Na mente do ignorante o que não é esquerda, dentro de um espectro político, torna-se automaticamente de extrema-direita. Tal sujeito sequer reflete que está dentro de uma guerra cultural definida nos termos de teóricos como Antonio Gramsci e Saul Alinsky (quem tiver dúvidas que os leia) que faz questão de colocar de um lado “os pulhas” e do outro o “monopólio das virtudes”.
O ignorante sequer nota que “extremos” estão presentes em todo lugar, formando uma “imaginação totalitária”, que foi muito bem definida pelo escritor e professor brasileiro Francisco Razzo, em sua obra A Imaginação Totalitária.
Lá, percebemos que esta imaginação se faz dentro daquele que acredita ter todas as soluções para os problemas do mundo que envolve a complexidade humana, sendo assim, tudo que discordar de sua visão deve ser combatido e exterminado de uma forma ou de outra, seja fisicamente – como fizeram os atrozes regimes revolucionários do século XX – ou por meio dos assassinatos de reputações.
O idiota útil é o soldado nesta marcha insana a propagar todo tipo de mentira sobre quem quer que seja. Uma destas mentiras é afirmar que toda posição de direita é um extremismo que resulta em mortes e perseguição.
Além de ser uma mentira, é uma completa inversão de realidade que cria uma paralaxe cognitiva (quando as ideias não se encaixam na realidade). Por isto o sujeito – inocente e/ou canalha – faz questão de esquecer-se do stalinismo e seus milhões de mortos, das perseguições com fuzilamentos do regime cubano (professado pelo próprio Che Guevara em reunião da ONU), o comunismo chinês, a situação Coréia do Norte e por aí vai...
O que estes regimes possuem em comum? O controle total do Estado sobre o indivíduo, exterminando as liberdades individuais, de expressão e até de professar um credo. Lá, todo inimigo é um contra-revolucionário. Sendo assim, um sistema totalmente opresso se apóia em uma causa que julga ser o “monopólio das virtudes”, cria um culto ao líder, e transforma toda e qualquer divergência em extremo perigo, que há de ser combatido com a morte destas pessoas. Qualquer semelhança com o nazismo não é mera coincidência.
Mas como o incauto, o ingênuo e o idiota útil não possuem conhecimento, mas arrota saber mandando os outros estudarem, desconhece isto e é incapaz de fazer comparações absurdas. O canalha faz tudo isso de propósito por ser canalha. Os primeiros são histriônicos frutos da mentalidade revolucionária. Os segundos são maquiavélicos por propagarem a mentira de forma consciente.
Por isto que ao ler a recente matéria do Terra que busca associar o nazismo ao conservadorismo não sei se é burrice, ingenuidade ou canalhice de quem escreveu. Diz o Terra que a Polícia de São Paulo identificou grupos neonazistas. Se forem neonazistas que respondam por isto, por fazerem apologia ao crime e defenderem uma ideologia nefasta. Nosso Código Penal trata do assunto, como também abre o leque para processar esquerdistas que xingam os outros de nazistas e fascistas atribuindo a estes crimes por conta de divergências. Sou favorável aos processos em ambos os casos. Lugar de nazista é na CADEIA!
Porém, a “reportagem” vai além. Por conta própria diz o texto: “Dentre as possíveis causas para essa tendência estão o cenário político no Brasil, o fortalecimento de partidos conservadores e de extrema direita no exterior e a situação de desemprego e instabilidade econômica, segundo policiais e especialistas ouvidos pela BBC Brasil”. Em momento algum as investigações policiais afirmam isto. A conclusão é toda do veículo de comunicação para fazer a associação absurda entre o nazismo e o conservadorismo, colocando este ainda como uma extrema-direita. Conta com a ajuda de uma antropóloga.
Primeiro ponto: um conservador – dentro do espectro político – jamais será de extrema-direita. Ele diverge da esquerda. Por qual razão diverge? Bem, quem se propuser a leitura de Edmund Burke, Russell Kirk, Roger Scruton, Michael Oakeshott e outros perceberá que o conservadorismo é uma postura filosófica antes de ser política.
Ele se apóia na crença de que a Filosofia – como pensadores feito Aristóteles – tem uma função contemplativa para se buscar a verdade e o entendimento do mundo, enxergando a complexidade humana por meio de questionamentos metafísicos, dando a este uma dimensão que o transcende na busca por um sentido.
