Antes de mais nada, permitam-me me apresentar. Me chamo Lula Vilar. Sou jornalista e fã há mais de vinte anos do trabalho dos Engenheiros do Hawaii.
Como outros antigos fãs também estou fazendo a pergunta que não quer calar: O Maltz é de direita?
Penso que o artista não pode, não deve (e deve ser repudiado se o for) chapa-branca. O motivo de crer nisto é simples: nem só de pão vive o homem e a arte serve como alimento da alma, ajudando a compreender melhor a realidade, seja a partir das reflexões metafísicas em busca do sentido no humano, ou seja nas críticas contundentes ao poder. Neste caso, se há governo, o artista é contra! Pois para manter viva sua honestidade intelectual e sensibilidade, precisa ser o zelador deste olhar crítico sobre o mundo. Doa a quem doer. Desagrade a quem desagradar. Como já bem dizia o crítico de todos os críticos, H.L. Mencken:
“Pode-se dizer com bastante segurança que qualquer artista de alguma dignidade é contra seu país, i. e., contra o ambiente em que Deus o plantou - assim como se pode dizer que aquele país também é contra o seu artista... ...É quase impossível encontrar o rastro de um artista que não tenha sido ativamente hostil ao seu ambiente e, portanto, um patriota indiferente. De Dante a Tolstói e de Shakespeare a Maark Twain a História é a mesma. Outros nomes vêm a mente num relâmpago: Goethe, Heine, Shelley, Byron, Thackeray, Balzac, Rabelais, Cervantes, Swift, Dostoievski, Carlyle, Moliére, Pope - todos críticos amargos de seu tempo e nação, muitos deles odiados por seus contemporâneos e alguns até fugitivos de iras e represálias”
Estará sempre certo, o artista? Óbvio que não. Mas estará sempre atento para a tarefa árdua de jogar pedras nas vidraças reluzentes de ideias que um dia já foram o novo, mas que hoje não passam de "paralelepípedos gastos do óbvio ululante".
Neste sentido, em épocas onde a “inteligência coletiva” - utilizando-se da expressão a partir do pensamento Antônio Gramsci - marcha como boiada em busca da aprovação das redes sociais, é de uma felicidade imensa encontrar ilhas que não se curvam ao abraço fácil da unanimidade na produção de sua arte em qualquer que seja a forma de expressão.
Que se danem os rótulos. Neste país, tudo que não é esquerda vira imediatamente direita mesmo. Chamem de “Direita” se quiserem. A Direita é pop e o pop não poupa ninguém. Então, eu diria que, como fã de Engenheiros do Hawaii, é maravilhoso perceber que não errei e que tantos anos depois sigo fã do trabalho de Maltz. Vai lá, dentro desta linha de raciocínio, sim é uma satisfação descobrir que Maltz é de “direita”. Quem ama rótulos que se delicie com o prato cheio.
Cito aqui Carlos Maltz, mas neste “front”, o músico gaúcho não é o único. Como não lembrar e ser grato ao Roger Moreira do Ultraje a Rigor que, com o humor que é característico de sua banda, manda às favas a patrulha "inteligentinha" e coloca o dedo nas feridas intocáveis dos que se julgam acima das críticas por estarem "do lado certo"? Como não ser grato ao Lobão, que continua uivando e mostrando os dentes contra o "establishment" careta e covarde, mesmo que o "establishment" tenha mudado a cor da camisa e hoje se apresente com os tons pastéis de um humanismo light ? São dois nomes dos anos oitenta, artistas inteligentes e com opiniões pessoais fortes que também fizeram suas “conversões perigosas” à direita justamente por não abrir mão da alma de artista e da honestidade intelectual.
Podem até estar errados, mas ao contrário de boa parte de nossa classe artística de hoje e sempre, não são adesistas em busca das migalhas que caem da mesa do banquete do rei e seus comensais.
Alguém ai ainda lembra dos "Inimigos do Rei"?
O artista que não é de esquerda no Brasil hoje precisa de muita coragem. Caso contrário, é avacalhado e ganha logo o rótulo de fascista. Nunca é demais lembrar: a zona de conforto para o artista brasileiro é um esquerdismo light com pitadas de humanismo. Surreal. Falam de ditadura, mas louvam Cuba e Venezuela.
Em suas redes sociais, Maltz desnuda com sarcasmo e ironia, as imbecilidades da "religião politicamente correta", como ele chama. E mostra o que considera as reais necessidades de mudanças diante da crise que enfrentamos. Não se trata apenas uma crise política, muito menos meramente econômica. Trata-se de uma crise profundamente moral e ética que faz com que olhemos para dentro de cada um de nós e arranquemos dai o sentido do que precisa ser mudado. Como Mencken, Nélson, Millôr, Paulo Francis e outros, obviamente guardando as devidas proporções, Maltz não pode se dar ao luxo e a preguiça de ser de direita ou de esquerda. É um "moralista" no sentido antigo da palavra.
Acompanhei recentemente um diálogo on-line entre Carlos Maltz e o candidato a prefeitura de Porto Alegre, Fábio Osterman. Ambos falavam sobre algo que considero da maior importância para todos nós nesse momento: sairmos o quanto antes desta dicotomia "Gre-Nal" que deposita fé demais na política e esquece das complexidades inerentes à natureza humana. Maltz crava em cheio: “viramos um bando de bárbaros que enxergam o mundo em branco e preto...animais polarizados e radicais que só enxergam polaridade e radicalismo”. É preciso que enxerguemos seres humanos e não salvadores se quisermos sair do ciclo vicioso. Se não, não faremos mais que trocar um falso messias por outro.
Por isto citei Osterman neste artigo. É de ficar feliz quando algum nome surge para além desta dicotomia e busca dialogar como um cidadão comum, com falhas e defeitos. Não concordo com tudo que ele diz. Não sou um liberal (no campo dos valores), por exemplo. Mas considero da maior importância uma candidatura como esta neste momento.
Afinal, como o próprio Maltz coloca, não raro, esta busca por “salvadores” agarrados a uma ideologia, faz com que o ser perca sua consciência individual, tornando-se um mero reprodutor de ideias radicais requentadas que já motivaram os maiores genocídios do século XX. Seres cujas imaginações se tornaram obtusas e totalitárias porque se viam como "ungidos da Verdade suprema" e, como acreditavam rumar sem nenhuma dúvida a "um mundo melhor" abençoado pelo "deus história", não consideraram grande problema, exterminar aqueles que discordassem da sua doutrina salvadora. Aqui na terra Brazilis, por sorte ou por Deus ser realmente nosso compatriota, não chegamos ao extermínio físico, mas sim ao extermínio das individualidades pensantes.
Como diz o Maltz parafraseando o Nélson: “Por que é muito prático conversar com militantes de ideologias? Por que se você conversar cinco minutos com um, ja conversou com todos."
Pra concluir, comunico que o ex-baterista dos Engenheiros se considera "marxista". Mas não de Karl, o revolucionário. E sim de Grouxo, o humorista que dizia jamais aceitar ser sócio de um clube que aceitasse alguém como ele de sócio. E nos traz ainda um conselho sábio: “Quem ri de si mesmo não se leva tão a serio. E não mata ninguém em nome de revolução nenhuma”. Sim, meus caros, em tempos bicudos e raivosos como esses, o humor também salva.
Estou no twitter: @lulavilar