No último 1º de abril, a Controladoria Geral da União (CGU) em Alagoas publicou um Relatório de Demandas Externas sobre “situações presumidamente irregulares” ocorridas no Hospital Geral Sanatório e na Fundação Hospital da Agroindústria do Açúcar e do Álcool de Alagoas (Hospital do Açúcar). Segundo as conclusões da CGU, as supostas irregularidades podem ter ocasionado um dano ao erário de até R$ 50 milhões.
Entre maio e julho de 2013, a CGU analisou os itens financiados com recursos repassados pelo Ministério da Sáude aos hospitais de Maceió, referentes ao período de janeiro a dezembro de 2011, além de aspectos relativos às contratações de empréstimos bancários por antecipações de valores obtidas em 2009 e 2010 pelos hospitais.
O montante examinado pela CGU corresponde a R$ 50.951.922,32. E a conclusão registrou que do montante fiscalizado, foi identificado prejuízo no valor de R$ 49.851.828,59.
Os convênios analisados foram firmados entre a Secretaria Municipal de Saúde de Maceió (SMS) e o Hospital Sanatório e o Hospital do Açúcar, com vigência até maio de 2012, para a contratualização dos serviços de saúde a serem prestados pelos hospitais ao Sistema Único de Saúde (SUS), sendo os convênios realizados com a interveniência da Secretaria de Estado da Saúde, após reuniões com representantes do Ministério da Saúde.
E a CGU, nos casos de dano ao erário recomendou que às secretarias de saúde busquem apurar os valores e empreender sua recuperação.
Denúncias
Consta no relatório que, sobre o assunto, encontra-se em andamento Procedimento Investigatório Criminal nº 1.11.000.000441/2009-19 junto ao Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas, assim como Inquérito Policial nº 0280/2010-4 SR/DPF/AL junto ao à Superintendência Regional da Polícia Federal (PF) em Alagoas, sendo este último exclusivamente para o caso do Hospital do Açúcar.
As denúncias chegaram ao MPF por meio eletrônico, que por sua vez encaminhou para a CGU apurar os fatos. Um deles seria a malversação de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) no âmbito do Hospital Geral Sanatório e Hospital do Açúcar. A outra e ainda mais grave, aponta a existência de irregularidades envolvendo a Direção do Hospital do Açúcar, com a participação de vários funcionários, que consistiria na falsificação de dados sobre realização de procedimentos pelo SUS.
A denúncia versa sobre procedimentos realizados pelo SUS em quantidade menor do que a pactuada para o Hospital, embora recebesse o dinheiro público como se houvesse realizado o limite máximo de atendimentos. Para tanto, de acordo com a denúncia, seriam adulterados documentos como APAC (Autorização de Procedimento de Alta Complexidade) e BPA (Boletim de Produção Ambulatorial), por meio da criação de procedimentos não realizados em pacientes que efetivamente haviam feito algum tipo de tratamento. Para isso, seriam criados falsos prontuários médicos por funcionários do próprio Setor de Faturamento, que tinham acesso aos carimbos dos médicos envolvidos no esquema, e falsificariam suas assinaturas.
CGU apurou denúncias recebidas pelo MPF, MPE e PF sobre irregularidades nos Hospitais
Demandas parecidas foram apresentadas ao Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) em 03/05/2007 e relata a existência de possíveis irregularidades no Hospital do Açúcar. De acordo com ela, as irregularidades existentes no Hospital do Açúcar seriam referentes a desvio de recursos para reformas hospitalares e a falsificação de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH's).
Também há denúncia apresentada junto à Superintendência Regional da Polícia Federal em Alagoas em 10/06/2011, que relata a existência de possíveis irregularidades no Hospital do Açúcar, relativas à não realização de procedimentos informados ao Ministério da Saúde, como cateterismos, faturados por meio de Autorizações de Procedimento de Alta Complexidade - APAC's forjadas.
A denúncia relata também que os procedimentos seriam faturados por meio do Boletim de Produção Ambulatorial, que eram adulterados com o acréscimo de procedimentos não realizados, incluindo consultas urológicas e mamografias, bem como que se utilizavam dados de pacientes do Hospital para a realização das fraudes, com a confecção de prontuários falsos, utilizando carimbos e assinaturas médicas falsas.
Tais denúncias foram encaminhadas às CGU para apuração técnica. Depois da análise, a CGU concluiu que não há falsificação de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH's), Autorizações de Procedimento de Alta Complexidade - APAC's e prontuários médicos pelo Hospital do Açúcar e pelo Hospital Geral Sanatório durante o ano de 2011. No entanto, apontou falhas no faturamento dos procedimentos realizados pelos hospitais.
