O deputado federal Maurício Quintella (PR) falou do Projeto de Lei Escola Livre. Ele lançou o debate, em suas redes sociais, da forma como eu gosto: sem excessos e sem desrespeito. Parabenizo Quintella por isto. Tenho – entretanto – divergência com o que ele pensa. Mas, creio que divergir respeitosamente é sadio, é legal.
O parlamentar se posicionou contra o projeto (é direito dele!) e não fez do deputado estadual Ricardo Nezinho (PMDB) um espantalho, nem o jogou na fogueira, como fez o senhor secretário de Educação, Luciano Barbosa (PMDB).
Quintella reconheceu, o que eu também reconheço, as boas intenções de Nezinho ao abraçar a lei. Falo de boas intenções de Ricardo Nezinho quanto a esta lei. Se um dia, como já ocorreu, eu discordar das posturas de Nezinho em outros momentos, farei. Como fiz em relação ao projeto que regulamenta a venda de bebidas alcóolicas em estádios. Nezinho é contra. Eu sou a favor.
Bem, quem acompanha este blog sabe que sempre me apoiei em três coisas muito claras ao falar do Escola Livre: 1) Todo projeto de lei deveria gerar debates para opor argumentos. De forma séria, apoiados naquilo que está escrito na lei e não em invencionices. Aí, que as pessoas sejam contra ou a favor. Respeito todos os lados. Não tenho por hábito ou intenção agredir alguém pelo que pensa. Afinal, é direito delas terem opiniões livres sobre o assunto. Mas, há uma militância por aí que pensa o seguinte: “é contrário ao que eu penso, então é um inimigo a ser destruído”; 2) Por esta razão sempre se criam os espantalhos, como a ridícula mentira de que professor vai ser preso por conta da lei. Ora, a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas não tem esta competência. A outra, é afirmar que o projeto promove censura, quando nele está escrito claramente que promove liberdade de crença e pluralidade; 3) Ainda digo que o ideal seria que os pais acompanhassem a vida escolar de seus filhos e brigassem contra doutrinação de qualquer espécie (eu faço isto em minha casa) não precisando, portanto, de lei, mas se apoiando no que preconiza a própria Lei de Diretrizes Básicas (LDB).
Dito isto, há sim um reduto de professores de extrema esquerda (não são todos. É uma minoria) que quer impor as suas visões de mundo, escondendo dos alunos os males de suas visões revolucionárias, como os cadáveres acumulados pela história do comunismo, por exemplo. Do outro lado, há sim um fundamentalismo de moral religiosa que exagera nas coisas que diz. Há quem queira impor sua religião. Mas vejam, a lei nem favorece a um ou a outro. Ela combate os dois. Por esta razão que acho o texto da lei bom. Há uma outra discussão que nasce: sobre a constitucionalidade ou não da lei. Bem, aí eu não entro. Não sou especialista no assunto.
Então, ser contra ou favorável da lei é consequência de discutir o texto dela. Mostrem a lei e debatam o que está escrito. Havia dubiedades nos anexos da lei? Sim. Eu já disse isto várias vezes. Os anexos eram ruins. Não por acaso, o artigo que fazia menção a estes anexos foi retirado. Logo, os anexos são inválidos. Vale apenas os oito artigos, caso a lei seja sancionada.
Repetido isto mais uma vez, eu vou ao que diz Maurício Quintella. Ele diz ter lido o texto com atenção. Não duvido. Já tive vários embates e discussões com Quintella. Gostem ou não dele, o parlamentar do PR mostra preocupação com as fontes primárias. Respeito isto em um debate. Parabenizo-o pela segunda vez!
Ao ler a lei, Quintella diz discordar com o que se encontra escrito nela. Todavia, combate a lei com os argumentos que ela defende. Aí, é contraditório deputado. Eu digo isto e provo!
Maurício Quintella diz que “escola é lugar para se aprender, e não apenas matemática, português, química, biologia, etc; na escola se aprende a viver, conviver, a respeitar a opinião do outro, a debater, a se indignar, reclamar, concordar”. É isto mesmo, caro deputado federal. Mas vejamos o que diz a lei!
Em seu artigo 1º o projeto estabelece a “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”, ou seja: jamais do professor. Este tem que ser livre mesmo, mas precisa apoiar o que pensa em conteúdo que esteja ligado a sua disciplina, respeitando, portanto, as fontes primárias destas e aí sim, promover o bom debate, com respeito a convivência e a opinião do outro sem impor as suas convicções. Ninguém cobra, nem a lei faz isto, um professor neutro. Deus me livre de um professor assim. Quero que ele tenha consciência crítica diante do que ensina.
Depois, veja bem Maurício Quintella, a lei ressalta que haja “pluralismo de ideias no âmbito acadêmico”. Ou seja: que o professor debata e confronte, muitas vezes, o que ele pensa com os contraditórios, promovendo assim a capacidade do aluno reclamar e concordar. E eis que no terceiro ponto do artigo 1º é onde está o que Quintella defende: “liberdade de aprender, com projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência” e segue com “liberdade de crença”.
