O escritor Chesterton dedicou parte de sua obra Hereges à análise do pensamento de H.G Wells. No livro de Chesterton se observa, de forma muito clara, as divergências entre os dois homens. Chesterton estava correto! É que o tempo, este senhor da razão da qual não escapamos, provou isto.

Todavia, a leitura de H.G Wells – com um olhar crítico e atento a cada uma de suas afirmações – se faz necessária ao nosso tempo. É que Wells acerta em alguns diagnósticos, como quando, em um de seus ensaios, cria o conceito de “abolição da distância”, ao reconhecer os avanços tecnológicos da humanidade em dois setores especificamente: comunicação e transportes.

Ele próprio reconhece que o avanço não é fruto da “razão articulada”, mas como Mises colocou em suas análises: uma contribuição até involuntária entre os bens produzidos.
Wells mostra, de forma antecipada (em 1928), como o processo de comunicação encurtando distâncias daria às massas uma capacidade de questionamento sobre tudo e todos, incluindo as linhas de moralidade, a própria cultura, as fronteiras das nações, suas conquistas históricas, o orgulho que homem tinha de sua comunidade, bem como a sensação de pertencimento. De fato, isto se esgarça ao ponto de qualquer sinal de patriotismo ou nacionalismo ser visto como ufanismo ou ultranacionalismo. Temos visto isto nas discussões sobre o novo presidente americano Donald Trump.

E dizer isto não é defender protecionismo. Sou contra o protecionismo. Porém, existe um mundo concreto onde as relações humanas se dão e é preciso levá-lo em conta.

H.G Wells mostra um homem perdido na troca das experiências, com mais tempo de reflexão diante do processo evolutivo da tecnologia que facilitava alguns trabalhos e tornava outras tarefas mais cômodas. Ao mesmo tempo, este sentimento promovido pelo progresso se não o distanciasse de suas raízes, abriria espaço para revoltas contra elas diante das “ideias iluminadas”.

Aquilo que antes ficava a cargo das religiões e da moralidade viraria uma tarefa política. Ampliar-se-ia, por exemplo, a noção de política de Aristóteles. Antes, a noção mediava às relações humanas de uma sociedade com base em valores que estavam para além da política. Agora, tais relações poderiam ser postas como fruto da política, uma vez que o homem órfão de sua comunidade poderia ser submetido a um poder maior que dominasse esse encurtamento de distâncias para impor uma agenda.

H.G Wells fala do nascimento do globalismo. Por isto que ele é um autor fundamental para entender o conceito do “socialismo Fabiano”. Aliás, Wells assumia-se assim. Defendia justamente isto. Daí uma das razões de ser alvo das críticas de Chesterton. Não se espantem com o diagnóstico de Wells. Ele estava correto em suas observações. Espantem-se é com as conclusões que ele tira. Ao invés de apontar o mal do esfacelamento e a decadência do homem, como fez Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, ele enxerga tudo isto como o cenário propício para a Nova Ordem Mundial.

Não é preciso dizer que homens como Wells dominaram o debate público. É o que Chesterton mostra em Hereges.

Como já disse, Wells reconhece que estas mudanças que ocorreram no mundo, para a destruição das distâncias, não foi algo articulado, mas benefícios oriundo das liberdades (dentre elas, a econômica). “Essas mudanças não foram trazidas de fora pra o nosso mundo. Nenhum meteoro do espaço sideral atingiu o nosso planeta; não houve nenhum surto esmagador de violência vulcânica nem doenças epidêmicas; o sol não tem nos aquecido em excesso e nem nos lançado numa era glacial. As mudanças têm sido feitas pelos próprios homens. Um número pequeno de pessoas, negligentes no tocante à conseqüência final de seus atos, um homem aqui e um grupo ali, têm feito descobertas e produzido e adotado invenções que mudaram todas as condições de vida social”, diz H.G Wells.

