O Tiro Esportivo e o entulho autoritário de Vargas

07/06/2016 12:35 - Bene Barbosa
Por Bene Barbosa
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Em 1932 explode a Revolução Constitucionalista onde São Paulo se levanta em armas contra o autoritarismo do então governo provisório do ditador Getúlio Vargas. Tropas do Exército sediadas em São Paulo, Força Pública e cidadãos voluntários, com suas próprias armas, se apresentam para combate. As tropas paulistas são esmagadas em apenas quatro meses. Vargas percebe que, para o sucesso de qualquer governo autoritário, deveria haver forte controle de armas, de sua fabricação, importação e venda. Surge em 1935 o primeiro decreto que proibia a instalação de fábricas de material bélico em solo pátrio sem a autorização expressa do Exército. Logo mais, em 1936 é publicado o decreto que cria a restrição de calibres e tipos de armamentos. Tais restrições não só valem para o cidadão, como também para as forças policiais e segurança privada. A verdade é que o único objetivo sempre foi evitar novos 1932.

Inevitavelmente, os subsequentes decretos, em especial o conhecido e em vigor até hoje, o R-105, se tornaram cada vez mais restritivo e atingiram todo e qualquer uso de armas, em especial aquelas categorizadas de calibres restritos e, neste bolo, estão os atiradores esportivos. Tal impacto, sempre negativo, se maximizou no governo de Fernando Henrique Cardoso e achou berço esplêndido nos braços dos sequentes governos petistas. Não custa lembrar, em ano de Olímpiadas no Brasil, que nossa primeira medalha de ouro, em Antuérpia, no longínquo 1920, foi conquistada pelo atirador Guilherme Paraense.

Eis que mais de 80 anos após 32, a DFPC – Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados – prepara-se para emitir um “novo” R-105, ou seja, um “novo” decreto que visa atualizar normas e critérios para a fiscalização de produtos controlados, entre eles, armas e munições para uso esportivo. A minuta do decreto encontra-se disponível no site daquela diretoria e pode ser acessada no seguinte link: http://www.dfpc.eb.mil.br/index.php/ultimas-noticias/236-comunicado-as-entidades-e-pessoas-ligadas-as-atividades-e-produtos-controlados-pelo-exercito.

O Movimento Viva Brasil, entidade que presido, por meio de seu diretor jurídico, Dr. Daniel Fazzolari, já prepara sugestões de melhoras, se é que é possível melhorar algo que teve seu surgimento no pensamento autoritário de um governante com grandes simpatias pelo nazismo... Aliás, foi no nazismo, pelas mãos de Adolf Hitler que surgiu a ideia de controle total sobre todas as armas e seus proprietários. Recomendo o livro “Controle de Armas no Terceiro Reich: o desarmamento dos judeus e dos ‘inimigos do Estado'” - no original, Gun Control in the Third Reich – Disarming the Jews and “Enemies of the State” - de Stephen P. Halbrook.

E por falar em Alemanha, lembrei de um episódio ocorrido lá pelos ido de 2000 quando recebemos na empresa, onde trabalhava, a visita de um consultor alemão mesmo com idade beirando a casa dos 80 anos, era de uma vivacidade ímpar e de humor pouco característico daquele povo – descobri posteriormente que seu pai era inglês. Conversávamos sobre questões profissionais quando um papel lhe chamou a atenção sobre minha mesa. Era uma Guia de Tráfego, documento expedido pelo Exército para que o atirador possa transportar armas e munições para treinamento e competições. A arma em questão era uma reles carabina .22. Ele me disse que praticava tiro e caça desde criança e quis mais detalhes do porquê daquele documento. Depois de ouvir atentamente a explicação, com um sorriso levemente sarcástico sentenciou: “pior que na Alemanha Oriental”. Ri, para não chorar.

Ser atirador esportivo no Brasil é, acima de tudo, um exercício de persistência e resiliência. Tenho para mim que não há esportista mais apaixonado pelo seu esporte e, se assim não fosse, o esporte já teria sucumbido totalmente aos mandos e desmandos estatais, soterrados pelo entulho autoritário.

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