A lei concorda com você Maurício Quintella. Acredito ainda que o parlamentar não ache errado diagnosticar o “reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado” e que se promova a educação e a informação do estudante “quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e crença”. Afinal, como Quintella bem ressalta, a escola é lugar de convivência. Logo, de diferenças de pensamentos que precisam ser respeitadas sem imposições ideológicas, religiosas ou partidárias. Ou não?
No caso de crianças e adolescentes, a lei reconhece o “direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica”. É de doutrinação, Maurício Quintella. Não se trata de esconder informações sobre política, religião ou ideologia. Estas devem estar presentes e serem passadas para o aluno, mas não de forma doutrinaria, mas de maneira tal que se avalie as ideias de cada ideologia e as consequências destas, na prática, como é possível ver ao se estudar, por exemplo, História e Filosofia.
Posso eu, Maurício Quintella, defender, por exemplo, a revolução Russa em sala de aula com base na ideologia que professo e esquecer que ela resultou em milhões de mortes? Posso eu, Maurício Quintella, ensinar a filosofia somente a partir do secularismo e ignorar os anos de História da Filosofia que antecedem o uso secularista da filosofia como modificadora da realidade? Não! Eu preciso ver tudo. Logo, nada contra o professor defender sua visão ideológica, mas mostre todas as consequências dela. Ele está ali como professor. Logo, tem compromisso com as fontes primárias.
Na realidade, o ideal seria que o Brasil tivesse uma profunda revisão em sua base curricular. Não da maneira como o MEC promoveu recentemente, mas de maneira séria mesmo, trazendo para a sala de aula tudo aquilo que o aluno ignora, de Literatura à Matemática. É lamentável que, por exemplo, no campo da Literatura, o aluno consiga sair da sala de aula sem ler os principais clássicos, contentando-se apenas com os resumos mal feitos que vão lhe fazer passar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). É o mesmo aluno que estuda Inglês durante toda a vida escolar e sai sem conseguir ler textos básicos em língua inglesa.
Maurício Quintella é um leitor voraz. Sei disto porque, em muitos momentos, trocamos opiniões sobre livros. Sabe, portanto, o quanto se lê pouco. Se lê pouco nas escolas, principalmente. Por isto que ao se falar em pluralidade de leituras tem gente questionando o “tempo em sala” para isto, como se a escola não fosse a promoção da leitura e da pesquisa que deve ter sequência em casa, com o acompanhamento das famílias.
Eu cansei, deputado, de pegar apostilas rasas da minha filha e pedir para ela ignorar. Digo a ela: “ignore. Leia isto aqui”. Eu a apresento a livros mais profundos, com mais versões sobre o que ali é dito. O resultado é ela tirar uma sequência de notas 10 em várias disciplinas, respondendo as questões com informações que são a mais do que aquilo que o professor pede. Os bons professores se sentem ajudado. Aliás, os bons mandam os alunos irem além das apostilas e do que eles mesmos dizem. Meu sonho é que o professor peça a ela o “a mais”, mas quase sempre sou eu sozinho que peço.
Minha filha tem 11 anos de idade e já conhece Julio Verne, George Orwell, Shakespeare, Miguel de Cervantes, Sócrates e Platão. Por esta razão, é que ao confrontada com o conceito de filosofia (vindo da escola) de que os valores são mera construções sociais, ela pode divergir da professora lembrando que Aquino – ao definir o Bem no conceito de o Deus filosófico – apresentava outra teoria. É que a professora dela, sem citar a fonte primária, só levava em conta o secularismo. Sequer o básico de Kant era falado para se falar de valores. Mas é possível fazer isto com uma criança de 11 anos? É! Basta adaptar os textos originais e trazer exemplos didáticos.
Quem discordar de mim aconselho que procurem textos de Fernando Savater ou um livro chamado Olá Consciência, publicado pela É Realizações. Mostra como aprender a estimular o pensamento e os debates, apresentando as divergências de forma sadia, pode ser fácil em uma sala de aula. Torço por esta educação. Sei que a Lei de Nezinho é algo muito distante disto. Sei que isto não se faz, infelizmente, por letras frias de lei, mas por um compromisso sincero com a Educação e a promoção do saber de forma liberta de amarras ideológicas ou partidárias.
Que surpresa minha, ao poder discutir com minha filha – após assistir um filme simples, que é o Capitão América Guerra Civil – a simbologia por trás do Homem de Ferro (que era o Estado sobre o controle da ação dos heróis) e do Capitão América (que era a concepção de que o homem é livre e só pode ser punido por seus dons caso os use para o mal). A intertextualidade nasce nas pequenas coisas desde que tenhamos a liberdade para enxergá-la realmente como vemos e assim colocarmos esta em debate.
