Por meio de uma nota, a Associação do Ministério Público de Alagoas afirmou se sentir “no dever de comentar os termos da nota assinada e divulgada pela presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB/AL), Fernanda Marinela, a respeito das recentes declarações do procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá.
Antes de mais nada, digo: Fernanda Marinela cumpriu o seu dever, apesar de tantas vezes a Ordem ter sido omissa.
Jucá se posicionou - recentemente - sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que abre caminho, antes mesmo de todos os recursos, à execução de sentença penal condenatória que seja proferida pelo Poder Judiciário já na 2ª instância. As declarações de Jucá não foram bem recebidas pelos advogados de Alagoas. Tanto que isto motivou a nota da Ordem.
Eis a declaração do procurador-geral de Justiça: “Eu entendo essa indagação da OAB até porque ela está agindo de forma corporativa e defendendo o interesse de seus membros, e claro os honorários volumosos que são ganhos com os recursos”.
Com todo o respeito que tenho ao atuante procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, a declaração é de fato ofensiva e desproporcional ao debate que deve ser feito à luz da Constituição e das leis. A pergunta é: o STF poderia ter feito isto? Afronta ao texto constitucional? É uma discussão sobre legalidade da ação. Jucá tem todo o direito de defender a decisão do STF, mas precisa fazê-la com argumentos e não pautado por um sentimento que é o de todos os envolvidos: acabar com a impunidade.
Isto espanta, pelo fato de que Sérgio Jucá não é um procurador-geral de Justiça que mereça críticas por suas ações. Muito pelo contrário, tem se posicionado - por diversas vezes - de forma correta, como ocorreu em relação aos desmandos do Legislativo.
No entanto, com sua declaração acaba atacando os advogados que criticam a decisão com base no que está escrito no artigo 5º da Constituição. Além disto, que a OAB é uma entidade de classe não é segredo. Muito menos que ela existe para defender os interesses da advocacia no que diz respeito às prerrogativas do advogado e às garantias constitucionais de seus clientes.
A OAB tem sido omissa - nacionalmente e localmente - justamente porque abriu mão de defender o texto constitucional em vários momentos. Abriu mão de defender prerrogativas em muitos momentos. Neste, até para minha surpresa, a presidente Fernanda Marinela acerta ao seu posicionar.
Duvidam? Veja o texto constitucional que consta no artigo citado: “LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Não está escrito que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal em segunda instância”.
Eu concordo com Jucá na crítica que ele faz ao sistema. Infelizmente, uma série de recursos permitidos pela Justiça, a morosidade do Poder Judiciário, e outros fatores, descambam para a impunidade. Logo, no mérito concordo com Sérgio Jucá. São necessários meios mais céleres de colocar bandidos na cadeia. É o lugar deles! Discordo da forma como ele argumenta isto.
Precisamos - portanto - de uma Justiça que seja célere. Todavia, entendo que o alcance disto deve ser objeto de mudança por meio do Legislativo. É lá que se muda a Constituição. Não pode ser dado ao STF o poder que vá além ao de ser guardião da Constituição, pois corremos o risco de termos a Carta Magna sendo rasgadas ao sabor de achismos, emotividades, ativismos e populismos.
É perigoso. Sei que o que digo não muda nada. Mas vale a reflexão no exercício do direito de espernear. É o que resta quando o STF bate o martelo. É quem acerta ou erra por último.
Vejamos isto no que ocorreu ainda no STF, quando este autorizou que o sigilo bancário do cidadão fosse violado por mera decisão administrativa da Receita Federal. Diante disto, interpretemos novamente o artigo 5º: “XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Por esta razão, que acho criticáveis as últimas decisões do Supremo. Como cidadão, é um direito meu. E isto não significa - ao contrário o que afirma Sérgio Jucá - que eu esteja agindo por interesse corporativistas, até porque nem advogado sou. Sou um cidadão com medo de que, em nome de uma decisão de mérito que nos agrade por tornar supostamente a Justiça mais célere, tenhamos brechas para que mais tarde garantias e liberdades individuais sejam cassadas, mesmo elas estando protegidas na Constituição.
