É com muita felicidade que vejo o escritor Theodore Dalrymple ocupar lugar de destaque no Brasil. O autor de A Vida Na Sarjeta esteve no país recentemente e concedeu entrevistas com reflexões preciosas. O psiquiatra - que tem uma vivência prática de estudos junto a desafortunados, pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social - possui uma sensibilidade ímpar para apontar os males do secularismo e do relativismo dos nossos dias atuais.
Isto aparece em A Vida Na Sarjeta e em Podres de Mimados. A sensibilidade de Dalrymple para mostrar a importância dos cânones ocidentais e da alta cultura para uma educação de qualidade, que eleve o homem, e faça dele uma criatura livre e não um mero idiota útil na mão de ideólogos, também se faz presente em Nossa Cultura Ou o Que Restou dela. Não são as únicas obras de Dalrymple traduzidas para o português e publicadas pela É Realizações, mas são as que considero mais fundamentais.
Como o próprio Dalrymple coloca, apoiados em um relativismo e sem a noção de um norte moral sólido e jogados nas condições mais adversas, os seres humanos começam a subverter a realidade em função de conceitos de uma “engenharia social” que não consegue compreender a complexidade humana; e aí, como diz o título de um de seus livros, Qualquer Coisa Serve. Para quem quiser entender melhor o pensamento de Dalrymple, de forma sistematizada!, indico Theodore Dalrymple: A Ruína Mental dos Novos Bábaros do autor Maurício Righi.
Trata-se de um estudo, publicado também pela É Realizações, que traz os principais conceitos do autor que mostra as razões da nossa degradação moral, da intolerância dos que se acham iluminados e que entendem - por meio de conceitos simplórios - a complexidade da natureza humana.
Dalrymple foca em casos reais degradantes que levaram seres humanos ao extremo. Analisa - a partir daí - a razão da violência e da pobreza moral e mental. O escritor ressalta que a pior característica desta pobreza mental é que, em ambientes onde a educação verdadeira é desprezada, aqueles que se dedicam ao estudo querendo buscar a verdade são tidos como arrogantes. Como diz Theodore Dalrymple: É precisamente esta mentalidade que precisa mudar. Não acredito que qualquer governo seja capaz de realizar esta mudança. Isso é algo que precisa acontecer no comportamento das pessoas. Acho bonita uma frase de William Blake, do poema London: “a mente cria as nossas próprias amarras” [The mind-forg’d manacles I hear]. Essa mentalidade prende as pessoas nesse tipo de comportamento”.
Em entrevista a Fausto Magazine, o autor reflete sobre os trabalhos que desenvolveu junto aos seus pacientes já descritos aqui. “Eu tentava mostrar para essas pessoas que era possível superar aquela condição. Mas, claro, isso era muito difícil porque elas continuavam morando naqueles lugares, ambientes de muita violência. Era difícil, mas quando eu via esperança, pensava que não estava tudo perdido. Vi muitas mulheres sendo maltratas por seus homens e eu nunca dizia que elas eram somente vítimas. Claro, elas eram vítimas, mas não somente vítimas. Eu tentava mostrar o que elas podiam fazer para romper aquele ciclo. Às vezes, só de mostrar uma perspectiva, já funcionava. Muitas dessas mulheres me diziam: “Então, tem alguma coisa de errado com ele, minutos antes de começar a me estrangular, os olhos mudaram, a expressão mudou completamente”. Como se fosse um ataque epilético. Eu perguntava: “Será que ele faria isso na minha frente?” Essa pergunta soava como uma revelação. No fim das contas, elas estavam se enganando, dizendo que havia um problema clínico nesses homens”.
Um dos questionamentos feitos na entrevista é como ajudar pessoas sem roubar delas suas próprias escolhas. Eis o que diz Dalrymple: “Boa pergunta. Em primeiro lugar, sempre tive vontade de desmedicalizar o problema. Eu evitada prescrever remédios porque, uma vez que eu fizesse isso, a pessoa ia dizer para ela mesma que havia um problema clínico, e passaria a ser responsabilidade do médico. Em casos de mulheres ameaçadas por seus companheiros, eu recomendava que elas fossem para um lugar seguro, que se protegessem, porque isso sim era uma questão de saúde. Mas eu deixava claro que a responsabilidade de não entrar mais em contato com aqueles homens abusivos era delas. Se elas entrassem em contato com eles e eles voltassem a bater nelas, elas se tornavam parcialmente culpadas. É muito mais importante dar oportunidades a essas pessoas do que necessariamente ajuda material”.
O escritor que muito bem diagnosticou os males do nosso tempo não abandonou a esperança: “Sim. Sempre tenho esperança. Não tenho esperança de que tudo vai ficar bem um dia, isso não. Isso nunca aconteceu na existência humana e nem pode acontecer. Mas acredito que no futuro haverá menos pessoas vivendo nessas condições. Existe esperança, mas apenas se as pessoas forem mais realistas e verdadeiras. Como você teve a ideia de mudar?”. Que a passagem de Dalrymple pelo Brasil reforce ainda mais sua presença neste país.
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