Nesta semana, o CadaMinuto Press trouxe uma entrevista exclusiva com o presidente da Desenvolve, Rafael Brito. Brito já ocupou a posição de secretário de Trabalho do governo de Renan Filho (PMDB), mas diante de uma reforma administrativa foi levado para a Desenvolve com uma missão: estimular linhas de crédito para micro-empreendimentos no Estado de Alagoas.

O governo quer injetar – por meio da Desenvolve – R$ 20 milhões em crédito neste ano. Se por um lado, a notícia é boa. Por outro, há uma série de preocupações na forma como o crédito será usado para que a agência não seja um futuro Produban, por exemplo. É sobre este assunto e sem fugir de nenhuma questão que Rafael Brito fala.

Ele busca explicar como a Desenvolve mantém sua auto-sustentabilidade sem depender de aportes do governo estadual. De acordo com ele, a empresa vem dando lucro desde 2009, ainda que este não seja seu objetivo principal. Leia a íntegra.

Diante deste cenário de crise, que inclusive vem sendo ressaltada pelo próprio governador Renan Filho (PMDB), qual o papel que a Desenvolve tem para tentar melhorar o ambiente de negócios e gerar renda e emprego?

Bem, a Desenvolve é uma instituição financeira autorizada e regulada pelo Banco Central como todas as outras. Pela ótica do Banco Central, é igual aos bancos privados e públicos. Somos tributados como instituição financeira. Agora, a grande diferença nossa para estas instituições é que temos no foco social o principal e não o lucro como um banco qualquer. É até um contrassenso, pois somos tributados como bancos, mas buscamos um juro mais baixo para que este ganho social se dê. Então, não visamos o lucro. Somos uma S/A em que o governo é o acionista majoritário. Diante disto, temos a missão de levar crédito barato ao setor produtivo de Alagoas seja ele qual for, seja de qualquer porte. Chegamos com uma missão, passada pelo governador, que foi tirar a Desenvolve do polo passivo das ações e passar para o polo ativo. Ela ser proponente das ações de desenvolvimento. Por isto, nós hoje temos um grande número de contratos em análise que é maior do que o que já existiu. Está previsto um maior número de clientes, já que estamos buscando fomentar as cadeias produtivas e negócios. Resumindo bastante: esta é a missão. Temos que tornar a Desenvolve mais conhecida para que a maior quantidade de pessoas possa se beneficiar dela.

Você compara a Desenvolve a bancos. Em geral, estes bancos oferecem linhas de crédito para grandes empreendimentos e o pequeno empresário, muitas vezes, tem mais dificuldades de buscar estas linhas. Isto vemos até na política governamental de criar “campeões nacionais”. Hoje, a Desenvolve está mais próxima do pequeno ou do grande empresário enquanto um mecanismo de fomento?

Boa pergunta. Eu posso contextualizar da seguinte forma: nós temos que desempenhar, para Alagoas, o mesmo papel que, teoricamente, o BNDES representa no âmbito nacional. É um banco de desenvolvimento. Tínhamos 60% voltado para o pequeno e 40% para o médio. Não temos grandes operações como o Banco do Nordeste tem aqui em Alagoas. Mas, a determinação que eu recebi ao vir para a Desenvolve é voltar o nosso serviço para o pequeno. Que a Desenvolve seja o elo de entrada do pequeno e do informal com o crédito. Nós somos bem rigorosos na hora de conceder o crédito, atendendo as regulamentações do Banco Central para conceder crédito. Nossa missão é levar crédito ao pequeno, seja o pequeno agricultor, o pequeno empreendedor, enfim. Nós temos visitado muitos clientes que estão nesta faixa e estamos encontrando pessoas que possuem seus negócios há 10, 15 anos, mas que nunca tiveram acesso a uma linha de crédito. Precisamos levar este crédito que é mais barato que outros bancos. Em algumas linhas a gente se igual ao Banco do Nordeste. Estamos focando nas cooperativas, por exemplo, onde somos muito mais competitivos que em muitos bancos.

Há um ponto: a criação de crédito de forma indistinta, apesar de mais barata, pode acabar sendo uma fomentação de uma bolha, como já vimos nas crises por aí afora. Como vocês lidam com esta liberação de crédito? Como se dá esta ciranda financeira? O governo coloca dinheiro na instituição Desenvolve como forma de incentivar este crédito?

Na verdade o que ocorre é o seguinte: o aporte por parte do governo já houve no passado. Hoje, temos o patrimônio que é o dinheiro disponível que temos para colocar na rua. A expectativa é que tão logo o governador consiga tirar o Estado da crise financeira que o governo federal nos impôs, seja feito um novo aporte para melhorar a situação no Banco Central e no BNDES, melhorar o índice de Basiléia para termos acesso maior junto ao BNDES. Hoje temos o dinheiro do nosso patrimônio, uma linha subsidiada pelo FINEP e um contrato com o BNDES. Não trabalhamos apenas com o nosso capital, mas recursos de parceiros. Temos recursos também do BIRD, que são a fundo perdido. Este é um dinheiro que a gente dá, que é para pessoal de baixa renda e dentro do escopo da economia solidária, como o pessoal do sururu, os catadores de lixo. Estamos buscando consolidar isto para trabalhar também com este público que é o informal do informal, está a margem da sociedade, precisa do recurso e não tem como ter o acesso ao crédito.  Isto gera ganho de produtividade para estas pessoas que passam a participar melhor da economia e gerar desenvolvimento socioeconômico.

O único retorno então de vocês é a adimplência dos empréstimos?

