Nunca escondi o quanto admiro a obra do alagoano Aureliano Tavares Bastos (1839-1875). Aposto que se tivesse nascido na Europa seria um dos homens a dialogar e a debater com intelectuais importantes como o irlandês Edmund Burke “em pé de igualdade”, por meio de suas obras. Digo mais: a oratória de Tavares Bastos, sua capacidade de escrita e argumentação ao falar sobre o perigo do Estado coercitivo e outros temas é algo no nível de um Bastiat, Thomas Paine, John Adams e por aí vai...prova de que, se valorizássemos tais pessoas, não ficaríamos devendo em nada aos importantes estrangeiros.  

A inteligência de Tavares Bastos é notória na simples observação de seu currículo. Viveu até os 36 anos de idade, mas produziu muito. Aos 20, já conquistava – com mérito – o doutorado nas ciências jurídicas. Duas obras de Bastos são importantíssimas e creio que, apesar de soarem datadas, possuem uma enorme importância aos dias atuais. São elas Cartas do Solitário e A Província. É possível perceber ali sua visão de futuro, quando argumentava pela prosperidade de um federalismo descentralizado. Tal discussão remete aos documentos clássicos dos federalistas e antifederalistas americanos: o debate que pautou a formação dos EUA.

Para os dias atuais, tal debate feito por Tavares Bastos serve de reflexão sobre as mazelas do nosso pacto federativo, que é o que muito municipalista não consegue discutir com competência.

Em A Província, Tavares Bastos – alagoano que me faz ter orgulho de meu Estado – argumenta que o que caracteriza o homem é “o livre-arbítrio e o sentimento de responsabilidade que lhe corresponde”.

Por esta razão, diz ele que ao suprimir o norte moral (que não deve ser imposto por um ente estatal, mas reconhecida a sua existência mediante as experiências da civilização), tudo tende a ruir por não mais haver distinções entre o certo e o errado, o herói e o tirano. Por isto, a nação perde – segundo ele – “todo o interesse” pelo que “aviventa a tragédia humana”. Deixam de transmitir “o sagrado depósito da civilização”.

Não era um conservador em sentido filosófico, como deixou claro em sua obra, pois assumia uma postura liberal, porém com desconfiança em relação aos processos revolucionários que tendiam, na visão posta por ele, ao totalitarismo ou à anarquia. Todavia, absorvia do conservadorismo a importância do norte moral e o respeito às conquistas civilizacionais.  

Tanto assim que via o progresso como o fruto da soma das realizações individuais, pois defendia a existência, no corpo social, de um ente real (pessoas) e um ente imaginário (Estado). Jamais achava que tal progresso benéfico poderia ser fruto de uma razão articulada ou de uma única mente iluminada.

Defendeu que a base moral dá sentido aos entes reais chamando-os à responsabilidade para com a comunidade da qual fazem parte. Segundo ele, quando o Estado toma a dianteira daquilo que é uma conquista civilizacional, ganha o poder de subverter a lógica para privilegiar quem se encontra no comando.

Concluiu que “nos dias nefastos em que o poder se encontra fortemente concentrado, move mecanicamente uma nação inteira” levando todos aos “estado social da inércia, do desalento”. É que desprovidos de responsabilidades e de ímpeto próprio, o cidadão aprende a esperar que o Estado lhe dê tudo e o trate como uma criança a espera de uma babá que lhe ensine o certo e o errado.

Por isto que Tavares Bastos classifica o poder centralizador e o totalitarismo como “estéreis e infelizes, negligentes e corrompidos”. Diz ainda que nesse quadro existirão aqueles que “contestam com incorrigível obstinação” os que lutam por liberdade. Estes serão alvos daqueles “cuja cegueira jamais deteve a marcha fatal das revoluções”. Eis que é necessário “limitar o poder, corrigi-lo, desarmando-o das faculdades hostis à liberdade”.

“Não! Nós não exageramos nem a deplorável situação moral criada pela centralização, nem a perversidade de suas técnicas políticas. Ela começa corrompendo e acaba anarquizando”, frisa. Na visão de Tavares Bastos, por este motivo o federalismo adotado nos EUA (ainda que não o cite literalmente) era exemplo, ao contrário do que ocorria na Europa. Tavares Bastos era um republicano, mas muito diferente daqueles que proclamaram a República deste país. Muito, mas muito diferente mesmo.

Aí, eu pergunto: o que aconteceu com os EUA um século depois de seus escritos? O que ocorreu com a Europa? Pois, ele escreveu antes de muitos acontecimentos históricos...e o que vem ocorrendo com os EUA ao se afastar da discussão que o fundou?

Por estas e outras, eu me indago a razão do nosso Executivo estadual – tendo gráfica própria – não encampar a reedição destas obras, trazendo para um português de nossa época e com as devidas notas de rodapé. Seria um projeto fantástico. Um resgate que faria justiça a Tavares Bastos, que hoje é lembrado apenas como o nome da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas. Aliás, o próprio Legislativo poderia encampar este projeto. Claro, se houve interesse da iniciativa privada por um projeto como este, melhor.  

Estou no twitter: @lulavilar