Enxerguei este espírito na lei, Maurício. Se ele vai se concretizar na prática, não sei. Se a lei será inócua, não sei. Afinal, são pais que provocarão esta discussão e os professores serão avaliados por professores, como bem explicou o deputado estadual Bruno Toledo (PROS), em seu pronunciamento na Assembleia Legislativa e como está previsto na lei. Portanto, sequer as eventuais punições são excessivas. Não são. De início sequer há punição, haverá sim a discussão sobre os melhores caminhos.
Maurício Quintella ainda segue: “Uma escola neutra, inodora, silenciosa, programada, criará cidadãos ao seu reflexo. Professores sem liberdade, vigiados, com medo de ensinar (certos ou errados) , moldados pela "neutralidade" , não serão PROFESSORES!!!”. Há sempre um erro no conceito de neutralidade. A neutralidade é do ambiente para que nenhuma ideia seja previamente censurada. Em um ambiente neutro, eu posso descarregar qualquer ideia para que ela seja analisada pelos demais que fazem parte deste ambiente. Eu não poderia fazer isto é em um ambiente que abre mão desta neutralidade para fechar o cerco das ideias que podem ali entrar ou não.
Cito um exemplo: Maurício Quintella faz parte do PR. O PR não é um ambiente neutro. Como partido, ele tem uma corrente ideológica. Para estar dentro deste ambiente eu preciso concordar com os preceitos do PR. Se não concordasse, seria expulso ou procuraria outro parido. Não é assim que funciona, deputado? Há espaços para as divergências no PR, mas possui um limite, não é? Mas o ambiente da Câmara é neutro em relação às correntes internas dos partidos para poder abraçar todos e gerar o debate. Nenhum partido pode ser tirado de lá pelo que pensa. E pode, devido a imunidade de voz, falar o que quer. Acho que o exemplo deixa claro. Por isto que temos o PR e ao mesmo tempo o PSOL. E tem que ser assim mesmo, plural! E esta neutralidade tem regras: o Regimento Interno da Casa, para não virar bagunça. Não é assim?
Quintella ainda reconhece que há excessos. “(Os excessos) e sempre serão cometidos, isso sim precisa ser administrado, mas existem muitos instrumentos, pedagógicos, didáticos e legais para isso”. A lei como se apresenta, Quintella, é só mais um. Não há exageros nela. Você leu, você sabe. Há exageros nas argumentações.
“O Brasil precisa de uma escola viva, com professores que provoquem o conhecimento e o discernimento, de pais e comunidades que participem do processo educacional, só assim formaremos verdadeiros cidadãos. O desconhecido é o professor da intolerância ! É o que penso”. É o que eu penso também, deputado. É o que eu defendo também, deputado. Como eu posso estar errado, gostaria de saber de Maurício Quintella onde ele leu na lei que o objetivo é o contrário.
A íntegra da lei segue aí:
Art. 1º Fica criado, no âmbito do sistema estadual de ensino, o Programa “Escola Livre”, atendendo os seguintes princípios:
I – neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
II – pluralismo de ideias no âmbito acadêmico;
III – liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;
IV – liberdade de crença;
V – reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;
VI – educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;
VII – direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica;
Art. 2º É vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico.
§1º Tratando-se de disciplina facultativa em que sejam veiculados os conteúdos referidos na parte final do caput deste artigo, a frequência dos estudantes dependerá de prévia e expressa autorização dos seus pais ou responsáveis.
§2º As escolas confessionais, cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, religiosos ou ideológicos, deverão constar expressamente no contrato de prestação de serviços educacionais, documento este que será imprescindível para o ato da matrícula, sendo a assinatura deste a autorização expressa dos pais ou responsáveis pelo aluno para veiculação de conteúdos identificados como os referidos princípios, valores e concepções.
§3º Para os fins do disposto nos Arts. 1º e 2º deste artigo, as escolas confessionais deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes, material informativo que possibilite o conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados.
Art. 3º No exercício de suas funções, o professor:
I – não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para qualquer tipo de corrente específica de religião, ideologia ou político-partidária;
II – não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
III – não fará propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas;
IV – ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordando ou não com elas;
V – salvo nas escolas confessionais, deverá abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com os princípios desta lei.
Art. 4º As escolas deverão educar e informar os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio sobre os direitos que decorrem da liberdade de consciência e de crença asseguradas pela Constituição Federal, especialmente sobre o disposto no Art. 3º desta Lei.
Art. 5º A Secretaria Estadual de Educação promoverá a realização de cursos de ética do magistério para os professores da rede pública, abertos à comunidade escolar, a fim de informar e conscientizar os educadores, os estudantes e seus pais ou responsáveis, sobre
os limites éticos e jurídicos da atividade docente, especialmente no que se refere aos princípios referidos no Art. 1º desta Lei.
Art. 6º Cabe a Secretaria Estadual de Educação de Alagoas e ao Conselho Estadual de Educação de Alagoas fiscalizar o exato cumprimento desta lei.
Art. 7º Os servidores públicos que transgredirem o disposto nesta Lei estarão sujeitos a sanções e as penalidades previstas no Código de Ética Funcional dos Servidores Públicos e no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civil do Estado de Alagoas.
Art. 8º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
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