A discussão sobre o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), quando se faz fora dos discursos inflamados que sempre são acompanhados da palavra “golpe”, é salutar. Há divergências de leituras que se baseiam no que está escrito no pedido. Importante que seja assim.
Leiam a defesa da presidente aqui.
Sei que – nestas discussões – há os que discordam de mim. Não sou jurista, nem advogado. Respeito todas as visões postas. Tenho desprezo pela cantinela do “é golpe!”. Mas, mesmo sem ser advogado, tenho apreço pelos códigos de leis do meu país e pela Constituição Federal. Diante disto, leio sempre o que está lá (na legislação) escrito e formulo minhas posições, sem açodamentos ou desrespeitos ao que acho muito caro: o Estado Democrático de Direito.
Quero que Dilma Rouseff tenha direito a mais ampla defesa.
Há algum tempo escrevi aqui o que penso do pedido de impeachment. Coloquei ainda o link para a íntegra deste pedido. Não tiro uma vírgula do que escrevi. Na minha visão, é um processo que se sustenta. Respeito quem pensa o contrário. Democracia é assim. Não por acaso, a presidente Dilma Rousseff (PT) teve – como deve ser! – o seu direito à defesa. O direito ao mais amplo contraditório.
Foi ele exercido por Nelson Barbosa – Ministro da Fazenda – e pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Há uma discussão sobre o papel de Cardozo. Se ele defendia a presidente ou a União no momento em que estava na comissão processante do impeachment. Não entrarei neste mérito. Não agora. Acompanhei as falas do ministro da Advocacia Geral da União. Li na íntegra a defesa da presidente. Sigo com minha visão, Dilma cometeu crimes de responsabilidade.
Em minha opinião, é verdade o que Cardozo diz quando coloca que governadores de Estado estariam descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isto pode acarretar no surgimento de pedidos de impeachment contra eles? Claro! O que vale aos Chicos, vale aos Franciscos. Por isto, a democracia permite que sejam feitas denúncias aos respectivos parlamentos. Que sejam feitas. Uma lição para os parlamentos estaduais. Para as seccionais da OAB e para a sociedade civil organizada.
Infelizmente, o que vemos no país são parlamentos subservientes e sem a menor vontade de fiscalizar os Executivos. Por vezes, a proximidade de algumas instituições (no âmbito local) as tornam menos corajosas para reflexões mais profundas. Que pensemos melhor ao escolhermos os próximos deputados. Serve para o Congresso Nacional também.
Democracia é processo. Não é produto. Por mais traumático que seja um momento histórico, ele deixa lições. Esta pode ser uma delas. Agora, não é porque 15 governadores fazem erros que a presidente está autorizada a errar também. Concordo com o que diz o advogado alagoano Adriano Soares da Costa. Ele afirma que “um jurista que diga que a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal não é hipótese de crime de responsabilidade não pode ser levado a sério”. É a minha visão. Repito: há quem pense o contrário.
Ao ler a defesa da AGU, me chama atenção duas coisas: Eduardo Cardozo é um bom argumentador. Mas não altera a realidade e entrega uma defesa frágil. Aponta para os adversários e repete – ainda que com menor veemência e com estratégias para dar maior substância a uma “posição jurídica” – a cantinela do golpe e ataca adversários.
Em minha visão, a violação governamental da Lei de Responsabilidade Fiscal é clara: 1) visível na desorganização das finanças que impôs uma maquiagem nas contas do governo em função da necessidade do momento eleitoral e com reflexos diretos na situação do país; 2) as operações de crédito; 3) os decretos que estão postos no pedido de impeachment; 4) o uso de financiamento bancário não autorizado; 4) a adulteração do superávit, dentre outras questões que mostram claramente que o governo errou. É flagrante a intenção de errar em função de uma estratégia de poder capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores e por Dilma Rousseff.
O advogado Adriano Soares diz o que penso de uma forma mais elaborada e com uma competência que eu não conseguiria: “para que se configure crime de responsabilidade não há necessidade que se perquiram outros elementos que não a violação do ordenamento jurídico e a responsabilidade política do presidente da República. O seu figurino é totalmente diferente dos ilícitos penais e das hipóteses de improbidade administrativa, embora uns e outros possam ser elementos que o caracterizem”. É o que eu penso.
Ele segue: “a maquiagem que se impôs às contas do Governo, o uso de financiamento bancário não autorizado e disfarçado, a adulteração de superávit fiscal, enfim, demonstram a existência de um governo fora da lei. E a responsabilidade política pela prática da irresponsabilidade fiscal é da presidência da República”. Vejam, são pontos que toquei anteriormente. Tanto neste texto, quanto em outros que já produzi.
A presidente não foi improba, diz Cardozo, com outras palavras. Admitamos a hipótese (o que muito utilizado no discurso do ministro), ainda assim reside o crime da responsabilidade de Dilma Rousseff para com os acontecimentos. Pois, mesmo que Dilma fosse a “alma mais honesta da nação” (atributo que já pertence a Lula (PT), não esqueçam) de forma clara ela peca para com seus deveres, que se assemelham ao de uma zelosa dona de casa, só que ao invés do orçamento familiar estamos a falar da República.
