Faltando uma semana para completar 15 anos, a adolescente I.S.S. – identificada nesta reportagem como Fernanda – recebeu a notícia de que seria mãe. A notícia, que aparentemente poderia assustar, foi recebida como natural pela jovem que hoje está no sétimo mês de gestação e vinha planejando ser mãe desde aos 10 anos, quando foi morar junto com um homem adulto. A situação delicada para as famílias é um drama social em Alagoas, onde, mesmo com orientação nas escolas e nos meios de comunicação, o índice de meninas menores 14 anos que engravidam aumentou nos últimos 10 anos, conforme constatação de uma pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Um dos fatores tem sido pela falta de prática e uso dos métodos concepcionais, que além de prevenir a gravidez, ajudam na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Este aumento do número de gestação foi confirmado através da pesquisa de conclusão de curso de Caroline Tenório Guedes, estudante de Enfermagem da UFAL, sob a orientação da professora Ruth Trindade.
A pesquisa abrangeu o período de 2000 a 2010 coletando dados nos 102 municípios alagoanos. Nesse período, o registro de nascidos vivos de meninas entre 10 e 14 anos foi de 797 e em 2010, chegou a 836, um aumento de 4,16%.
A estudante também constatou a redução de 20,06% na taxa de fecundidade entre as jovens alagoanas de 15 a 19 anos. Caroline explica que os dados quando analisados com todas as faixas etárias apresenta uma diminuição, no entanto quando as idades são estudadas separadamente, foi notório o casos das meninas mais novas.
Desde quando ingressou na universidade, a estudante sentia a necessidade de realizar algum estudo voltado para menores grávidas. “Eu sempre me questionei que em pleno século 21, as meninas ainda engravidam e mesmo com tanto método anticoncepcional. No final, cheguei à conclusão de que é possível não engravidar na adolescência”, disse a estudante da UFAL.
Os dados foram calculados com base na taxa de nascidos vivos através do senso do IBGE. Segundo ela, a pesquisa analisou como estava a distribuição dos casos de gravidez na adolescência nos municípios alagoanos, para constatar se havia um local que se sobressaia quanto a este índice.
“Nós tínhamos algumas suspeitas sobre alguns locais, mas o que foi mais chocante foi o aumento do número de meninas grávidas menores de 14 anos, além do fato de as cidades do litoral apresentarem um grande índice”, completou Caroline.
Maiores índices
As cidades de Capela, Japaratinga e Feira Grande foram as que apresentaram o maior crescimento de casos de gravidez em adolescentes de 10 a 14 anos na década pesquisada. No ano 2000, um grupo de mil mulheres, 0,92% das meninas capelenses ficaram grávidas até os 14 anos; em 2010, esse número foi para 5,85%. Em Japaratinga, de 2,36% em 2000 foi para 14,42% em 2010. Já em Feira Grande, de 1,48% para 7,63%.
No ano 2000, os municípios de Roteiro (20,41%), Barra de Santo Antônio (18,21%) e Feliz Deserto (13,70%) foram os que apresentaram as maiores taxas de fecundação por mil mulheres na faixa etária de 10 a 14 anos. Já em 2010, Japaratinga (14,42%), São Luís do Quitunde (16,03%) e, novamente, Feliz Deserto (15,81%) lideraram a lista de adolescentes grávidas com idade inferior a 14 anos.
Em Maceió, a diminuição foi nas duas faixas de idade: de 10 a 14 anos, redução de 5,25% para 5,01%; de 15 a 19 anos, de 89,99% para 73,21%. Caroline Tenório explica que sua pesquisa não incluiu entrevistas com as adolescentes, para conseguir analisar os aspectos sociais dessas jovens.
Grávida aos 14, menina casou-se aos 10 e acha que demorou a engravidar
Entrevistada por telefone com o consentimento da mãe, que não permitiu imagens nem contato pessoal, a garota Fernanda disse ao CadaMinuto Press que deixou de estudar há algum tempo, quando precisou cuidar da irmã para que a mãe pudesse sair de casa e trabalhar. Desde então, ela não retornou à sala de aula e nem tem previsão de quando isso aconteça com a previsão do nascimento da filha.
"Eu sempre tive o sonho de ser mãe, mas nunca consegui engravidar. Quando soube que estava grávida fiquei sem ação, pois pensei que não podia ter filhos. Nunca parei para pensar como será meu futuro, nem como vou voltar a estudar. A minha mãe ficou nervosa no começo pela minha idade, mas agora está tudo bem", contou Fernanda.
A garota será mãe de uma menina fruto de uma relação estável com um homem quase oito anos mais velho do que ela. Mesmo tendo suas expectativas para engravidar, Fernanda admite não ter feito planos para o futuro nem imaginado como será a criação da criança.
Assim como a personagem entrevistada nesta reportagem, muitas meninas planejam engravidar ainda na adolescência e outras tantas não usam o anticoncepcional, apesar da orientação.
Prevenção é ignorada por medo e vergonha
Carmem Nascimento, técnica do Programa Saúde da Mulher da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), explica que o órgão não tem um programa específico para orientação das adolescentes sobre a gestação precoce, mas que trabalha em parceria com os municípios.
Em cada cidade, os adolescentes são orientados nas escolas sobre os riscos de uma gravidez precoce através dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs), que informam sobre cada método, o modo de uso e quais são fornecidos pelo poder público.
Alguns municípios disponibilizam um grupo específico para tratar sobre o assunto com os jovens. “Infelizmente, mesmo com anos de trabalho, as equipes de apoio à saúde nas escolas não conseguiram reduzir o número de gestantes adolescentes e isso ocorreu por vários motivos”, lamentou Carmem.
Segundo a servidora pública, muitas das adolescentes grávidas revelam que não usam o anticoncepcional por medo da mãe ou pai descobrir que já mantém relações sexuais. “Outras têm vergonha de ir ao posto de saúde pegar o preservativo. Com isso, nós percebemos que não é falta de conhecimento”, concluiu.
Independente da classe social do casal, a gravidez precoce atrapalha o desenvolvimento da menina, pois limita sua vida social e compromete os planos para o futuro, como as construções da formação educacional e da carreira profissional.