Na semana passada, entrevistei - em um dos meus Hangouts - o médico Hélio Angotti Neto, que é o autor do excelente livro A Morte da Medicina. Angotti, nesta obra, fala da temática do aborto, mas vai além disto: mostra uma discussão em andamento que é a do “aborto pós-nascimento”. Na realidade, trata-se de um eufemismo para o assassinato de bebês com base nas mais absurdas visões ideológicas. 

Trago, aqui no blog, alguns pontos da conversa que tive com o médico. Confira a entrevista.

O senhor traz uma obra que fala destes movimentos que defendem o aborto pós-nascimento (que é homicídio infantil) e o aborto em si. E uma das discussões em relação ao aborto é a busca da definição de quando a vida começa. Isto envolve filosofia, biologia, enfim...para o senhor, como médico, é possível definir quando a vida começa ou esta é uma discussão absurda que é feita no sentido de legalizar o aborto por meio de um argumento falho?

A gente define o início da vida no momento da concepção, quando o masculino se une ao feminino. Ali temos uma nova arquitetura. Então, temos um novo ser com código genético próprio. Esta é a definição biológica. Sair desta definição biológica é cair em uma definição ideológica e, às vezes, até mesmo irracional. Partindo desta definição, que é a mais básica possível, é que cientificamente falamos em uma nova vida humana, pois não há como ser uma vida fúngica ou o que quer que se diga. As pessoas gostam de criar novas definições, julgando o que é ou não ser humano, só cabendo nesta definição aquilo que eles achem caber. Então, com estas definições, de forma irresponsável, saem propostas que pregam nada mais nada menos que o desprezo pela vida alheia. 

Recentemente, um dos argumentos é o da morte cerebral. Como não há mais vida, quando é decretada a morte cerebral, então há autores afirmando que, diante disto, ausência do sistema nervoso formado no feto, seria motivo para se permitir o aborto. Como o senhor encara este tipo de argumentação para o aborto voluntário?

Eu já ouvi explicações semelhantes a esta e isto demonstra o grau de analfabetismo funcional que perpassa a sociedade. Isto é um absurdo. Do fim da vida humana, quando há o diagnóstico da morte cerebral, não se pode depreender que o início da vida se caracteriza pela ausência de desenvolvimento do cérebro. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Estas analogias falsas ficam travestidas de algo muito inteligente na academia brasileira e às vezes as pessoas se passam por inteligentes anunciando esses paralelismo que nada mais são que burrice. Comparar alhos com bugalhos. O início da vida de um lado tem um cérebro em formação com a vida em desenvolvimento e do outro lado temos um cérebro formado em processo de degeneração, necrose ou morte e encerrando sua atividade sem potencial. Do ponto de vista filosófico ou científico, um leigo com um bom senso, tem a conclusão lógica de que isto é um absurdo. 

Tem um ponto envolvendo também a eutanásia e os avanços científicos da medicina, que coloca uma dissociação entre a medicina e os campos filosóficos, como os direitos pré-civis que nem dependem do Estado para existir. Como o senhor vê a necessidade da medicina beber nestas fontes de humanidades? A medicina tem se afastado disto? Isto tem sido regra ou é uma minoria no campo académico da medicina?

É importante analisar um contexto. Antes de tudo a medicina é inerentemente moral. A atitude moral requer um pensamento e uma ética, uma filosofia moral. Não se faz medicina destituindo a prática médica desta faceta, que é filosofia, com técnica e tecnologia. A medicina é um empreendimento humanista. Recentemente, apesar de toda esta tecnologia, o médico está perdendo este respeito e autoridade. Isto se deve a negligência que alguns médicos demonstram em relação aos conhecimentos de humanidades. Recentemente, médicos tentam retomar esta importância do conhecimento de História, de Filosofia, para até se pensar o que é o bom médico. Pois, não basta apenas saber muito e não ter caráter ou formação moral. Se ele, por outro lado, tem o traquejo humanístico, mas não sabe nada, se torna um charlatão. Tem que haver um equilíbrio. Aquele que parte para a medicina tem que compreender o valor das humanidades e compreender que o médico tem que mudar esta postura. A maioria adota a postura cientificista diante dos milagres que a ciência nos trouxe, como a manipulação genética, que são coisas maravilhosas. Mas apesar disto ser maravilhoso, não responde completamente o anseio que há no paciente que tem anseios e necessidades e que busca no médico alguém que pode colaborar com o objetivo principal que é a busca da saúde. Então, o médico aos poucos começa a compreender a importância de resgatar a formação humanística e sua identidade. Mas, uma grande parcela é ainda muito cientificista e tecnicista. Agora, tem um outro lado: há também uma péssima formação humanística que é imposta por uma elite iluminada no Brasil, que impõe um conjunto de valores que é um desserviço, que acaba destruindo o resto de uma identidade e transforma o médico em uma simples ferramenta de engenharia-social. 