Creio ser isto que Adriano Soares também coloca quando versa sobre: “a grave inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal é crime de responsabilidade. Não se trata de honestidade ou desonestidade do presidente da República; trata-se da objetiva violação dos seus deveres presidenciais de colocar o seu governo como guardião da legalidade e legitimidade dos seus atos”.
Cito Soares porque só encontrei algo semelhante ao que penso em seus escritos. É muito próximo de tudo o que eu já afirmava em textos anteriores. Mas, como ele é um jurista, recorro a ele, para que – aqui neste texto – não tenha apenas a mera impressão deste jornalista, ainda que com bastante honestidade intelectual.
Óbvio, meu leitor pode discordar de mim. É um direito.
Quando digo o que digo, eu me apoio na lei de número 1.079/1950. Ainda associo ao artigo 85 da Constituição Federal, além dos presentes no Capítulo que versa das finanças públicas, iniciando no 163, mas também me chama atenção o artigo 167 da CF.
Em relação à lei 1.079 é preciso ler o artigo 4º. Depois a leitura ciente da estrutura do país no quesito situação fiscal e orçamento. Na minha visão, não houve o devido respeito à Lei Orçamentária na edição dos decretos que oneraram o banco público. Os empréstimos ainda foram disfarçados. É este disfarce que dá sustentação a defesa do ministro José Eduardo Cardozo.
Claro, estes elementos são uma interpretação. Em Direito, há o bom combate. No Congresso Nacional, este combate é político. Não será um dois mais dois com resultado quatro, mas uma decisão que depende do entendimento dos deputados federais e senadores. É competência deles que – por prerrogativa – poderão cassar ou não o mandato da presidente. Não há golpe. Há um processo de impeachment com rito definido – pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – em curso.
Se os deputados federais ou senadores absolverem a presidente finda a questão. Podem vir – evidentemente – outros pedidos de impeachment, como o feito pela Ordem dos Advogados (falarei disto em breve) que se apoia em outras questões. Mas entenderei, ainda assim, a decisão dos parlamentares como oriunda da democracia. Se cassarem a presidente, idem. A democracia é fraudada se um deputado ou senador vender seu voto. Vender sua consciência. Se flagrado, que responda pelo crime.
Completo o que aqui escrevo com o um excelente texto de Adriano Soares. Eis o que ele escreve aqui.
A defesa oral do min. José Eduardo Cardozo perante a Comissão Especial do Impeachment foi muito bem feita. Fez uma análise jurídica equilibrada, tendo no final adotado a tese da inexistência de dolo presidencial nas pedaladas fiscais.
Há crime de responsabilidade e há razões jurídicas para o impeachment. Tem-se feito propositadamente muita confusão sobre o tema para borrar a visão dos incautos. Para que se configure crime de responsabilidade não há necessidade que se perquiram outros elementos que não a violação do ordenamento jurídico e a responsabilidade política do presidente da República. O seu figurino é totalmente diferente dos ilícitos penais e das hipóteses de improbidade administrativa, embora uns e outros possam ser elementos que o caracterizem.
A violação governamental da Lei de Responsabilidade Fiscal, feita de forma sistemática e deliberada, é evidente crime de responsabilidade. A maquiagem que se impôs às contas do Governo, o uso de financiamento bancário não autorizado e disfarçado, a adulteração de superávit fiscal, enfim, demonstram a existência de um governo fora da lei. E a responsabilidade política pela prática da irresponsabilidade fiscal é da presidência da República.
Cardozo usou para o crime de responsabilidade a jurisprudência da improbidade administrativa. São coisas absolutamente distintas. O ato pode não ser ímprobo, pode não ser crime comum, mas pode ser crime de responsabilidade. Estamos no campo jurídico-político, símile ao que ocorre com o conceito de "quebra do decoro parlamentar".
A grave inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal é crime de responsabilidade. Não se trata de honestidade ou desonestidade do presidente da República; trata-se da objetiva violação dos seus deveres presidenciais de colocar o seu governo como guardião da legalidade e legitimidade dos seus atos.
A LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950, que define as hipóteses de crime de responsabilidade, não descreve tipos fechados, mas CONDUTAS GOVERNAMENTAIS EM TIPOS ABERTOS. Eis o que prescreve o seu art.4º:
"Art. 4º. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: I - A existência da União; II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - A segurança interna do país; V - A probidade na administração; VI - A lei orçamentária; VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89)."
A presidente Dilma Rousseff está incursa em dois incisos do art. 4º da Lei nº 1.079/1950:violação à lei orçamentária e violação ao legal emprego dos dinheiros públicos. Não se tratam de hipóteses de desonestidade ou corrupção, mas de má-gestão ou gestão temerária, aferíveis objetivamente mediante dados concretos.
O governo da presidente Dilma Vana Rousseff desorganizou a estrutura fiscal do País, esgarçando os seus fundamentos e maquiando dados oficiais. Esse é o crime de responsabilidade: foram editados decretos de créditos suplementares não numerados e sem respeito à lei orçamentária, implicando em desrespeito ao legal emprego dos dinheiros públicos e onerando indevidamente os bancos oficiais, notadamente a Caixa Econômica Federal, com empréstimos financeiros disfarçados, em operações claramente vedadas pelo ordenamento jurídico.
A cassação do presidente da República é decisão, porém, política. E compete exclusivamente ao Congresso Nacional.
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