A CGU salientou como causa dos supostos danos está a falta de controle nos procedimentos de faturamento e pagamento, em especial, o Hospital do Açúcar, resultando em pagamentos a maior e a menor.
Em nota à reportagem, o Hospital do Açúcar afirmou que “dos R$ 61.328,17 cobrados pela Instituição, apenas R$ 26.852,04 foram excedentes, uma vez que o Hospital tinha deixado de efetivar no mesmo período de cobrar R$ 34.476,13, sendo realizado o encontro de contas”.
Em relação às denúncias recebidas pelo Ministério Público Estadual não houve confirmação por parte dos auditores da CGU, no entanto, outras foram as constatações da auditoria que analisou o montante de mais de R$ 50 milhões em repasses de valores públicos ao Hospital do Açúcar e ao Hospital Geral Sanatório, identificando quase o mesmo valor em irregularidades.
CGU diz que Saúde de Maceió assume empréstimos e não sabe pelo que paga
(Foto de Marco Antônio/ Secom Maceió: http://www.maceio.al.gov.br/wp-content/uploads/admin/imagem/2013/10/04MA-Maternidade-do-Hospital-do-Açúcar-206.jpg )
A primeira constatação que os técnicos da CGU registraram foi “falta de clareza e transparência nos pagamentos realizados pela Secretaria (Municipal da Saúde) aos hospitais, de forma que, embora tenha sido estabelecida uma possível composição de itens de pagamento, baseada em regras estabelecidas em normas e nos convênios firmados, estas não são seguidas, assim como o histórico do pagamento mensal varia, não correspondendo à totalidade dos itens previstos. Ou seja, a Secretaria paga um montante aos hospitais que não possibilita saber a que se refere”.
O relatório atestou que a Secretaria Municipal da Saúde de Maceió, ainda em 2013, não apresentou justificativas e nem respostas às solicitações da CGU, mas que o órgão de controle da União encontrou evidências de que a SMS não possui controle sobre as informações essenciais acerca dos repasses federais que são feitos aos Hospitais conveniados.
O relatório ainda afirmou que alguma documentação que existe sobre o assunto está acondicionada em caixas de papelão amontoadas pelos corredores da secretaria.
Empréstimos
A CGU apontou ainda a contratação de empréstimo pelos hospitais junto à Caixa Econômica Federal, cujas prestações deveriam ser pagas por meio de desconto nos repasses do Município aos hospitais relativos às suas produções, já que os mesmos valores já são automaticamente descontados pelo Ministério da Saúde no repasse feito à Secretaria Municipal de Saúde.
No entanto, “verificou-se que as prestações têm valores acima das produções dos hospitais, assim como que o Município não realiza os descontos devidamente, de forma que este tem assumido uma parcela do empréstimo dos hospitais”, constatou o relatório da CGU.
Sobre os temas e também todas as demais constatações da CGU, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que não poderia dar respostas em tempo hábil para esta reportagem por se tratar se assunto afeito à gestão passada. “Esses dados são de gestões anteriores e que não teria como responder sem ter acesso a processos antigos e documentos aos quais o Fundo Municipal não tem acesso. Uma reunião teria que ser marcada entre Fundo Municipal o Controle e Avaliação para poder ver a melhor forma de responder isso”, explicou a Secretaria Municipal da Saúde de Maceió, através de sua assessoria.
Já o Hospital Sanatório, confirmou o programa “Caixa Hospital” que é o que se relaciona aos empréstimos, mas que na verdade são antecipações. Mas, segundo o diretor Julio Bandeira, foram sempre e devidamente descontados, não reconhecendo as alegações da auditoria da CGU.
Sesau quer elucidação de prejuízos e punição para gestores
Em resposta aos questionamentos do CadaMinuto Press à Secretaria Estadual de Saúde, que atuou como interveniente nos convênios celebrados entre os hospitais e a SMS, a assessoria informou que a atual gestão tomou conhecimento acerca dos fatos apontados por meio da imprensa, e tem total interesse na elucidação dos fatos.
Disse ainda que pretende acompanhar com rigor o andamento do processo, tendo total interesse na apuração, com base nos princípios da moralidade, probidade e publicidade. Mas destacou que “por ser a Secretaria Municipal de Saúde, gestora plena da saúde no âmbito do município de Maceió, qualquer contratualização efetivada por meio da Lei Federal 8.080/1990 e demais dispositivos aplicados à espécie, é efetivada pela própria Secretaria Municipal e tendo como interveniente esta SESAU/AL”.