Diz o escritor que apenas “começamos” – por meio de teóricos sociais, incluindo ele mesmo – a perceber que tais mudanças se conectam entre si. Isto nos faz captar a dimensão das consequências. Wells ainda afirma que o progresso foi “estupendo” na eficiência de seus mecanismos e na oferta de substâncias disponíveis ao próprio homem, ampliando suas necessidades e, de forma prática, melhorando a vida de todos, incluindo a escassez do trabalho cansativo para produzir “tudo de material que o homem precisa”.

Mas, tal progresso não sanou as angústias existenciais que são as mesmas da maiêutica socrática, por exemplo. “Cada vez menos seres humanos morrem jovens. Isto mudou a atmosfera social ao nosso redor. A Tragédia das vidas ceifadas e terminadas prematuramente está se afastando da experiência geral. A saúde se torna prevalecente. As dores de dente, de cabeça, o reumatismo, as nevralgias, tosses, gripes e indigestões constantes, que foram tão presentes nas breves vidas de nossos avôs e avós, desvanecem da experiência. Todos podemos viver agora, descobrimos, sem nenhum grande peso de medo, de forma completa e abundante, por tanto tempo quanto permitir o desejo de viver que habita em nós”.

E o íntimo do homem estava preparado para esta vida? Wells responde: “Quando exigimos uma resposta sobre a desgraça e o perigo em nossas mãos, advindos da conquista de poder, obtemos respostas insatisfatórias”. Claro! Tais respostas não surgem da política e muito menos dos bens materiais. Elas surgem do conjunto de valores que o homem carrega para lidar com o poder que alcança e com o status que ocupa. Assim, tanto o bem quanto o mal podem ser potencializados. Por sinal, esta é uma reflexão que Santo Tomás de Aquino faz em seus opúsculos muito antes de H.G Wells e da humanidade ter conquistado tal posição. Aristóteles falou de ATO e POTÊNCIA muito bem. Isto por si só mostra o quanto a transcendência destes valores é real, pois os tempos mudam, mais tais questões não.

É como diz Ortega y Gasset: algo que não se banha no rio do tempo. Wells ao entrar nessa ceara nos oferece o “socialismo Fabiano” em busca do “poder global”. “A banalidade favorita do político que arruma desculpas para as futilidades de seu comportamento é que o “progresso moral não andou lado a lado com o avanço material” (como poderia se não dependia do materialismo que cometeu o erro de enxergar os valores como fruto de uma infraestrutura? Os parênteses aqui é uma reflexão minha e não de Wells)”. Ele ainda segue: “Isso parece satisfazê-lo completamente, mas não e capaz de satisfazer nenhuma outra pessoa inteligente. Ele diz “moral” e deixa a palavra sem explicação”.

É verdade, amigos. Tal palavra nunca terá explicação exata para os interesses meramente políticos, pois será elástica, como disse Trotsky. Daí, tudo se relativiza conforme os interesses de quem se encontra no poder. Mas Wells ao invés de enxergar as tradições, transcendências e costumes como vitais a esta reflexão moral, ele busca aboli-las afirmando que tais são sinônimos de “antagonismos” entre as nações que encurtam distâncias e que isto vai gerar fome e destruição. Ora, as guerras do século XX e as tragédias seculares foram de interesse políticos-materiais, jamais um confronto de tradições, mas imposições. Quer uma hegemonia?

Foram estas imposições – ao contrário do que Wells diz – que nos ensinaram o ódio pelo que não é a minha “ideia iluminada” de mundo perfeito. Não que não existiam conflitos em outros moldes. Claro que existe, pois estamos lidando com a complexidade humana. Mas foi o que Wells exalta que potencializou tal mal ao ponto de termos mais de 100 milhões de mortos em um século, justamente por conta da “razão articulada” propondo projetos totalitários.

Quando H.G Wells diz que “queremos, social e politicamente, um sistema revisado de ideias sobre condutas, uma visão atualizada da vida social e política”, ele fala justamente dos “socialistas Fabianos”. Eles são o nós! Diz que “estamos sendo ludibriados por aqueles que exploram as antigas tradições”. H.G Wells joga fora o bebê com a água suja do banho em seu sonho de mundo perfeito. Ainda bem que tivemos alguns Chestertons pelo meio do caminho...

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