A Constituição pode ser mudada? Claro que sim. Mas pelo Congresso Nacional. E assim deve ser feito porque democracia é um processo contínuo e não um produto. Como processo, podemos detectar falhas nas leis, seja pelo excesso de regulação ou pela falta. Na maioria das vezes se dá pelo excesso. Por isto que em alguns momentos a própria Constituição se torna uma “carta a Papai Noel”
Alguém pode argumentar: “mas o Congresso não presta?”. Bem, então que aproveitemos o processo eleitoral para mudarmos o Congresso. As eleições é um chamamento a isto.
Reitero: concordo com Jucá quando ele reflete que precisamos encontrar caminhos de diminuir a sensação de impunidade e acabar com o estímulo à prática de crimes. Muito deste estímulo está na morosidade do Judiciário. Que corrijamos isto, mas pelos mecanismos corretos.
Concordo com Jucá, é possível garantir a condenação de crimes hediondos de forma mais rápida, mas da maneira correta. Não é o STF o caminho para legislar. É um caminho - inclusive - anti-democrático.
Jucá está certo, o Ministério Público deve defender o interesse da sociedade. Por isto, também está sujeito à Constituição. A OAB também tem que ter esta missão. Inclusive, enquanto entidade de classe, ela se faz presente na Constituição. Então, que ela seja menos omissa e se posicione mais quanto aos temas que são urgentes em nosso país.
Desta vez, a OAB se posiciona por dever. Mas quantas vezes não abriu mão deste dever em função das conveniências políticas. Vide sua omissão no caso do projeto vigarista da reforma política que apoiou, revoltando inclusive boa parte dos seus advogados. Digo isto para mostrar que toda instituição é criticável. Faço isto com pleno respeito a elas.
Outra declaração de Jucá que analiso é esta aqui: “hoje os advogados não trabalham para inocentar seus clientes e sim para a prescrição da ação penal em face do longo decurso do tempo, tudo isso motivado pelos recursos. Era preciso acabar com isso”.
Aqui chamo atenção para duas coisas. 1) há - em certa parte - razão no que o procurador-geral afirma. Apenas ele generaliza. O que é um mal. Mas é fato que a morosidade faz com que alguns advogados apostem na protelação - por meio de recursos - para assegurar não punição do réu. Todavia, é a morosidade do Judiciário que possibilita esta estratégia ao advogado que a adota. Logo, briguemos por um Judiciário célere. 2) discordo da generalização de Jucá. Conheço muitos advogados sérios que não merecem ser enquadrados em uma frase assim.
AMPAL
Quando a AMPAL avalia a questão, diz que o procurador “manifestou-se, em empresta à imprensa, na condição de membro do Ministério Público e cidadão comum, preocupado, como todo brasileiro, com a tolerância processual que compromete a dignidade da Justiça no Brasil, em razão do longo caudal de recursos criminais postos à disposição dos condenados. Esse cenário é o pano de fundo ideal para manipulações e subterfúgios, à sombra dos quais os processos se arrastam em direção à prescrição dos crimes e a mais ignominiosa impunidade”.
A AMPAL deveria trocar a expressão “tolerância processual” por “morosidade no trâmite do processo”, pois é isto que preocupa a sociedade e que tem gerado a revolta e a sensação de impunidade. Precisamos fazer com os processos não se arrastem. A saída é - repito - um Judiciário célere, menos encastelado e mais transparente. Seria interessante que em sua nota a AMPAL aproveitasse para cobrar isto. Há tempo.
A AMPAL diz ainda que “enganam-se os que pensam que o Chefe do Ministério Público teve a intenção de agredir a honrada classe dos advogados, que todos sabemos imprescindíveis à correta aplicação da lei”.