Por meio de sua assessoria, informou admitiu que compete à SESAU acompanhar e fiscalizar com rigor os cumprimento das metas pactuadas na contratualização, bem como o cumprimento integral do contrato. E afirmou que tem total interesse na elucidação dos possíveis prejuízos apontados pela CGU, bem como na restituição imediata dos valores aplicados indevidamente, “e os gestores responsáveis punidos como manda os ditames legais, em respeito à população alagoana, em especial a usuária do Sistema Único de Saúde”.
“Após a posse da atual gestão da Sesau, toda e qualquer transferência efetivada para os hospitais, por meio, da terceirização de leitos, só é realizada por esta SESAU, após, a avaliação rigorosa por parte da equipe de auditoria, controle e avaliação desta Secretaria, emitindo parecer técnico sobre o cumprimento das metas qualitativas e quantitativas pactuadas. Vamos acompanhar de perto a elucidação do caso, por ser te total interesse dessa Secretaria”, concluiu a Sesau, diante dos questionamentos desta reportagem.
Sanatório não entende como CGU constatou irregularidades
A reportagem falou com o diretor administrativo do Hospital Sanatório, Julio Bandeira, e este explicou que não tomou conhecimento do relatório da CGU e que em momento nenhum a instituição negou-se a apresentar a explicações necessárias. O administrador disse ainda que apenas uma vez foi identificada uma irregularidade no valor de pouco mais de R$ 7 mil, mas por mero erro de preenchimento de ficha, e que o valor foi corrigido e pago devidamente.
Segundo Julio Bandeira, o Hospital Sanatório não possui qualquer outra pendência. Afirmou também desconhecer denúncias específicas no Ministério Público do Estado ou Federal. Disse que se há algo ainda não tomou conhecimento, mas que os procedimentos e as contas da instituição são auditadas regularmente tanto por operadoras de plano de saúde, quanto pelas secretarias, de Estado e Municipal.
“A Secretaria Municipal da Saúde está aqui todos os meses, trata normalmente dos indicadores de qualidade, mas poderia averiguar quaisquer outros documentos se quisesse, como fazem as operadoras de plano de saúde”, afirmou Julio Bandeira, mencionando ainda que os indicadores de qualidade são essenciais para que a instituição continue recebendo incentivos, repasses e participando de programas voltados ao atendimento hospitalar.
O gerente geral financeiro do Hospital Sanatório, Antonio Cavalcante, demonstrou espanto quanto às cifras apontadas no relatório da CGU. “Nem o faturamento de um ano inteiro do Sanatório daria R$ 30 milhões, quiçá um pagamento a maior”. Ele disse que fez e refez seus cálculos e não consegue compreender como os técnicos da CGU encontraram os valores apontados no relatório.
Hospital do Açúcar diz que não conformidades foram esclarecidas
Em nota, o Hospital do Açúcar informa, quanto aos questionamentos referentes ao Relatório da Controladoria Geral da União (CGU), que, no dia 04 de julho de 2013, recebeu em suas instalações técnicos de finanças e controle do referido órgão para auditoria in loco, os quais emitiram um relatório preliminar com 24 constatações de não conformidades, as quais foram devidamente respondidas e esclarecidas. Em 01 de agosto de 2013, o Hospital recebeu da CGU o encaminhamento de informativo apresentando os resultados dos trabalhos realizados naquela auditoria, com base em análise de documentos comprobatórios e contatos telefônicos com pacientes, que confirmaram a realização dos procedimentos citados. O relatório ratifica ainda que em nenhum momento houvera por parte do Hospital, nem de representantes, nem de colaboradores, interesse em fraudar o erário, evidenciando que dos R$ 61.328,17 cobrados pela Instituição, apenas R$ 26.852,04 foram excedentes, uma vez que o Hospital tinha deixado de efetivar no mesmo período de cobrar R$ 34.476,13, sendo realizado o encontro de contas.
O Hospital do Açúcar informa que, como prestador de atendimento aos usuários do sistema único de saúde, sempre procurou adequar sua estrutura e seus processos internos, administrativos e assistenciais, às orientações legais decretadas pelo Ministério da Saúde e demais órgãos, de controle e fiscalização, e que em nenhum momento apresentou, nem apresentará, quaisquer dificuldades em disponibilizar os documentos que comprovem tais práticas.