O discurso do senhor “representante da sociedade civil” Davi Emerich no Conselho de Comunicação do Congresso Nacional é uma porta aberta para o perigo. É que, no dia 6, o Conselho debateu a proliferação de notícias falsas no ambiente digital (leia-se: redes sociais e pequenos sites que surgem na contramão dos grandes veículos de comunicação, como os blogs, por exemplo). Matéria aqui.
Que a internet é um ambiente anárquico em função de ser apenas uma ferramenta para a exposição dos mais diversos conteúdos é coisa que ninguém duvida. Que, por conta disso, mentiras se espalham em uma velocidade incrível, é coisa que também ninguém duvida. Mas, as mentiras estão apenas nas redes sociais e nos pequenos sites e blogs, ou também fazem parte do cotidiano da grande imprensa ao sabor dos interesses político-ideológicos? Sobre isto parece que ninguém ousa discutir no Conselho de Comunicação do Congresso Nacional.
Ora, nosso Código Penal e Civil já possui dispositivos para lidar com estas mentiras, calúnias e difamações, bem como outros crimes. Que a Justiça seja célere na análise dos casos e ponto final. O que não se pode conceber é que o ente estatal – formado por políticos – seja o guardião do que será verdade ou não. Ou então, que este ente, por meio de legislação, atribua isto a algum “representante da sociedade civil”.
Portanto, não estou em defesa de um território sem lei. Mas contra qualquer coisa que se insinue como censura prévia de conteúdo ao sabor dos interesses ideológicos de quem quer que seja. Seja alguém que concorde com o que eu penso, seja alguém que discorde.
A internet tem o joio e o trigo. Não cabe o Estado ser babá dos consumidores para separar joio do trigo. As redes sociais – mesmo com mentiras que se divulgam – conseguiram ser uma excelente “arma” no combate às mentiras oficiais, dando espaço a pessoas, correntes de pensamento, e pequenos veículos que produzem contra-informação de maneira séria. Pessoas que furam o bloqueio hegemônico, o politicamente correto e a censura ideológica de alguns ambientes.
É o caso, por exemplo, de páginas como Caneta Desesquerdizadora ou até perfis pessoais como os de Bene Barbosa, Rodrigo Jungmann, Aurélio Schommer, Fabrício Rebelo e outros. O perigo de ideias como a do senhor Davi Emerich é dar poder de censura a quem julgue mentira uma informação simplesmente por discordar dela. Não pode haver censura prévia de publicação de conteúdos. O que deve existir é responsabilidade civil e criminal por parte de quem posta uma calúnia, uma injúria, uma difamação ou uma mentira.
E aí tanto faz se este é de esquerda, direita, centro etc. Mentiroso é mentiroso. Caluniador é caluniador. E calúnia é crime neste país. Não precisa de censura de nada para isto.
E a mesma responsabilidade que serve para um perfil de rede social ou pequeno site tem que existir para os grandes meios. Sem que haja censura para isto. A censura prévia é um mal. Vale aqui a reflexão do romancista e filósofo Albert Camus. Ele dizia que existe a imprensa má e a imprensa boa e que precisamos aprender a conviver com as duas, pois qualquer mecanismo de censura só seria favorável à imprensa má. A mesma lógica serve para os demais, pois se um Conselho deste assume o viés ideológico, ele se torna um órgão “detentor da verdade”. Pode ser um mecanismo a mais para perseguir quem pensa diferente.
Agora, eu entendo que atualmente comecem a surgir reflexões de combates às redes sociais. O senhor Leandro Karnal – historiador brasileiro – já escreveu artigo neste sentido, comparando as redes ao Diabo pai da mentira. A preocupação, ao que parece, não é com a mentira divulgada, mas com a existência da possibilidade de pessoas terem voz sem estarem dependentes de um “mediador” grande meio.
Goerge Orwell desenha muito bem isto no romance 1984, quando mostra o Estado – ou aqueles a quem a tarefa é outorgada – como mecanismo de controle do que seria a verdade. É preciso estar sempre atento a estas pessoas extremamente preocupadas com o nosso bem, não é mesmo?
Pessoas boas e más sempre vão existir. Pessoas corretas e mentirosos sempre vão existir. Estejam onde estiverem. Assim como as redes sociais potencializaram a contra-informação, também potencializou a mentira. Mas, não se combate esta com censura e sim com a lei existente. Faça com que ela prevaleça, tendo o que o Estado Democrático de Direito preconiza, como a ampla defesa e a exceção da verdade, e ponto final.
O ambiente anárquico das redes tem muitos pontos negativos, mas só devemos olhar para estes? Eu prefiro olhar para o que de positivo esta liberdade gerou. E acredito – pois não sou babá de ninguém – que as pessoas podem muito bem, por conta própria, assumirem as suas responsabilidades de separar o joio do trigo. Afinal, liberdade de expressão e pensamento é constitucional. Os casos que são exceções deverão ser tratados como exceções: como o anonimato.
Porém, o discurso do senhor Emerich é tão visível e flagrante que ele mesmo classifica as mentiras de maneira ideológica. Para ele, todas as mentiras são “protofascista”. É um discurso que já vemos por aí, quando alguém por discordar de uma ideia já a classifica de fascista, nazista etc. Não, senhor Emerich, nem toda mentira é fascismo.
Mas, conforme a matéria do Congresso Nacional, Davi Emerich, lembra que, no passado, a mídia tradicional fazia uma intermediação, filtrando o oportuno. E o que é o oportuno? Quem é Emerich para afirmar qual informação é oportuna ou não? Eis a fala dele: “Estamos sem intermediação nenhuma. Há o cenário de mídias sociais e de internet sem censura. Em vez de isso se transformar em um instrumento libertário, está criando pensamentos reacionários, protofascistas”.
Viram aí as palavrinhas que denotam o interesse ideológico, né? Para Emerich só reacionários mentem. Então, é preciso eliminar aquelas ideias que sejam consideradas – sabe-se lá por quem – reacionárias, conservadoras etc. Se há um perigo a liberdade de expressão em jogo, este perigo ganhou nome no Senado Federal: Davi Emerich.
Mas olhe quem é Davi Emerich. Veja o que ele fala quando fala de internet a serviço do que concorda: