Escrevi aqui – e nas minhas redes sociais - sobre o afastamento do presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Fiz apenas ponderações no campo político e disse o óbvio (mas que no Brasil precisa ser dito!): Eduardo Cunha não tem mais condições de comandar aquela Casa pelo muito que já se sabe dele.

Agora, ao lembrar que pau que bate em Chico, também bate em Francisco, lembrei que “o colecionador de inquéritos” e presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB), conta com a benevolência da patrulha vermelha por ser um governista. Sempre houve uma indignação seletiva quando o assunto são os inquéritos que Calheiros responde.

Se eles (Cunha e Renan) são culpados ou inocentes, aí é com a Justiça. Muitos foram os momentos em que falei (na rádio) e aqui escrevi que contra o Eduardo Cunha tudo anda em uma Ferrari. Contra Renan Calheiros, vai de Fusca. Dito isto, fiz críticas à decisão de Teori Zavascki, que – com o resultado final – cabem aos demais ministros.

Não fui tão feliz e preciso quanto o professor Yuri Brandão. Por isto, trago aqui seu texto. Gostaria de compartilhá-lo com meus leitores.

Brandão foi articulista nos portais Tudo Na Hora e aqui no CadaMinuto.  Um polemista que admiro. Em alguns momentos já tivemos pequenas (ou grandes!) divergências no campo das ideias, mas sempre muito salutares e que me fizeram aprender muito.

O professor não abre mão dos argumentos, nem teme dizer o que – em seu julgamento – precisa ser dito, ainda que em momentos onde a maioria se acostumou com a leitura mais fácil, mais óbvia ou mais confortável diante dos resultados políticos de um fato. Mas vejam, os fins não podem justificar os meios. Não podemos lutar pelo prevalecer de um Estado Democrático de Direito moldando a Constituição (ou até mesmo rasgando-a) por conta das nossas vontades. O preço disto é muito alto e algum dia chega.

Em um determinado momento, o erro pode estar ao nosso favor, como é o caso do afastamento do “nefasto” (aqui uso um adjetivo usado pelo professor Yuri Brandão) Eduardo Cunha. Já que defendemos outros tipos de valores. Porém, em outros momentos (o que julgo ser a maioria deles) o justiçamento solapa todos aqueles valores que se fazem presente entre os que defendem a Constituição. Se há algo a mudar na Constituição (e há, pois em alguns artigos é uma verdadeira Carta à Papai Noel), isto tem que ser feito pela via correta. Sem jacobinismos.

Por isto, reproduzo aqui o texto de Yuri Brandão. Eis o texto dele em negrito:

"Sempre respondo apenas por mim, a menos que eu disponha de procuração para atuar por outrem: Eduardo Cunha não é nem nunca foi um sujeito do meu agrado, embora eu não tenha para com ele o mesmo ranço da esquerda, que em regra o atacou até mesmo nos acertos, lançando mão de um maniqueísmo que nos outros é sempre refresco.

É inegável que se trata de um político nefasto para o Brasil, como de resto é próprio da classe política (em geral); também é indubitável que tem um positivo poder de liderança no Parlamento, ainda que, às vezes, se suspeite de métodos chantagistas, o que tornaria tudo negativo. Almoço grátis só existe na casa dos pais e, mesmo assim, só é gratuito para um dos lados; na política, além de não ser de graça, costuma estar fora da validade.

Condeno todo tipo de criminoso; não tenho bandidos de estimação e desafio qualquer um a provar o contrário. Isso não significa, porém, que não se possa escalonar a gravidade dos crimes. Ao rechaçar, por exemplo, o projeto de poder petista e a consequente cleptocracia instalada pela esquerda, não estou a legitimar eventuais condutas similares noutros espectros ideológicos. Estou, sim, afirmando que, a meu ver, existe um mal pior.

Mas esse mal pior também pode manifestar-se, embora a médio e longo prazos, toda vez que o moralismo se sobrepõe à Constituição. Quando defendo que um deputado possa ser cassado por "quebra de decoro", não estou cedendo a esse moralismo; não desconsidero que estamos diante de um conceito indeterminado, vago, conforme enfatiza Adriano Soares da Costa, e que pode ser usado como arma por uma maioria de ocasião contra uma minoria ou um desafeto. A questão me parece outra, entretanto: existe um Regimento Interno, previsto expressamente pela própria Constituição Federal de 1988 e aprovado democraticamente, e ele elenca hipóteses de cassação, permitindo que a imunidade parlamentar seja mitigada no campo político-administrativo. Tudo está posto previamente e faz parte do jogo, que tem riscos. A democracia não é, afinal, perfeita. Certa vez disse o próprio Soares: "A democracia pode não ser a melhor coisa, mas coisa melhor não há".

