A obra de J.R.R Tolkein é magistral. Quando mais me aprofundo nela, mais me surpreendo com os detalhes do mundo criado e os diálogos dos personagem que visitam a essência dos mais nobres valores, dentre os quais o compromisso com a verdade, a busca pelo que é correto, por saber o que é o bem, a amizade, a coragem, enfim...

Em O Senhor dos Anéis - mais precisamente em A Sociedade do Anel - há o momento em que Frodo Bolseiro é convocado à jornada. Nesta travessia inesperada que cai nas costas daquele que parece ser um dos personagens mais frágeis da trama, vemos nascer nele, que é o que o eleva, a noção de sua responsabilidade para com o conhecimento obtido sobre a missão que lhe é dada. 

Frodo não está sozinho, apesar da solidão sempre destacada pela obra: aquela presente em cada um de nós por mais amigos que tenhamos. Aquela em que você tem que decidir se avança no que acredita ou simplesmente desiste para ser mais um. Num destes momentos, surge um dos conselhos de Elrond, justamente quando Frodo Bolseiro se prepara para seguir rumo à jornada. 

Elrond lembra dos perigos a serem enfrentados e do quanto eles aumentam diante do saber e dos mistérios que vão sendo revelados pela vida. É a jornada de cada um de nós. Amamos pessoas e sabemos do risco de perdê-las, mas quando perdemos sabemos de fato o que significa esta perda. Sonhamos em formar uma família, ter os melhores amigos, mas quando temos sabemos das dificuldades de manter esta conquista e do nosso compromisso para com ela. A jornada de Frodo pode ser encarada como uma grande metáfora na qual, diante das dificuldades, podemos optar por atalhos ou pela desistência. 

Em ambos os casos, o que parece ser o mais fácil é como uma sombra que vai devorando os nossos corações e enfraquecendo os valores que fazem com que sejamos o melhor de nós. É muito fácil desistir de nós mesmos. Mais fácil ainda é desistirmos dos outros cujos defeitos não nos pertencem e basta um “peteleco” para deixá-los de lado sem lembrarmos da essencialidade do que que construir o amor até ali ou a amizade.

Destaco um momento em que Elrond reúne Frodo e seus companheiros de aventuras para dar um último conselho. Elrond fala dos perigos da travessia que os aguarda. Diz ele que quanto mais adentrarem na missão que lhes cabem, mais ela pesará e mais difícil será recuar. Lembra ele que tal missão não é imposta, mas uma escolha que Frodo deve fazer ou não diante do conhecimento que adquiriu ao ter em suas mãos determinada responsabilidade. 

Frodo poderia optar por desistir, passar a missão para outro, livrar-se da perseguição dos Cavaleiros Negros e retornar ao seu Condado. Mas, diante do que sabe, não retornaria mais como Frodo Bolseiro, mas sim como um covarde. 

Não enfrentaria as dores vindouras, mas sendo um nobre Hobbit, enfrentaria outra travessia na qual não poderia dar um passo: as sombras escuras de um coração que jogou outras pessoas nas chamas do perigo sem saber se de lá sairão vivas ou não. Sua covardia seria assassina potencial. Sua covardia seria a imoralidade completa. Sua covardia seria o profundo silêncio que traria peso ao espelho e a consciência, nunca mais podendo olhar a si mesmo. Então, Frodo aceita!

Elrond não se dirige apenas a Frodo, mas a seus amigos. Ele avisa que os amigos do Bolseiro não devem fazer qualquer juramento de fidelidade de maneira precipitada e não prometerem nada sem saber antes daquilo que estão realmente dispostos. “Pois vocês ainda não conhecem a força dos próprios corações e não podem prevê o que cada um vai encontrar na estrada”. A missão é de Frodo e não de seus companheiros, que apenas podem decidir se acompanharão o Hobbit ou não, sem a possibilidade de entender o tamanho do desafio, sendo a maior consequência a perda da vida. Mas, há coisas piores que a morte e é isto que se encontra subentendido nas palavras de Elrond. 

Sentindo-se ofendido com as palavras de Elrond, um dos amigos de Frodo diz: “desonesto é aquele que diz adeus quando a estrada fica escura”. Elrond com sabedoria responde: “Talvez! Mas não jure que caminhará no escuro aquele que ainda não viu o cair da noite”. A noite de nossos amigos não são nossas noites, meus caros. Quem já defendeu de fato o que acredita de coração e lutou pelo que acredita, sabe que já teve amigos que o negaram. Pedro negou Cristo por três vezes, lembram?

Não custa a alguns de nossos considerados amigos nos negarem por menos. Um exemplo simples: “Rapaz, você viu a ideia que seu amigo defendeu hoje?”. E o indagado responde: “Não é meu amigo. É um conhecido. Deus me livre andar com alguém que defende tal ideia”. Negar, às vezes, é poder desfrutar de determinados “clubinhos” onde aquele seu amigo não entra. Além do quê, que coisa ruim ter alguém que lhe julgue em função das ideias do seu amigo, não é mesmo? A melhor coisa é se livrar logo disto. 

É disto que Elrond fala. As noites escuras de nossos amigos não são nossas noites, mas a verdadeira amizade consiste em estar junto justamente quando nos é cobrado sair do nosso sol para atravessar o escuro com aquele que amamos. 

Mas, o amigo indignado de Frodo insiste no juramento de fidelidade sempre, aconteça o que acontecer, de forma incondicional: “Ainda assim, o juramento feito pode fortalecer o coração que treme”. Sim, pois em nome deste juramento, nossa consciência nos cobra retidão.

A questão ainda assim não é simples. E Elrond explica que pode fortalecer o coração ou “destruí-lo”. “Não olhem muito à frente agora, mas partam com coragem nos corações”. Ou seja: não tentem fazer a previsão todos os perigos de uma noite escura que não é a sua, mas tenham a coragem de saber que precisaram sair em socorro da verdadeira amizade; mas saibam da fraqueza humana, que nos torna também covardes em determinados momentos. Não queiram ser perfeitos por antecipação, mas se esforcem para ser o que mais se aproxima disto. Assim, quando menos esperarem, vocês não estarão sendo amigos por conta de um juramento, mas por conta do amor indiscritível que lhes conduzem ao certo e ao bem por conta de um conjunto de valores internalizado que permite que vocês tornem a escuridão do outro um pouco mais leve. Assim, além de ajudar na noite escura alheia, serão frestas de luz e esperança na vida de quem vocês amam. 

Solidão e missões próprias todos nós carregamos. Os verdadeiros amigos tornam a cruz mais leve ainda que não enxerguem claramente o peso desta cruz que é do outro, ou do que madeira ela é feita. Eles não fazem isto por tomarem a cruz para si, mas por ajudar a carregá-la nos momentos mais cruéis da travessia. Se vocês forem amigos assim, terão amigos assim também.

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