O riso do cansaço: famílias dos mortos na guerra de facções serão indenizadas

03/01/2017 12:50 - Bene Barbosa
Por Bene Barbosa
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Possivelmente mais de 60 mortos dentro de uma cadeia no Amazonas. A primeira lição é que não são necessárias armas de fogo para que a barbárie se instale, para que os homicídios aconteçam, para que as guerras explodam. Controlar as armas de fogo com o propósito de regular o crime faz tanto sentido quanto regular a venda de talheres para se combater a obesidade. Nem mesmo dentro de uma penitenciária o estado foi capaz de impedir a entrada de armamento ilegal. Culpar objetos é negar a humanidade do crime e, portanto, suprimir a autoria. Os mais de 60 mortos foram esfaqueados, degolados, queimados vivos, esganados e espancados em um episódio que deixaria horrorizado até Negan, o pior vilão do seriado The Walking Dead.

O massacre, antes de tudo, mostra a monstruosidade dos atos daqueles humanos. Sim, são humanos e negar a sua humanidade é negar que merecem ser tratados e punidos na mesma proporção da consciência de seus atos inomináveis. Monstros são monstros e agem sem total consciência de seus atos, se monstros fossem, haveria que tratá-los como tais apenas aceitando sua condição natural ou seria como condenar um leão por comer uma zebra. Theodore Dalrymple, em seu texto Uma História de Terror define com precisão o perigo de desumanizar o crime e os criminosos: "Na visão de mundo psicoterapêutica adotada por todo bom progressista, o mal simplesmente não existe; temos apenas vitimização. O ladrão e o roubado, o assassino e o assassinado, são todos vítimas das circunstâncias, subjugados e unidos pelos acontecimentos. As futuras gerações (espero) acharão curioso como, justamente no século de Stalin e Hitler, pudemos ser tão veementes em nossa obstinada negação quanto à capacidade do homem para o mal”.

Minha real preocupação - e deveria ser a de todos - é que os que ali estão, mais dia, menos dia, estarão nas ruas novamente, que as cadeias no Brasil não são controladas pelo Estado e sim pelos próprios detentos, que facções vão se organizando e, se hoje lutam entre si, um dia vão se unir, como já acontece em vários estados brasileiros. Vi muita gente comemorando que os bandidos estavam se matando... Não vejo motivo para comemorar a barbárie.

Bom, muitos devem estar estranhando a imagem que ilustra esse artigo. Sou eu rindo durante um debate que tive com o presidente da Comissão de Diretos Humanos da OAB de São Paulo, um advogado que tentava justificar o desarmamento usando o marxismo para tal... O riso, ao contrário do que muitos acharam, não era de escarnio e muito menos de felicidade. O amigo, ensaísta e crítico literário, autor do fantástico Poeira da Glória, Martim Vasques da Cunha, foi o único que captou a essência do meu riso e durante um almoço sentenciou: “Bene, não gostei daquele riso. Aquilo foi o riso de cansaço”.

O riso, que virou até meme, ocorreu quando eu afirmava que o Estado não se responsabilizava individualmente pela segurança do cidadão e os juízes, quase unanimemente, negavam indenizações para quem foi vítima em crimes que, em tese, o Estado deveria coibir. O douto advogado então citou o caso de um presidiário que se enforcou e o Estado teve que indenizar a família. Parece que ele desconhecia a divergência das situações onde o preso está sobre a tutela direta do Estado, mas o cidadão não.

Eis que chega a notícia, ou um alerta às famílias dos criminosos mortos no Amazonas, publicada pelo jornal O Globo que afirma: “Em março de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o poder público tem o dever de indenizar a família de detento que morrer dentro do presídio, mesmo que seja caso de suicídio. Essa decisão tem repercussão geral – ou seja, juízes de todo o país têm a obrigação de aplicar o mesmo entendimento em ações sobre o assunto”.

Caí no riso de novo... Riso de cansaço que não passa e não atenua. Eu, você, todos nós pagaremos alguns milhões às famílias daqueles que escolheram delinquir. Escolheram entrar em facções. Escolheram entrar em guerra. Que se armaram, se organizaram, planejaram e executaram o massacre, ou seja, pagaremos por aqueles que são os únicos responsáveis pela própria desgraça.

Matéria do O Globo - http://oglobo.globo.com/brasil/para-stf-familias-de-presos-mortos-em-manaus-tem-direito-indenizacao-20721352

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