Fosse o livro de Marcel Novaes só a introdução, já valeria a pena pela forma como ele compara a independência do nosso país ao ocorrido nos Estados Unidos da América, diante da discussão entre federalistas e anti-federalistas. Todavia, “O Grande Experimento: A desconhecida história da revolução americana e do nascimento da democracia moderna” vai além; em uma discussão que mostra - no processo americano - os erros, os acertos, as contradições entre a visão defendida pelos “pais fundadores” e suas práticas. É isto que mostra a lição que é possível tomar quando vamos ao passado para uma revisitação honesta, entendendo as conquistas e os preços pagos por cada uma delas.
Novaes traz às livrarias um dos melhores livros sobre política e história que li neste ano. Uma grata surpresa, pois confesso que comprei a obra desconfiado de ser uma apologia apenas, dentre tantas que já li. Mas, não se trata disto. Guardando as devidas proporções, evidentemente, é possível encontrar, no decorrer da leitura, o mesmo espírito presente nas análises de Alexis de Tocqueville - em Democracia na América e Antigo Regime e Revolução Francesa - e na obra Reflexões Sobre a Revolução na França de Edmund Burke.
Uma visão sobre o passado, mas que diz muito sobre o presente e alerta para o futuro. O confronto entre as visões de Alexandre Hamilton - que foi o primeiro Secretario do Tesouro no governo de Washington - e Thomas Jefferson sobre a liberdade e o tamanho do poder central, representando um perigo para o indivíduo, bem como sobre a importância do desenvolvimento econômico e como ele deve ser promovido, são inspiradoras para o nosso tempo; sobretudo em um país, como é o Brasil, que tem um pacto federativo que torna a União quase que imperial e os estados mais pobres da nação completamente dependentes, como acontece com Alagoas.
Porém, este não é o único ponto: as consequências das mudanças graduais por meio do confronto de ideias e teses são confrontadas com as visões revolucionárias em nome do bem, que resultam em tiranias, como o caminho pavimentado para o poder de Napoleão Bonaparte. Estes são alguns do ponto forte da obra de pouco mais de 200 páginas cirúrgicas que passeiam por detalhes e por opiniões, mostrando suas referências e inspirações, como é o caso da visão de John Locke que resultou na separação imediata entre Estado e Igreja.
O confronto entre os primeiros republicanos e os federalistas também revela que não há um “monopólio de virtudes” a ser concentrado em um dos lados. Desnudam ainda muito da “complexidade da natureza humana” que não pode ser medida a partir de uma ideologia descobridora de como funciona a realidade. É a anatomia da alma que funda as nossas ações.
A História é um processo dinâmico pautado por ideias, interesses, sentimentos que nem sempre são nobres, bem como pelos intuitos mesquinhos e individuais de quem estar no poder, apesar deste possuir o melhor dos discursos.
Não por acaso a pensadora Hannah Arendt diz que a Revolução Francesa descambou para a tragédia e entrou para a História do mundo como desastre, com consequências que reverbera até esta data. Vale a pena ler Origens do Totalitarismo de Arendt. Enquanto isto, o processo americano - com erros também graves - serviu de inspiração às democracias ocidentais liberais. “(...) o movimento revolucionário francês, que pretendia não só reformar a política, mas promover uma reorganização profunda da sociedade (enforcar o último rei nas entranhas do último padre, na formulação sucinta de Diderot) (...)”, registra Novaes.
Podemos lembrar também - e Novaes faz isto - de Gertrude Himmelfarb, pouco conhecida no Brasil, infelizmente!, que coloca os resultados da oposição entre a “ideologia da Razão” e a busca pelo que de fato é verdadeiramente liberdade.
Marcel Novaes toca - inclusive - em um ponto que, ao estudar o assunto, eu me via angustiado por ninguém ter analisado profundamente ainda. Trata-se da discussão sobre cada palavra presente na Declaração de Independência e nas emendas à Constituição Americana logo após o 4 de julho. A busca pela palavra cirúrgica tinha - naquele momento - o espírito que se faz presente em Frédérich Bastiat, ao escrever A Lei. A busca por entender que um “império de leis” se faz pela garantia das liberdades individuais. Ou seja: a lei existe para proteger o indivíduo da tirania do Estado que sempre se agigante quanto mais leis produz. Que por vezes, meio ao caos de coisas, nos faz abrir mão da liberdade em nome da segurança.
O livro de Marcel Novaes chega em bom tempo. Afinal, dialoga com as boas obras de revisionismo histórico que começam a aparecer, ainda que tardiamente, no Brasil. Joga ideias ao invés de argumentos autoritário, nos instiga ao debate, pois nem absolve, nem condena o processo americano, mas mostra suas consequências, razões de ser, e o compreende dentro do contexto da época e da limitação dos homens que não possuíam em mãos o que possuímos hoje. Parabéns a editora Record por trazer tão belo trabalho às prateleiras.
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