Quem acompanha os discursos do senador Fernando Collor de Mello (PTC) em sua carreira pública sabe o quanto ele é imprevisível. Collor já chegou até a xingar, no uso da tribuna do Senado Federal, e de forma sussurrada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Quem não lembra do quase inaudível e ao mesmo tempo tão sonoro “filha da p...”?
Collor é fã da retórica e da poética. Sabe jogar com as emoções dos ouvintes. É fã dos elementos aristotélicos do discurso que constroem narrativas inflamadas, que mexem com as emoções. Lembram do “Minha Gente...”? Não raro, busca adornos nos dicionários e retira vocábulos do baú para impactar. Já fez o Senado Federal parar várias vezes para ouvi-lo.
Fernando Collor de Mello tem discursos de impacto no Senado Federal. Isto deve ser reconhecido. O primeiro deles, quando eleito pelo pequeno PRTB, foi feito sobre indagações que esperavam a versão de Collor sobre o impeachment. Poucos são os colloridos que revistaram a história. O que fez com que Collor fosse extremamente massacrado. Muito massacre coberto de razão, porém apagando ações importantes como a abertura econômica.
Ontem, para dizer sim ao afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT), Collor revisitou sua própria história para que, ao ajudar a fazer a nova história, o impeachment não tivesse sabor de vingança. Fernando Collor de Mello – creio eu – deve ter tido algum prazer interno no uso da tribuna. Deve ter sentido no paladar o gosto do famoso prato frio. É das paixões humanas por mais que sejam impassíveis os semblantes.
Eis o único homem do mundo a sofrer um processo de impeachment e, anos depois, a votar em um impedimento de presidente. Esteve nos dois polos. Confesso, na situação de Collor, não teria a mesma frieza. Mas, só alguém com a frieza de Collor poderia estar na situação de Collor.
Collor soube ler o momento para se posicionar com importância histórica. O 38º homem a subir na tribuna era o mais esperado. Com o Senado em silêncio, Fernando Collor de Mello foi buscar Rui Barbosa para falar das ruínas do poder. Todavia, o discurso bonito de Fernando Collor de Mello não o exime de ter sido um dos aliados deste governo.
Fernando Collor sabia o que era o governo do PT. Não sabia de ouvir falar...Saiba porque estava lá. Era amigo. Sempre soube. Os conselhos que deu a presidente cobrando mudanças não o exime também. Collor buscou aproveitar da imagem do governo federal, quando este estava em alta, em suas campanhas locais. Foi um dos homens do presidente; foi um dos homens da presidente. Seu discurso histórico não apaga isto.
Nem apaga também o fato de Fernando Collor de Mello ser um dos personagens da Operação Lava Jato e ter explicações, mais uma vez, a dar à Justiça. Se inocente ou culpado, o processo judicial dirá. Mas lá residem os indícios – e não se pode esquecer disto – de que o senador do PTC pode ter se locupletado com o projeto de poder da cleptocracia vermelha.
Agora, os erros de Collor não tiram a verdade certeira de uma de suas frases: “Crime de responsabilidade é a mera irresponsabilidade com o país. Seja por incompetência, negligência ou má-fé". A frase de Collor foi a mais inteligente dentre todos os discursos proferidos no Senado Federal. De forma concisa e direta, Collor derrubou por terra – tenha querido ele ou não – a cantinela do golpe. Creio que quis. Creio ter sido uma frase de efeito estudada.
Esta é a assertiva para ser dita. Eu já disse a mesma coisa aqui, mas com outras palavras. Fernando Collor de Mello acerta e diz de forma mais clara. Não importa se houve má-fé da presidente Dilma Rousseff ou não. Cá comigo, eu tenho meu juízo de valor. Dilma sabia do que passava em seu entorno; e era a mãe desta cleptocracia. Portava-se assim em função da moral elástica assumida pelo lulopetismo, onde pouco importam os meios, mas sim os fins de um projeto de poder que inclui o assassinato de reputações, o aparelhamento estatal, a perseguição à imprensa livre, a ideologização por meio de uma revolução cultural, a subversão de valores, dentre outros pontos. Tudo com ciência de Dilma Rousseff e tendo Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, como líder maior.
Tudo dentro de um sistema que ainda contava com a militância financiada e a intelectualidade orgânica no mais perfeito modelo de Antônio Gramsci
Mas ainda que o leitor descarte tudo o que eu acredito em meu juízo de valor, Collor manda muito bem o recado: não importa! A incompetência ou negligência de Dilma Rousseff fez com que ela construísse a ladeira que iria descer. Uma descida que representará o início do fim de um projeto de poder. O que me espanta é que Collor, sabedor de tudo isto, tenha se resumido a um discurso bonito no velório do petismo do qual foi aliado, mesmo no passado tendo o PT como carrasco.
Então, Collor acerta o tom do discurso, mas isto não tira todos os erros que ele cometeu para com o país e que devem constar em sua biografia. Foi de Collor o melhor de todos os discursos ao ser sereno e preciso. Collor mostrou uma grandeza que não é comum em nosso Congresso Nacional. Uma grandeza que não tem sido comum nem ao próprio Collor, em muitos momentos, como no citado caso envolvendo Rodrigo Janot.
Mas, ao menos desta vez, Collor não parecia um personagem de si mesmo, mas uma figura extremamente humana que se apoiou em palavras para bem descrever o momento.
Collor lembrou do que o PT arruinou, mas sempre esteve ao lado do PT. Collor lembrou do que nos envergonha, mas ficou durante muito tempo ao lado da vergonha.
Agora, uma coisa é verdade e Collor precisa ser reconhecido por isto: caiu, lá em 1992, com muito mais dignidade do que caem hoje os que se acostumaram com as tetas governamentais, que transforam o público em um puxadinho de partido. E é o próprio Collor, em seu discurso ontem, que pontou isto. De forma precisa. Mandou o recado. Comeu o prato frio.
No mais, elogio o senador por ter trazido ao país as palavras que mereciam ser ouvidas. Dito isto, elogio sincero feito, é válido lembrar: é pontual e Collor ainda tem o que explicar sobre seu envolvimento com a má-fé, negligência ou incompetência dessa gente...
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