Sim. E aí, é bom frisar um ponto: a nossa taxa de inadimplência hoje está abaixo das taxas de outras agências de desenvolvimento do país. Nossa expectativa é trabalhar abaixo desta média. Nosso crédito é 100% regulado pelo Banco Central. A gente cumpre passo a passo as determinações na hora de conceder o crédito, como a situação do tomador do crédito, as garantias, enfim...a gente se cerca de todo os instrumentos de proteção que a gente possa ter. Nós nos tornamos competitivos porque nossas taxas são menores que as dos outros. São linhas de crédito que atendem de forma geral. Os juros estão em 1,5%. É um juro subsidiado. Eu fui empresário a minha vida inteira e fiquei triste por não ter conhecido a Desenvolve antes. Se eu tivesse acesso a isto antes, eu poderia ter aumentado bastante a minha margem naquele momento.

Com um juros tão abaixo do mercado e dentro de um cenário de crise com alta inadimplência, com que garantia a Desenvolve vai manter um ciclo financeira? Pois vocês precisam ter esta taxa baixa de inadimplência. E por que pergunto isto? Por que se vocês quebram é o Estado que vai ter que salvar...

Veja, a Desenvolve hoje é uma empresa extremamente solvente. Estamos longe do nosso índice de exposição máxima. A gente é auditado pelo Banco Central e fiscalizado regularmente para que não aconteça com as agências de desenvolvimento dos Estados o que aconteceu tempos atrás com bancos públicos, como foi o caso do Produban. Hoje nós somos extremamente fiscalizados. Todas as nossas operações – sejam desembolso de R$ 500 ou R$ 1 milhão – tem que ser fiscalizada pelo Banco Central, que identifica se a Desenvolve se cercou das garantias necessárias e se fez o crivo cadastral necessário para ser uma operação de crédito positiva. Aceitando e cumprindo todas as normas do Banco Central é que vamos conseguir que não aconteça com a Desenvolve o que aconteceu com o Produban. É assim que outros Estados também trabalham.

Qual a média de crédito que vocês estão jogando no mercado por ano?

A média de desembolso para este ano é de R$ 20 milhões. No ano passado foi de R$ 9 milhões. Então, com toda esta crise, nós estamos propondo, agora em 2016, dobrar este desembolso. Esse valor maior vai ser em cima do microcrédito, das cooperativas de crédito. Muita gente vai na cooperativa de crédito hoje, toma o crédito lá, mas não sabe que aquele dinheiro vem da Desenvolve. A gente tem uma grande parte de beneficiados neste segundo piso e não identificam a Desenvolve como agente fundamental para que o recurso chegue nas mãos dele. Estas cooperativas são fundamentais para que possamos ter pernas para atender os beneficiados, porque aqui na agência temos apenas 30 funcionários. Estamos firmando parcerias com associações comunitárias. São parcerias reembolsadas, com uma figura de agente de crédito na ponta, onde o cara percorre a sua comunidade e ele ganha 1% do volume que ele conseguir aprovar com a gente. Ele prepara o cadastro inteiro e manda para cá. Se o cadastro for aprovado, a associação e a cooperativa ganha 1% daquele valor. Isto é importante também, pois este cadastro é feito por alguém que conhece a realidade da comunidade.

Como vocês fiscalizam o uso deste crédito para garantir que de fato ele seja usado para fomento da economia e não tenha o desvio de finalidade, já que a missão é esta função social como você diz? Afinal, será prejuízo para o Estado se este recursos se perder.

Esta fiscalização é feita já a partir do desembolso. Por exemplo, a linha de capital de giro, está claro que é para capitalizar uma empresa. Numa linha para inovação tecnológica, o recurso é fiscalizado por etapas do projeto que o empresário apresentou. O cara vai montar uma indústria de sucos. A gente coloca o empresário na linha de crédito e ele tem um cronograma de desembolso dele e o nosso recurso entra como se fosse indenizatório. Então, ele tem que apresentar os comprovantes, as notas fiscais, para que a gente reembolse ele naquele tamanho pactuado. Esta é uma forma de fiscalizar o bom uso deste recurso.

Vocês acabam tendo mais trabalho que um banco privado e vendem um dinheiro mais barato do que este setor. É um paradoxo. Como é que se mantém a estrutura da Desenvolve? O governo vai ter que em algum momento bancar isto, ou não?

Não. Aí você está me forçando a dizer o seguinte: os bancos possuem lucros exorbitantes. Quando se divulga estes balanços, são exorbitantes. Nós não temos visão de lucro...

Sim, mas vocês só ampliam a margem de crédito para o próximo ano se fecharem com um balanço que deu lucro. Ou não?

É verdade, mas veja, é possível vender um dinheiro que dê lucro dentro de uma margem que torne o dinheiro mais barato. A Desenvolve tem lucro desde 2009 para cá. Não há ano em que ela, mesmo fazendo tudo isto, não apresente lucro. Para este ano, a expectativa também é de lucro e de maior que o ano passado.

O que é um recurso que volta para crédito?

Sim. Ele é integralizado no patrimônio e volta para crédito. Mesmo não visando lucro, mesmo não tendo a obrigação formal de dar lucro, ela dá lucro ano após anos.

Mas, aí é o que é o essencial: a Desenvolve só pode existir, pela dinâmica que estamos falando aqui, se der lucro. Caso contrário, ela traz prejuízo para o Estado que terá que aportar recursos. Então, perseguir o lucro não seria fundamental?

É. Sim. Mas não podemos perseguir o lucro sem esquecer o ganho social. A nossa função é social. Ela não é meramente econômica. O Estado de Alagoas não retira parte do lucro para reembolso. Ele poderia fazer, mas o capital sempre fica para ser integralizado ao patrimônio. 

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