Algo grave fez o Senado Federal. Rasgou a Constituição da República na frente do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para manter os direitos políticos da presidente cassada Dilma Rousseff (PT). Tudo isto com a batuta do senador e presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB). O peemedebista defendeu que isto fosse feito como uma forma de não punir tanto assim Dilma. Não cabe ao Senado decidir sobre dosimetria de pena. Cabe ao Senado da República o seu papel previsto no artigo 52 da Constituição Federal e só! Sem mais, nem menos.
Desde quando deixar de cumprir a lei é ser justo com alguém?
Lá - no artigo 52 - é dito de forma bem clara, em seu parágrafo único: "Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por OITO ANOS (grifo meu), para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis".
Sendo assim, o Senado afirma - por não ter a maioria qualificada dos votos - o seguinte: “já não precisamos mais de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para alterar o que diz a Carta Magna. Basta a vontade daqueles que detém o poder. Afinal, já não estamos sob o império da lei. Podemos, assim, ter uma interpretação diferente da Constituição, por mais objetivo que seja seu texto, a cada sessão do Congresso”. Isto é um absurdo!
E aqui não se trata de discutir o mérito sobre as acusações que pesaram sobre Dilma Rouseff. Sobre estas falei em meu blog diversas vezes ao analisar ponto a ponto o assunto. Na minha visão, houve crime de responsabilidade. Respeito quem pensa o contrário, desde que não venha com os xingamentos de costume. Inclusive, em um dos mais recentes textos expliquei porque há crime de responsabilidade na questão envolvendo o Plano Safra. É só procurar aqui no blog. Havia sim elementos para cassar Dilma Rousseff e foi acertada esta decisão, que contou com o voto de 61 senadores, incluindo o de Renan Calheiros e de tantos outros que resolveram rasgar a Constituição.
Porém, fica claro um “conluio” entre alguns nomes do PMDB e do PT para que se preservasse os direitos políticos de Dilma Rousseff. A pergunta é: qual a finalidade disto? Pois foi um jogo de cartas marcadas, desde a apresentação do destaque até sua votação. Uma surpresa nefasta à nação apresentada pelo PT. Será que aqueles que, como Renan Calheiros, querem ter sempre um pé em cada canoa enquanto atravessam a tempestade, quiseram dar de brinde a Dilma e seus aliados uma narrativa? Que narrativa? Ora, uma que justificasse para os anais da história a versão do golpe. Não demorará muito para esta ser usada.
Afinal, aos derrotados, resta jogar com as versões que podem fazer da História. George Orwell, em seu 1984, ensina isto. Arthur Kloester em O Zero e o Infinito também trata do tema.
Com a “cara-de-pau” peculiar, dirão: “o Senado cassou a presidente, mas não a puniu com a impossibilidade de assumir cargos públicos, eis o golpe!”. Golpe foi o Senado rasgar a Constituição do país para preservar a presidente do destino que coube até mesmo a Fernando Collor de Mello (PTC), que renunciou à presidência com o trâmite do impeachment em andamento. Logo, não escapou da sentença.
Golpe é o Senado Federal entregar de brinde esta narrativa fraudulenta para reforçar a tese incipiente petista. Mas, engana-se quem acredita que a maioria dos brasileiros são tolos e não enxergaram o embuste. Dilma Rousseff pedalou (e neste caso, pedalada é eufemismo) e não teve responsabilidade com as contas públicas, levando o país ao desastre. Além disto, cometeu um estelionato eleitoral, como afirmo e provo em textos anteriores citando aqui economistas, dentre os quais Mansueto Almeida.
Foi eleita democraticamente. Foi retirada do poder democraticamente também, com o rito constitucional previsto, com direito a ampla defesa, e pelos representantes - bem ou mal! - do povo.
Em outras palavras, o que o Senado Federal fez foi o seguinte: condenou por irresponsabilidade a presidente e devolveu o direito de continuar sendo irresponsável! Lógica brasileira! É tipo: olha, você não pode mais assaltar, mas toma aqui de volta sua arma! Isto é uma metáfora, digo aos que tomam tudo de forma literal quando é do interesse. Não estou chamando quem quer que seja de assaltante. Estou dizendo que há crime de responsabilidade e, conforme a Constituição, era para ser punido como tal.
