por meio da Fundação de Amparo a Pesquisa (Fapeal), importante ferramenta para fomentar pesquisas e incentivar pesquisadores. A Secti também vem atuando no apoio a eventos voltados para alunos de nível fundamental e médio, como forma democrática de apoiar e incentivar a pesquisa científica no estado.
“Toda vez que o estudante vai para fora do estado ou para fora do país, é uma experiência que reflete na carreira dele e de todos que trabalham com ele. O fato dos alunos Ifal irem para a China, um pais referência na produção industrial, com certeza eles voltam diferentes, vão trazer uma bagagem capaz de aprimorar os conhecimentos”, avaliou.
Pablo destacou ainda que apesar da crise econômica atingir o financiamento de pesquisas por meio de recursos federais, como é o caso do CNPQ, nos últimos anos a produção científica e tecnológica em Alagoas tem se destacado e vem favorecendo o crescimento do ecossistema de ciência e tecnologia no estado.
“A Fapeal tem apoiado muitas pesquisas que estão fora do eixo de investimentos federal. A disseminação do que tem acontecido tem aumentado, tem se tornado mais acessível o que acontece nas empresas, escolas e universidades, o que torna mais fácil de empresas e investidores buscarem essas pesquisas. Hoje já é possível que empreendedores, estudantes e empresários consigam manter-se em Alagoas, sem precisar recorrer a outro estado para desenvolver seus produtos”, completou.
Ansiedade e esperança
Para nós, Dalian é uma desconhecida, mas a cidade tem uma história complexa. Situada na península Liaodong, Dalian foi elevada em 1898 de uma vila de pescadores a uma cidade portuária sob domínio russo. Na década de 1930 esteve sob o domínio japonês e em 1950 a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) devolveu a cidade ao comando do governo chinês.
Atualmente, sua arquitetura contrasta entre o estilo russo e japonês, incorporado ao longo dos anos, com a modernidade dos mega prédios comerciais. A Organização das Nações Unidas (ONU) classificou a cidade como ideal para se viver, devido ao grande número de praças, jardins e fontes. As suas praias tem alto poder turístico, devido ao mar azul e as areias brancas.
É neste mix de passado e futuro que Antony e Wagner vão aterrissar na primeira vez que irão tão longe de casa para apresentar um trabalho. A viagem mais longa que os estudantes realizaram na companhia do professor Djalma Barros foi para o Rio Grande do Norte para participarem do Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciências dos Materiais (Cbemat) em 2016. Wagner conta que também já participou em 2015 do XIV Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat), no Rio de Janeiro.
“Nunca viajamos para fora do país, essa será a primeira vez e estamos bem ansiosos e felizes de apresentar o resultado da nossa pesquisa na China, um país referência na produção e na inovação”, disseram Antony e Wagner.