Neste texto de hoje, permitam-me, os amigos, a tocar em um ponto: a necessidade de se ideologizar tudo e todos; na sequência, demonizar o “adversário” com todo tipo de chavão e slogans. É enxergar tudo sob o prisma das minhas convicções e – a partir daí – sair excluindo os outros, o pensamento contraditório, tudo que é diferente da minha vida. Assumir uma bolha para si. Uma bolha que é inflada, assim como o ego de quem dentro dela se encontra, que é inflado pela política como um fim em si. 

Num momento como este, em que a exacerbação da visão político-partidária nos leva à segregação e aos discursos inflamados, quando não de ódio mesmo, eu fico com o sábio Rui Barbosa. Indico aos amigos um livro deste intelectual brasileiro chamado Cartas De Inglaterra. Uma série de belíssimos ensaios que, infelizmente esquecidos, são desprezados por alguns leitores. 

Eu não acredito em estudo sem livros. Quando falo em livros, falo daqueles com os quais concordo e daqueles com os quais discordo. Falo ainda da literatura clássica, que é de fundamental importância para desenvolver o universo imaginário e as possiblidades das experiências de vida, quando exercitamos a catarse e a compaixão (no sentido de sentir junto mesmo) por meio de outras personagens. 

Nossa a vida é muito curta para que, na própria pele, tenhamos a capacidade de imaginar as consequências de todo e qualquer discurso utópico. E sim, em épocas de inflamados pergaminhos revolucionários, é sempre necessário pensar em consequências para não repetirmos “Cambojas” e outros desastres. A história é eficiente em nos mostrar isto, mas a literatura é distópica ao nos confrontar com espelhos. Vai na alma. É o que faz, por exemplo, um Adouls Huxley, um Koestler, um George Orwell, uma Ayn Rand (com o simples Cânticos, por exemplo), dentre outros autores, como o próprio Saramago com Ensaio da Lucidez ou Intermitências da Morte. São dois romances-ensaios deste, que é um homem de esquerda, que nos levam a um exercício imaginário magistral da condição humana. 

É como a leitura de Crime e Castigo – do Dostoievsky – que nos leva ao mais profundo da compaixão humana, do reconhecimento do nosso lado mais sombrio, da nossa capacidade de perdoar, de renascer, de se arrepender, de recomeçar. Sou grato a estes homens e mulheres que dedicaram às suas vidas à alta cultura para nos fornecer tais experiências. Se aos 15 anos eu não tivesse lido O Lobo da Estepe de Hermann Hesse talvez hoje eu fosse outro. Se o Estrangeiro de Camus não tivesse entrado na minha vida, assim como A Peste, eu também seria outro. Por aí vai...

Todavia, no início deste texto, falei de Rui Barbosa. Citei Cartas.... Neste livro, destaco o ensaio que se chama As Bases da Fé. No escrito, o intelectual (como há muito não vê neste país, infelizmente), destaca – ainda que falando de tempos idos – nosso momento atual. 

Leiam: “O homem cujo horizonte mental se confunde com o horizonte visual dos partidos (o parêntese é meu. É bom também ler aí “os políticos”) nunca será capaz das virtudes que assinaram os grandes regedores de povos: o equilíbrio intelectual na luta, a firmeza nos revezes, a magnanimidade no triunfo. A ambição facilmente os desvia; a política oculta-lhes a humanidade; o presente eclipsa-lhes o futuro. São traficantes, que não veem além do balcão, ou capitães, que não enxergam além do campo de batalha”.

Rui Barbosa ainda segue: “Para esses, a política é o princípio e o fim de si mesma. Fora da área estreita onde se fere a peleja do momento, não descobrem as grandes interrogações, as verdades vivificantes, as necessidades moderadores, em que o homem aprende a reconhecer o caráter transitório das suas ações, a relatividade da influência delas sobre o destino dos seus semelhantes. Isso os faz intolerantes, vingativos, autoritários; e, se o nível moral do povo, sobre que reinam, lhes permite desenvolver essas qualidades, leva-os até ao despotismo e o sangue”.

Pois é, queridíssimo Rui Barbosa, tão essencial e tão pouco lido, eis que suas velhas palavras ecoam de volta em nosso tempo. É o mesmo Barbosa que também ressalta, em sinal de alerta, que “o homem que não possuir dentro da alma um campo de ideias mais amplo do que ela (ou seja: ter conhecimento do que creio e porque creio no que creio. Além disto, saber de fato o que pensam os que não creem no que creio, ao invés de me basear em espantalhos ou chavões e slogans repetidos por aí) não pode governar beneficamente”. Isto é óbvio, pois é o sujeito que, no uso do poder, eliminará, fisicamente se possível, todo aquele que pensar diferente. 

Este ser humano, no seu “estreitismo”, na certeza de que faz a violência por boa causa, ainda terá a coragem, a ousadia e canalhice – para não dizer vigarice intelectual – de tachar suas vítimas de fascistas, ou qualquer outro rótulo, só para puxar o gatilho e ainda assim sair por aí cantando de vítima. É que o vazio da política lava consciências e almas que não se comprometem com reais valores. Por isto, colocam a cabeça no travesseiro depois de relativizarem o mal, condenando os erros do adversários, mas defendendo até a morte, a tortura, torturadores, ditadores, enfim, desde que estes estejam ao seu lado... São vazios e nada mais! Pensam apenas na estratégia política. Para o consolo possuem a “causa”.

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