Sendo assim, o conservador discorda da visão da esquerda em uma premissa básica: não acredita em utopias nem que um aspecto (a economia) venha a definir todo o humano. Não acredita que seja possível que por meio da razão articulada se possa ter fé demasiada que a política (feita por homens com defeitos e virtudes) possa resultar em um paraíso terrestre. Porém, reconhece: é a política um instrumento que pode garantir conquistas e mudanças positivas para a sociedade. Para se garantir isto é preciso respeitar as conquistas tidas no passado, uma escala de valores morais, ter prudência com as mudanças bruscas, desconfiar dos atos revolucionários e guardar certo ceticismo em relação aos “salvadores da pátria”. Quem é conservador de verdade pensa assim.
Portanto, conservador de verdade não cultua líder! Se o faz, precisa repensar seus atos.
Segundo ponto: a postura conservadora – ao avaliar as conquistas que garantiram as liberdades individuais – defende, como faz Bastiat em seu livro A Lei, que o espírito que rege a legislação seja o de garantir a igualdade de todos respeitando as diferenças individuais, reconhecendo que há uma tradição e uma cultura que rege uma comunidade, bem como valores, e que estes não podem ser atropelados por um “ser iluminado”, que acredita ter a fórmula do mundo melhor. Desta forma, uma das conquistas vislumbradas pelo conservador é o que permitiu a evolução do Ocidente, chegando ao Estado Democrático de Direito, o reconhecimento do direito à vida a todo e qualquer cidadão, o direito à propriedade, o respeito à lei e as convenções constituídas por meio de um norte moral.
Daí o conservador em sentido filosófico defender que o Estado não pode ter exageros em seu papel coercitivo ao ponto de se fazer presente em todos os aspectos da vida humana, decidindo inclusive quem podem viver ou morrer por conta de credo, etnia, sexo ou o quer que seja. Tanto é assim que foi Bastiat (autor elogiado entre conservadores) um dos primeiros a defender – dentro da democracia – o sufrágio universal. Tanto que isto faz com que conservadores defendam menos Estado e mais liberdade individual, reconhecendo os aspectos positivos do liberalismo econômico. Apenas há uma divergência com liberais no que diz respeito à visão de liberdade, pois conservadores não a enxergam como um princípio absoluto. Razão pela qual existem – graças a Deus – divergências sadias nos espectros que não são de esquerda e lá, nem tudo é extremo.
Assim como nem toda esquerda é extremista.
Se há dúvidas, leiam os autores que aqui cito. Como diz Groucho Marx, não acreditem em mim, mas nos seus olhos. Mas, o que faz o Terra não permite que o leitor discuta a postura conservadora. Porém, faz a associação imediata incabível. Por que incabível? Ora, quando se defende menos Estado e mais liberdades individuais o que se está defendendo é o completo oposto de qualquer regime totalitário, seja o comunismo, nazismo ou o fascismo. Pois, em todos estes, o Estado se colocava como o controlador de tudo e quem não concordasse era inimigo do Estado. Conservadores defendem justamente o contrário.
Se o cidadão que escreveu a matéria tivesse ao menos lido Terras de Sangue de Timothy Sidney veria um estudo profundo sobre as semelhanças entre as práticas da URSS de Stalin e a Alemanha de Hitler, com os campos de concentração e a condenação de crianças, inclusive. Esta, por sinal, é a parte mais chocante do livro. Mas este não é o único estudo. O historiador Robert Gelatelly também nos oferta o precioso estudo Era da Catástrofe Social em que se debruça sobre a semelhança dos regimes e seus extremismos na crença em estados totalitários.
Se for pouco para a “mente sábia” que associa conservadorismo e nazismo, aconselho Os Ditadores de Richard Overy, onde se mostra inclusive a semelhança entre as pessoas que estavam no comando destes regimes: ambos com Estado fortíssimo, desrespeito às liberdades individuais, desprezo pela vida humana, crença em utopias, controle de imprensa, perseguições, terror e medo. Ocorre isto justamente por terem abandonado princípios como o da prudência que é detalhado por Russell Kirk em A Política da Prudência. É só ler.
