Eis que depois da tragédia no Estado do Amazonas, no presídio de Manaus, agora estoura mais uma rebelião com mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a maior de Roraima. As informações são da própria Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc).
Na manhã de hoje, foi informado o número de mortos: 33 presos. Ainda são aguardados os detalhes. Porém, já é possível afirmar que não se trata de uma coincidência, mas sim – como já disse em outra postagem – da crônica de uma tragédia anunciada. Republicarei neste espaço o texto que já havia feito sobre a situação em Manaus. Aí, o leitor julga.
O fato é que as mortes em Roraima refletem as brigas de facções criminosas que se espalham por todo o país. Um caldeirão em ebulição. A completa falência do sistema de segurança pública que, ao longo de sua história, abriu espaço para que o crime organizado tomasse conta dos presídios, por meio de um estado paralelo com tribunais de exceção, aos moldes revolucionários.
Não por acaso, estas facções aprenderam – desde o presídio Ilha Grande, na época do Regime Militar – a se articularem em discursos, jargões, marketing, publicidade, estatuto, enfim...um verdadeiro manual de guerrilha. Não são presos comuns. Não é coincidência que, com estes instrumentos em mãos, tenham ampliado tentáculos, ao ponto de, como fica claro na investigação do MPF, cultivar associações com as Farcs. Portanto, não é coincidência também que a principal atividade seja o narcotráfico, a lavagem de dinheiro e ligações políticas.
Por isto se beneficiam do discurso do “banditismo de classes”, das “vítimas da sociedade”, enquanto tocam o terror em um país completamente desarmado. Não estranhem se as investigações mostrarem as reais ligações entre o caso do Amazonas e agora o de Roraima. Eles estão interligados.
Em outubro, na penitenciária agrícola, já houve o confronto entre duas facções rivais e familiares de presos foram feitos de refém. Na época, alguns detentos foram queimados e outros decapitados.
Em relação a este caso de agora, já existe informação ligando com o que ocorreu em Manaus. No dia 3, o Amazonas emitiu alerta para Roraima avisando sobre confrontos possíveis nas unidades do Estado. É quando eu repito: a palavra acidente usada pelo presidente Michel Temer (PMDB) – por mais que seja sinônimo de tragédia – dá a noção de imprevisibilidade desta e busca, por um eufemismo torpe, minimizar a culpa que o Estado possui que o estabishment possui e não apenas cultivou, mas incentivou ao longo das décadas. Portanto, não corresponde à realidade.
Quem dúvida que leia a obra A Irmandade do Crime de Carlos Amorim e veja o processo de formação e aperfeiçoamento destas facções. Vocês verão a entrada do discurso revolucionário nela. Algo que escapou – propositadamente – à Comissão da Verdade, que foi criada para resgatar a história da Ditadura Militar. Lá, só houve a busca da verdade para um lado. Sem ir à raiz dos nossos problemas, jamais teremos perspectivas históricas (como diria Roberto Campos), mas sempre perspectivas histéricas diante dos acontecimentos. Sempre tais histerias são ainda vitaminadas pela visão ideologizada.
Eis o que já havia escrito sobre o assunto:
O Ministério Público Federal (MPF) foi certeiro ao colocar o dedo na ferida no caso do massacre ocorrido no presídio de Manaus. De acordo com matéria publicada no G1, O MPF apontou para o envolvimento entre os líderes da rebelião, que terminou em 56 mortos, com o grupo guerrilheiro das Forças Armas Revolucionárias da Colômbia (Farcs).
Pelo que lembro, é a primeira vez que uma investigação aponta para algo que já foi denunciado por Carlos Amorim em seu excelente livro-reportagem CV/PCC: A Irmandade do Crime. Na obra, Amorim detalha o quanto algumas facções conseguiram organizar o crime a partir das lições dos revolucionários de plantão. Em outras palavras, os presos políticos que ficaram na Ilha Grande. Ele não fala das Farcs, mas mostra a linha de raciocínio que prevaleceu no país há alguns anos.
O erro do Estado em misturar os presos (já na época) possibilitou o aprendizado de uma linguagem de subversão para criar o “banditismo de classe”, além do aprendizado das táticas revolucionárias para serem usadas em associação ao tráfico de drogas, assaltos e sequestros. Além disto, o marketing e a propaganda das quadrilhas, como o lema do PCC: Luta pela liberdade e Justiça. Parece piada, mas não é. A organização tem até estatuto, como mostram diversos estudos.
Indiquei o livro de Amorim para dois amigos. Mesmo sendo recheado de fontes primárias, ambos trataram como “teoria da conspiração”. Que pena!