Nada disso se confunde com a decisão juridicamente absurda do ministro Teori Zavascki, que afastou liminarmente Eduardo Cunha do mandato e, pois, da presidência da Câmara dos Deputados. Ora, não há respaldo constitucional nessa liminar espantosamente concedida em sede de Ação Cautelar. Li a decisão, como de costume, e não vi nem sequer uma regra ser usada; vi, sim, isto: "Decide-se aqui uma situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual e individualizada", um exemplo meramente ilustrativo. Traduzo: eis uma combinação retórica de pressões acerbas contra Cunha com "princípios jurídicos", aquela entidade a que recorrem os sabotadores das leis e do texto constitucional. Alf Ross, o jurista e filósofo dinamarquês, chamaria de esponjas, que tudo absorvem e de nada cuidam.

Li também, por óbvio, a referida Ação Cautelar: Rodrigo Janot, o procurador-geral da República, fez um conjunto de ilações, generalidades e especulações, sem especificar nada. Destaco um trecho eloquente: "O Presidente da Câmara dos Deputados não tem franquia para, diante do mandato que ocupa provisoriamente, praticar condutas que diretamente infrinjam o sistema jurídico sem que daí não advenham consequências, inclusive de natureza cautelar penal". Pergunto: onde, como e por que Eduardo Cunha infringiu o "sistema jurídico"? Quais "condutas" foram por ele praticadas, de que forma e em qual dimensão?

Um chefe de Poder sendo afastado do mandato e da presidência por uma decisão monocrática, cujo objeto nem ao menos foi analisado e referendado pelo colegiado do STF? É porra-louquice! Qual seria a saída, então? A rigor, cabe à Câmara dos Deputados a solução; o Supremo poderia, no entanto, estabelecer que, se Temer assumisse a presidência da República e viesse a se afastar, aí o Cunha estaria impedido de substituí-lo temporariamente. Por quê? Porque, como presidente da Câmara e um dos substitutos do chefe do Executivo na linha de sucessão, não preenche as condições para tal mister, pois é réu.

Eis aí uma decisão, em tempo próprio, por via adequada e emanada do colegiado do STF, que encontraria base constitucional, até prova em contrário. Se vale para Dilma, vale para qualquer um que se ache na possibilidade ou iminência de estar, ainda que por pouco tempo, no cargo por ela ocupado até agora. Nessa hipótese, o Supremo estaria atuando dentro dos limites permitidos, observando o "judicial restraint" e não invadindo a esfera do Legislativo, a quem compete decidir sobre o mandato em si. Todavia, esticar a corda e afastar, por liminar monocrática, um chefe de outro Poder é desrespeitar os votos dos eleitores, agredir as prerrogativas parlamentares, ignorar a separação de poderes, cuspir no Legislativo (está na moda cuspir) e dar de ombros para a Carta Magna, que deveria ser o fundamento e o norte da decisão. Se o ministro afastou Cunha hoje por ser réu, inovando juridicamente, amanhã poderá afastar Renan Calheiros por ser alvo de 9 (nove) inquéritos? E, se virar réu, será afastado também?

Quando vivemos tempos de o próprio guardião da Constituição negligenciá-la em favor de uma retórica populista e político-principiológica, é sinal de que a tragicomédia já cedeu lugar à macabra tragédia institucional e jurídica. Ministros de tal envergadura funcional até podem dispensar a canja de galinha, mas não a cautela.

Por ora é isso.

Retorno. Há no texto original de Yuri Brandão um “PS”, que pode ser encontrado em suas redes sociais. Ele faz referência a uma oura análise feita por ele (Yuri Brandão) de uma liminar do ministro Marco Aurélio contra Eduardo Cunha. Sugiro que este texto sobre a decisão de Aurélio seja lido por meu leitor também. Verá que não há divergência entre o que Yuri Brandão dizia antes e o que diz agora.

Por fim, digo: eis o que é um debate sadio. 

Estou no twitter: @lulavilar