Quantos trabalhadores brasileiros possuem a chance de serem funcionários de uma “empresa” na qual - independente da arrecadação obtida ou dos tempos de crise - podem redefinir os seus próprios salários? Apenas os que se encontram no topo de uma “empresa” chamada Estado e possuem forte influência em um establishment que se organiza de forma a ser servido ao invés de servir. 

Esta é a excrescência do nosso modelo de Estado gigante que se comporta - em função deste establishment - como uma viúva a atender os mais próximos da mesa deste banquete relegando aos demais a conta. 

Não é segredo a crise vivenciada no país e a série de mudanças que são urgentes, dentre as quais o enxugamento da máquina pública, a redefinição do pacto federativo e a adequação das despesas dentro de uma receita para não punir ainda mais o contribuinte. Diante disto, urge que os representantes tenham ao menos o bom senso de servir de exemplo para promover a austeridade com as contas públicas. O primeiro exemplo: cortar na própria carne. 

Mas, os nossos deputados estaduais que possuem o vistoso salário de R$ 20 mil - que é muito diante da realidade brasileira - parecem não estar nem aí para isto. Quando estão, é da boca para fora. Eles resolveram - ao apagar das luzes de 2016 - conceder a si mesmos o reajuste salarial para receberem um valor de quase R$ 25 mil. Em termos percentuais, é mais do que qualquer outro servidor. 

Se alguém argumentar que empresários ou executivos ganham mais que isto, eu respondo: mais quem paga os salários deles é o setor privado com base na lógica do “custo-benefício”. Ou seja: eles dão lucro o suficiente para receberem o que recebem, pois nenhuma empresa que se baseia na lógica vai remunerar alguém por mais do que pode. Há métricas óbvias e claras para isto. No caso dos deputados estaduais (bem como dos outros servidores públicos), nós - os contribuintes - é que somos os patrões. 

O mínimo que os senhores deputados poderiam fazer - por bom senso - era entender que o reajuste tem que ser “zero” como sinal de austeridade diante da crise vivenciada. Sendo assim, eles - por terem os maiores vencimentos - seriam os últimos na lista dos beneficiados até corrigir uma série de injustiças. E não adianta argumentar sob a óptica do impacto financeiro, já que são apenas 27 parlamentares. Pois a austeridade dos “líderes” e “representantes” vem antes de tudo como exemplo diante daquilo que o país cobra.

O que se pede é justamente a redução de regalias de setores privilegiados que, diga-se de passagem, não é apenas o Legislativo com seus altos salários, cargos a serem distribuídos, verbas indenizatórias etc. Trata-se também dos auxílios do Poder Judiciário dentre outros penduricalhos que se espalham por este país alimentando uma casta que sequer, em muitos casos, vale o que recebe. 

O problema do brasileiro é ainda chamar esta gente de Vossa Excelência, quando o título mais justo seria Vossa Excrescência. Lamentável que tal proposta de aumento de salário se dê ao apagar das luzes, como forma de evitar a discussão e os holofotes, e conte com 14 votos. É zombar da cara da sociedade, como diriam alguns usando um português mais direto. Eu sou mais direto ainda: é de dar nojo! 

Quando se trata do parlamento alagoano, o nojo ainda é maior: é o parlamento com figuras carimbadas que foram denunciadas pela Polícia Federal por desviarem mais de R$ 300 milhões; é o parlamento que tinha folhas de pagamento “secretas”; é o parlamento da lista de ouro com comissionados que recebiam recursos mais de 100 vezes em um ano, dentre outros escândalos que se avolumam e se juntam a ausência de transparência. Transparência no parlamento alagoano só se for aquela para inglês ver. É o parlamento que, mesmo diante de tudo isto, sempre reclama de falta de dinheiro.

Que o governador Renan Filho (PMDB) compre esta briga e não sancione a lei (o que acho difícil, pois deve tratar o assunto como questão inerente ao parlamento que tem duodécimo próprio. Ou seja: a desculpa já está posta e é excelente). 

Repito: eu nem discuto a questão do “impacto financeiro”, pois há uma série de outras questões, dentre elas, o parlamento que - há tempos - afirmou não ter dinheiro para regularizar a situação do servidor do Legislativo, que tinha salários atrasados, e parcelou os débitos com o funcionalismo em mais de 10 parcelas, mais parecendo um carnê das Casas Bahia. Portanto, os senhores parlamentares, ou Vossas Excrescências, também deram um tapa na cara do próprio funcionalismo. 

E o que me espanta é que até os deputados estaduais que votaram contra esta matéria, ainda fizeram cheios de melindres que também são dignos de repúdio. É o caso da deputada estadual Jó Pereira (PMDB). Ela foi contra ao aumento, juntamente com Rodrigo Cunha (PSDB), Galba Novaes (PMDB) e João Luiz (Democratas). 

Ela disse - segundo matéria do CadaMinuto - que votou contra “apesar de muitos deputados fazerem por merecer”. Ou seja: ela acha que alguns possuem de fato um “custo-benefício” de R$ 25 mil. Não, não merecem. Ainda mais há os que entram mudo e saem calado do parlamento sem qualquer contribuição visível. Só aparecem de quatro em quatro anos, o que não é - registre-se - o caso de Pereira, pois ela é atuante.

Basta olhar o histórico do Legislativo e de suas leis que, na maioria, são na busca de agigantar o poder coercitivo do Estado para cima do indivíduo contrariando aquilo que o sábio Bastiat colocava como “função da lei”: proteger o indivíduo do poder coercitivo do Estado. Mas pensar em agigantar o Estado parece ser a função número 1 dos nossos legisladores. Pereira votou certo, mas pelos motivos errados. Mas, pelo menos votou certo. 

Pelo menos, Pereira ainda colocou o dedo em uma ferida: os deputados questionam a falta de recursos destinados à Casa (como se isto fosse uma verdade!) e ao mesmo tempo pedem aumento. 

Dos que defenderam, está Francisco Tenório (PMN), que disse que o reajuste é direito. Eu não discuto nem a questão legal, mas sim a questão moral mesmo. Pouco importa se o reajuste deveria ter se dado há dois anos. O fato é que não há ambiente para isto. Com que cara os deputados vão negar reajustes a servidores justificando uma crise real? 

Quem mais chegou perto desta questão foi o pastor João Luiz (Democratas): “O quadro econômico e social não nos permite esse tipo de coisa”. Ele ainda complementa: “São servidores públicos sem reajuste salarial, empresas privadas demitindo trabalhadores, algumas até fechando as portas, arrocho na previdência, teto para gastos públicos, um cenário que não permite que o parlamento ignore tudo isso e legisle em causa própria”. Bingo! 

O pastor João Luiz também lamentou que esse aumento aconteça quando aposentados da Assembleia Legislativa ainda enfrentem problemas para receber seus vencimentos. “Decididamente, esse foi o pior momento escolhido pela Casa para apresentar e aprovar aumento para os deputados”. Não poderia ter sido mais feliz. Espero que por coerência, abra mão do aumento que ele vai receber e busque alternativa mais útil para o recurso.

Estou no twitter: @lulavilar