Não por acaso, ao longo do tempo, as Farcs ocuparam até lugar de destaque em entidades como o Foro de São Paulo, que agrupou partidos políticos. Quem duvida que leia as atas, ou obras como Conspiração de Portas Abertas, organizado por Paulo Diniz Zamboni. Há ainda o livro de Heitor de Paola: O Eixo do Mal Latino-americano. São obras que, infelizmente, não são muito divulgadas na imprensa. Lá, os reais interesses.
Obras que desnudam o sonho revolucionário no continente e mostram quem é quem. Vale pesquisar ainda com quem as Farcs se relacionam. Não vou classificar aqui que as investigações do MPF são tardias, pois são. Poderiam ter sido feitas antes da tragédia diante do volume de informações e fatos que se apresentam, em documentos e obras.
A forma como muitas correntes criminosas se travestem em um “sentimentalismo tóxico” e se apóiam nele também pode ser vislumbrada nas obras mais densas do pensador Theodore Dalrymple, que mostra o terreno perfeito para o mal a partir disto.
Dalrymple tem tido suas obras traduzidas para o país pela editora É Realizações. Não trata do tema diretamente, mas vai dando informações que ajudam a compreensão de um contexto em que a lógica é subvertida e a vítima passa a ser a culpada e o culpado vira a vítima. Portanto, diferente do que diz o presidente Michel Temer (PMDB) ao classificar o episódio como “acidente”, o que temos é a crônica de uma morte anunciada.
Afinal, os presídios brasileiros viraram uma tábua de pirulito, cheios de buracos por onde entram tudo, desde armas e drogas, até a noção de um organograma que permite o controle do crime a partir destas cadeias. Este organograma ainda permite a extensão dos tentáculos pela América Latina. E quem denuncia isto é visto como alguém insensível que não pensa na “vida do preso”. É óbvio que isto gera disputa de espaços de comando, um estado paralelo, e um tribunal de exceção.
Ora, é óbvio que se quer que presídios que funcionem como devem e não campos de concentração para extinguir vidas humanas. Por sinal, tais campos de concentração existem nos mais totalitários países e foram uma das faces dolorosas dos regimes sanguinários do século XX. Ao que consta, lá não morreram bandidos, mas vítimas por discordâncias políticas. Porém, estas não são lembradas por muitos dos defensores de direitos humanos.
Ninguém pode ser contra os direitos humanos. Todos merecem um julgamento justo e dentro do que preconiza o Estado Democrático de Direito, bem como as condições para pagarem suas penas quando bandidos. Pois, lugar de bandido é cadeia. A questão é o uso deste discurso para esconder verdades que, agora, o MPF aponta, por exemplo. O Ministério Público Federal acerta na linha de investigação e espero que vá adiante. Que aprofunde. Que puxe o fio do novelo ao ponto de desembaralhá-lo por completo.
Segundo os documentos obtidos pelo MPF, os traficantes brasileiros teriam comprado pistolas, fuzis e submetralhadoras do mesmo fornecedor de armas das Farc. Para promover a paz? Pois é...
Mais que isto, aprenderam – ao estilo dos regimes revolucionários, que se crêem juízes, promotores e advogados de defesa personificados em uma ideologia – a criar tribunais paralelos que decidem sobre os crimes que podem ser praticados e determinam até sentenças de morte dentro dos presídios. Isto mesmo! Para quem acredita que o Estado é o grande vilão condenando os outros, eis aí o exemplo bem pior de condenação sem direito a qualquer tipo de defesa. E quem me acompanha sabe que não sou fã do Estado, muito pelo contrário.
O MPF ainda coloca que as brigas estariam ligadas à disputa de território entre duas facções rivais que atuam no estado, a Família do Norte (FDN), ligada ao Comando Vermelho (CV), e o PCC (Primeiro Comando da Capital). Mas, pelo rumo das investigações, o “buraco é bem mais embaixo”, como diz o jargão popular.
Um dado que chama atenção. Vejam, o presidente Michel Temer – em suas declarações – tentou isentar o Estado de culpa, mas – ao que tudo indica – o governo estadual permitiu, mesmo recebendo da administração do presídio a recomendação de que não fizesse, que mais de 1,2 mil presos pudessem receber ao menos um acompanhante no Natal e no Ano Novo. Isto já era visto como temeroso, em função da situação do presídio. Entendem como é a crônica anunciada e não um acidente.
Além disso, outra questão que envolve o Estado: há suspeita de superfaturamento nas contratações de empresas que administram os presídios. Além disto, conflitos de interesses e ineficácia da gestão, mesmo tendo custado tanto aos cofres públicos. É muito fácil opinar sem dados, difícil é correlacionar tudo que vem acontecendo, mesmo com ampla literatura sobre o assunto, mas nem sempre usada por quem deveria esclarecer.
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