O presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB) tem todo o direito de ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionar - por meio da Justiça - a ação feita pela Polícia Federal que resultou em buscas no Senado Federal, e acusou senadores de usar a polícia legislativa em benefício próprio para atrapalhar as investigações da Lava Jato.
Todos sabem que uma decisão em primeira instância é passível de questionamento. Assim como sabemos que ordem judicial se cumpre e se questiona depois por meio de recurso. É o preço do Estado Democrático de Direito. É o que garante a Justiça.
Renan Calheiros tem todo o direito, portanto, ao contraditório e a defesa. Assim como tem o direito de - nos inquéritos em que seu nome aparece - se defender como preconiza o Estado Democrático de Direito, sendo respeitadas todas as garantias individuais do senador. Porém, Renan Calheiros sobe o tom nas declarações e abre espaço para uma crise institucional entre poderes. Como se viu, a presidente do STF, Carmen Lúcia reagiu.
O peemedebista criticou fortemente a Justiça e o Ministério do governo Temer. Resta saber se com vara curta...como está comprovado na Lei de Newton: toda ação tem uma reação. Inclusive, se existirem indícios fortes de atos ilícitos cometidos pelo senador Renan Calheiros não estranhem se estes ganharem mais força em ações futuras como resposta por parte da Polícia Federal para mostrar que agia corretamente.
Não é apenas a ação judicial que Renan Calheiros disse que vai propor questionando a Polícia Federal. Se fosse apenas isto, não havia polêmica nem crise institucional instaurada. Mas também as suas declarações agressivas que podem soar como intimidatórias, agressivas, prepotentes e própria dos que se sentem no panteão dos deuses. Calheiros personalizou o fato. Poderia ter dito que apenas busca fixar claramente a competência dos Poderes. Poderia se ater aos argumentos, como é de costume em suas declarações que sempre buscam ser comedidas.
Afinal, era função sim de Calheiros se posicionar diante do ocorrido. Ele defende um poder constituído, queiramos nós ou não. Mas, Calheiros rompeu os limites sem mostrar preocupação com o velho ditado que diz que o “boi sabe onde arromba a cerca”. O peemedebista atacou o Judiciário ao chamar um de seus membros de “juizeco de primeira instância”.
Calheiros acaba também demonstrando desprezo pela “primeira instância” e subindo no patamar do foro privilegiado que possui, destacando que se encontra no panteão dos deuses do Legislativo. Um discurso perigosíssimo. O foro privilegiado não deveria servir para isto.
O ataque é direcionado a 10ª Vara da Justiça Federal. Mas, não só a esta. O presidente do Senado Federal ainda atacou o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ao afirmar que “no máximo” ele se comporta como um “chefete de polícia”. Os diminutivos usados por Renan Calheiros demonstram seu desprezo pelos citados diante do tom pejorativo das críticas. Se no máximo é o chefete, o que o ministro seria “no mínimo” para o senador Renan Calheiros?
O presidente do Senado - vejam só! - ao mesmo tempo em que defende a separação entre os poderes, não esconde que foi reclamar ao presidente Michel Temer (PMDB) sobre o comportamento de Moraes. Pergunto: Renan pediu a cabeça do ministro?
Se a PF agiu certo ou não, deveria ser uma discussão jurídica diante da análise de competência de cada um dos atores envolvidos neste episódio. Por isto, é um direito de Calheiros o questionamento direcionado ao STF. Tivesse apenas questionado, estaria eu dizendo que ele agiu corretamente dentro de suas prerrogativas e cumprindo um papel que lhe cabe. Sem paixões.
Mas, o senador não se comportou como presidente do Senado. Foi além. Não é comum o enxadrista Renan Calheiros perder a cabeça e não atentar para as consequências graves de seu ato.
Vimos um Renan nervoso que despertou o repúdio de muita gente. De um lado, a Associação de Juízes Federais (Ajufe). Do outro, a presidente do STF, Carmen Lúcia. Ao fazer isto, ainda deixou alguns questionamentos sem respostas. Ele falou da varredura realizada nas casas dos senadores com mandato, por exemplo. Defendeu a legalidade diante do fato dos parlamentares terem sentido sua intimidade violada. Mas, não explicou a varredura na casa de José Sarney (PMDB) que não é mais membro daquela Casa.
A explicação sobre a varredura na Casa do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), também não encontrou sustentação lógica nas explicações de Renan Calheiros. Ciente de seu pronunciamento mais forte, o peemedebista ainda buscou defender a Lava Jato: "A Lava Jato é sagrada, ela significará sempre avanços para o país, mas não significa dizer que nós não podemos comentar os seus excessos".
O senador ainda aproveitou para voltar a defender a Lei de Abuso de Autoridade, que - segundo a PF - pode matar a Lava Jato.
E eis que diante de tantas declarações fora do tom, veio a resposta: o presidente da Ajufe, Roberto Carvalho Veloso repudiou as declarações de Calheiros.
E disse justamente o que digo aqui nesta postagem. Vejam a diferença de postura. Carvalho Veloso não tira o direito de Renan Calheiros ir à Justiça, pois reconhece que a decisão do juiz Vallisney Oliveira pode ser discutida por meio de recursos, mas não com "ofensa lamentável perpetrada pelo presidente do Senado Federal, depreciativa de todo o Poder Judiciário".
Não se trata de corporativismo, mas um ataque direto a um membro do Judiciário. Corporativismo seria de Carvalho Veloso tivesse defendido o mérito da decisão do juiz a todo custo. Não fez isto. Foi prudente
Ele ainda complementa em nota: "Esse comportamento, aliás, típico daqueles que pensam que se encontram acima da lei, só leva à certeza que merece reforma a figura do foro privilegiado, assim como a rejeição completa do projeto de lei que trata do abuso de autoridade, amplamente defendido pelo senador Renan Calheiros, cujo nítido propósito é o de enfraquecer todas as ações de combate à corrupção e outros desvios em andamento no país". Acerta em cheio.
Carmem Lúcia também exigiu respeito por parte do presidente do Senado Federal. "Queremos também, queremos não, exigimos o mesmo e igual respeito para que a gente tenha democracia fundada nos princípios constitucionais [...]. Todas as vezes que um juiz é agredido, eu, e cada um de nós juízes é agredido. E não há a menor necessidade de, em uma convivência democrática livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade", colocou.
"Não é admissível aqui, fora dos autos, que qualquer juiz seja diminuído ou desmoralizado. Como eu disse, onde um juiz for destratado, eu também sou. Qualquer um de nós juízes é. Esse Conselho, como todos os órgãos do Poder Judiciário, está cumprindo a sua função da melhor maneira e sabendo que nossos atos são questionáveis. Os meus, no Supremo, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho, um juiz de primeira instância. Somos todos igualmente juízes brasileiros querendo cumprir nossas funções", criticou Cármen Lúcia. Exatamente isto.
Chamo atenção para o trecho em que diz que o juiz cumpre sua função sabendo que “nosso atos são questionáveis”. Entenderam? Ela reconhece o direito de Renan Calheiros que aqui mencionei no texto. O que ela repudia é o que deve ser repudiado no comportamento do senador Renan Calheiros.
Sendo assim, uma última questão: Renan Calheiros subiu o tom por se sentir acuado diante das denúncias que vão se somando e do avanço da Lava Jato? Se a resposta for “SIM”, eis que o senador pode ter criticado o Judiciário com vara curta. Mas que - registre-se - jamais se retire qualquer garantia que o senador possua na busca por se defender.
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