Em relação ao ponto principal que o seu livro denuncia: o aborto pós-nascimento, que na verdade é o homicídio de bebês. Como é que um movimento deste é capaz de surgir e ter tantos adeptos? Pois, aqui nós estamos tratando de algo que vai além do aborto. Como é que isto tem ganhado a dimensão que tem ganhado?

É a defesa de fato do homicídio infantil. É um eufemismo, obviamente. Eles usam uma sutileza de linguagem na tentativa de manipular pessoas. Esta não é uma tendência nova, se você for olhar bem. Essa tendência da objetificação da vida humana é até pré-cristã. A busca por transformar o ser humano em um reles instrumento é antiga. Há uma constante pretensão para desvalorizar a vida humana que vai contra a raiz hipocrática e cristã da medicina. Esta ideia cresce, como já cresceu no comunismo e no nazismo, justamente porque possuem a concepção de que a vida humana nada tem de especial. Se o ser humano nada tem de especial, então porque não matá-lo, submetendo-o o ser humano ao meu voluntarismo, a minha vontade de obter prazer, de satisfazer meu ego, no mais raso e puro hedonismo? Se não há um sentido transcendente chegamos a algo que já dizia Dostoyevsky: se não há Deus então tudo é permitido. As pessoas estão caindo nesta armadilha. Dependendo da época, os alvos são os judeus, os idosos, pessoas com alguma deficiência mental e bebês, como é o que acontece. São pessoas consideradas sem valor para a sociedade então não devem ser resguardadas? É uma visão horrenda, absurda, e que infelizmente tem crescido na academia. Já vemos gente defendendo eugenia, morte de bebês com síndrome de Down. Isto, infelizmente, é uma constante luta na civilização entre a valorização do ser humano por ser humano ou a desvalorização. Cabe a gente escolher o nosso lado. 

O senhor tocou em um ponto interessante que é a defesa - e no artigo científico que o senhor combate aparece isto lá - da morte de bebês com síndrome de Down ou o aborto destas crianças. Gostaria que o senhor falasse um pouco mais sobre isto...

Na cidade de Uberaba, um jornalista falou que era um crime deixar que essas crianças nascessem, que deveriam ser abortados. As mães destas crianças e de adultos com síndrome de Down escreveram furiosas para o jornal e com plena razão. Quem somos nós para julgar quem merece viver ou não? Eles (os portadores da Síndrome de Down) são pessoas extremamente carinhosas, inteligentes, comunicativas. São mais carinhosos do que muitas vezes nós somos. Estas elites intelectuais que defendem isto projetam seus valores e descrevem as coisas que são aquilo que a população não enxerga e não vive. Estas são as ideias mais perigosas, pois não são as ideias que estão nos jornais ou na televisão, mas estão nestes pequenos grupos, nestes círculos de elites que se veem como iluminados, e manipulam a linguagem que é de onde virá a proposta que será distribuída na sociedade de cima para baixo. O momento de intervenção é dentro da academia. E é muito bom quando acontece isto que aconteceu em relação ao artigo do aborto pós-nascimento porque estas ideias ficam visíveis para a sociedade e se vê o quão monstruosa a ideia é. As pessoas olham e indagam: vocês estão gastando o nosso dinheiro e o dinheiro das nossas famílias para discutir estes assuntos? Que ética é essa? Que bioética é essa? Quem dera as ideias da academia fossem democratizadas e caíssem na boca do povo como são e do jeito que está acontecendo para que todo mundo tivesse acesso. As pessoas iam começar a reclamar bastante, pois veriam que não estão sendo respeitadas em muitas questões levantadas pela academia para tentar fazer a engenharia-social.

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