O senador Renan Calheiros - neste guerreiro mal ensaiado - teve um papel de destaque e que não pode ser esquecido pela história: ergueu a Constituição, fingindo defendê-la, para depois rasgá-la! O ato de ter um pé em cada canoa! Quase que diz: "Gente, é para por só a cabecinha". Papel que não condiz com o cargo que ocupa.
Parte da esquerda fará a festa com esta narrativa como se ela provasse que houve um golpe contra a presidente. Ledo engano. Houve sim um golpe contra a nação e a maioria dos brasileiros que cumprem o ordenamento jurídico deste país sem buscar levar vantagem , pois querem viver honestamente e por seus próprios esforços, ao contrário daqueles que estão respondendo na Operação Lava Jato ou já tiveram como destino as carceragens, dentre as quais a Papuda, que é tão conhecida por alguns nomes de peso do Partido dos Trabalhadores.
O impeachment não simboliza nem 1% de mudança. Afinal, temos um Senado Federal cheio de malfeitos e pessoas que precisam responder por seus atos. Temos ainda pela frente a construção de uma democracia que não demonize ideias adversárias, mas discuta teses, ao invés de ficar só nos adjetivos mesquinhos; temos ainda uma luta pela promoção de alta cultura, de combate efetivo aos corruptos sejam lá em que partidos estiverem, sejam lá de que lado forem. Tanto faz se de direita ou esquerda. Lugar de ladrão, é na cadeia.
Se um político tem convicções semelhantes as minhas no campo das ideias, mas na prática é um ladrão, um bandido, um hipócrita, deve ser tratado como ladrão, bando e hipócrita. E eu estarei errado se defendê-lo. Não se deve ter político de estimação, pois a maioria está pronta para tudo pelo poder.
Vivemos hoje um dia histórico em nossa jovem democracia. De um lado, foi retirada do poder uma presidente que usou do fisiologismo e entregou as estatais a partidos que se lambuzaram na corrupção, dentre eles o PMDB de Michel Temer, que agora é presidente em definitivo. Logo, vigilância pra cima de Temer. Não há tempo para lua-de-mel. Do outro, infelizmente um Senado que mostra bem a sua face: capaz de tudo, inclusive chafurdar na lama para manter acordos feitos na surdina e salvar a pele de alguns.
Por isto que só há no Brasil uma “estratégia de tesouras” que faz da corrupção algo ambidestro, onde pouco se diferenciam tucanalhas, petralhas, peemedebandidos, e demais salafrários da nação. É assim que eles se revesam e enganam a população, fingindo combater o mal quando estão à luz do sol, mas mantendo os banquetes com este mesmo mal, quando longe dos holofotes. Que entendamos isto e não tenhamos fé demasiada na política. Não a tomemos como esperança para a solução de todos os problemas. Que saibamos antes que precisamos de um norte moral sólido que guie nossas ações para cobrarmos do governo (qualquer um!) o que de fato merecemos: uma nação de verdade!
Uma nação onde o empreendedor seja respeitado por empreender honestamente, sem sentir a mão do Estado tirando tudo que ele tem só por ter tido êxito. Onde as liberdades individuais garantam oportunidades e o reconhecimento de que somos todos iguais perante a lei. De maior liberdade econômica, menos intervenção estatal, mais respeito ao próximo independente de quem seja o próximo, mais respeito à liberdade de pensamento e às diferenças que existem entre os seres humanos. Um país que seja mais acolhedor e que trate melhor seus menos favorecidos, fomentando oportunidades ao invés de eternas esmolas estatais, para que assim possamos gerar emprego, renda, dignidade e orgulho.
O que o Senado fez hoje ao rasgar a Constituição não pode ficar por isto mesmo. É preciso que se recorra ao Supremo Tribunal Federal e que este poder julgador se dê ao luxo de ser o que ele precisa ser: o guardião da Carta Magna do país.
Ao contrário do que diz Renan Calheiros, ao afirmar que foi para evitar que depois da queda se aplica-se o coice, na verdade é uma questão de Justiça. Se há crime de responsabilidade, há pena. É assim para mim, é assim para qualquer leitor, é assim para a presidente do país, como tem que ser assim para Michel Temer e para o próprio Renan Calheiros, que também tem muito o que explicar à sociedade.
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