Acontece que, no Brasil, a única “direita” aceita é a social-democracia representada pelo PSDB. Porém, a social-democracia tem raízes nas ideologias de esquerda. Quem duvida disto leia o próprio Lênin em “Esquerdismo...”, depois completem a leitura com Gramsci e Robert Service. Deste último, o livro Camaradas mostra a construção destas ideias para a evolução da chamada esquerda democrática. Por isto que nem todo esquerdista é stalinista ou leninista. Com honestidade intelectual, reconheço isto. Pena que a honestidade não é recíproca em muitos casos.
Talvez Camaradas seja a obra mais completa sobre o assunto. A falta de estudo nos leva a escrever aberrações com amplo alcance, como é esta da matéria do Terra.
Mas, vamos a exemplos práticos: Viktor Frankl – que é um pensador caro aos conservadores em sentido filosófico – foi uma das vítimas do nazismo. Deixou como legado Em Busca de Sentido dentre outros relatos onde mostra a crueldade deste estado totalitário. Usa de sua experiência pessoal para ajudar milhões de pessoas a buscarem a voz interior, suas liberdades de consciência e um sentido, como se vê na teoria da Logoterapia e Análise Existencial. Vejam a qualidade dos homens nos quais conservadorismo se apóia. Não é o único! Não podemos esquecer a luta de Thomas Sowell pela clarificação do conceito de liberdade, respeito ao indivíduo, às comunidades e aos seus valores. Isto pode ser visto em Conflito de Visões e Os Intelectuais e A Sociedade.
Olhe que aqui nem citei a contribuição magnânima das obras de Theodore Dalrymple ao criticar o progressismo, como faz em A Vida Na Sarjeta. A leitura de todas estas obras mostrará o quão o Terra foi infeliz.
Mas, vamos deixar os conservadores falar por si mesmos:
Edmund Burke: “Para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens não façam nada”.
Edmund Burke: “É um erro popular muito comum acreditar que aqueles que fazem mais barulho a lamentarem-se a favor do público sejam os mais preocupados com o seu bem-estar”.
Edmund Burke: “Todos os opressores atribuem a frustração dos seus desejos à falta de rigor suficiente. Por isso eles redobram os esforços da sua impotente crueldade”.
Roger Scruton: “O homem que diz que a verdade não existe está pedindo para que você não acredite nele. Então, não acredite”.
Roger Scruton: "O conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar, tudo o que depende da cooperação com os demais, visto não termos meios de obtê-las isoladamente. Em relação a tais coisas, o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século XX. Também é uma razão pela qual os conservadores sofrem desvantagem quando se trata da opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa."
Roger Scruton: “Apenas uma pessoa tem direitos, deveres e obrigações; apenas uma pessoa age por razões além das causas; apenas uma pessoa merece nosso louvor”.
Russell Kirk: “Variedade e diversidade são as características de uma grande civilização”.
Russell Kirk: “Justiça significa que todo homem e toda mulher têm direito ao que lhes é próprio – às coisas que melhor se adaptam à sua própria natureza, às recompensas de sua capacidade e integridade, à sua propriedade e à sua personalidade”.
Estas são apenas algumas dentre tantas frases entre tantas obras. É claro que se pode criticar a postura conservadora. A liberdade é também a defesa de que alguém possa discordar do que o outro pensa e apresentar teses mais variadas, pois tal debate é sadio. Logo, toda postura filosófica ou política pode ser alvo de críticas. Todavia, a honestidade intelectual consiste em criticar algo pelo que ele realmente é. O que se faz na matéria do Terra é criar um espantalho. O pior é que a matéria ainda recorre a uma antropóloga que é tão superficial quanto quem escreve o texto. Por qual razão não buscaram um pensador conservador para também dar a sua visão?
Temos eles no Brasil, como o professor de Filosofia Rodrigo Jungmann, o escritor Aurélio Schommer, o médico estudioso Hélio Angotti, o escritor Fausto Zamboni, o autor aqui citado Francisco Razzo, o cientista político Bruno Garschagen, dentre outros. Muitos estão entre os mais vendidos com suas obras. Como então desconhecê-los?
O que temos é o cenário perfeito para se culpar uma postura sem sequer querer explicá-la. Desonestidade intelectual pura!
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