Bem, eu acredito que Sérgio Jucá - pelo homem educado que é, pela abnegação que demonstra ter no cumprimento de seu dever - não deve mesmo ter querido agredir aos advogados. Porém, agrediu. E é difícil julgar intenções em um texto escrito. O que se julga é o que se encontra escrito. O ataque da declaração do procurador-geral de Justiça foi, portanto, desproporcional ao debate.
Um debate que é travado com um mérito do qual todos concordam, eu aposto: é preciso que os processos tramitem de forma mais célere para que se garanta Justiça. A questão é como fazer isto. O STF não me parece ter escolhido a maneira adequada em função do que é posto pelo texto constitucional.
O que Sérgio Jucá sente e quer é o que sente e quer a maioria dos brasileiros: bandidos na cadeia! O quanto antes. Pagando por seus crimes! O quanto antes! Eu concordo com Jucá em relação a isto. Creio que pouca gente discorde. Mas numa democracia há trâmites para fazer valer o querer.
Por fim, diz a nota da AMPAL: “seu propósito consistiu em trazer a público a opinião de um profissional que, há trinta e nove anos, se dedica ao combate à violência e à defesa da sociedade, na qualidade de promotor e procurador de Justiça, fato que nenhuma publicação ou instituição tem autoridade moral para negar”.
Nem deve negar. Não há nada que desabone a conduta profissional do procurador-geral da Justiça, Sérgio Jucá. Sempre se mostrou atuante em seu dever. Sua opinião deve ser respeitada. Mas - óbvio - também pode ser confrontada com argumentos, que é o que aqui faço. Creio também que é o que foi feito por muito dos advogados ao terem lido suas declarações.
Por tanto, é com muito respeito a Jucá que aqui neste espaço discordo dele, ao mesmo tempo que entendo o posicionamento da AMPAL e comungo com este quando afirma o compromisso do procurador-geral no combate à violência e na defesa da sociedade. Mas não caberia ao próprio procurador-geral as retificações em relação às intenções de suas declarações?
Não há dúvida que foram estes pilares - que representam o BEM - que motivou Jucá. Mas isto não impede que alguns achem que ele esteja errado na forma de pensar e não no mérito de suas motivações. Assim como Sérgio Jucá, também quero criminosos e corruptos presos o quanto antes. Pelo bem do Brasil. Só não quero colocar a Constituição em risco.
A nota da AMPAL é assinada pelo presidente Eduardo Tavares Mendes, pela vice-presidente Adilza Inácio de Freitas, pelo secretário-geral Manoel Carvalho de Lima, pelo Diretor-Financeiro Delfino Costa Neto, pela Diretora de Comunicação e Relações Públicas Maria Marluce Caldas Bezerra, pela Diretoria Cultural
Sandra Malta Prata Lima, pelo Diretor Social Maurício Amaral Wanderley e pelo Diretor de Aposentados Crisólogo Cerqueira de Souza.
Segue a nota na íntegra
NOTA OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚLICO DE ALAGOAS
A Associação do Ministério Público de Alagoas (Ampal) se sente no dever de comentar os termos da nota assinada e divulgada pela presidente local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL) a respeito de declarações do Senhor Procurador-Geral de Justiça de Alagoas sobre recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que abre caminho, antes mesmo do exaurimento da cadeia recursal, à execução de sentença penal condenatória proferida por órgão jurisdicional de segunda instância.
O Procurador Sérgio Jucá manifestou-se, em entrevista à imprensa, na condição de membro do Ministério Público e cidadão comum, preocupado, como todo brasileiro, com a tolerância processual que compromete a dignidade da Justiça no Brasil, em razão do longo caudal de recursos criminais postos à disposição dos condenados. Esse cenário é o pano de fundo ideal para manipulações e subterfúgios, à sombra dos quais os processos se arrastam em direção à prescrição dos crimes e a mais ignominiosa impunidade.
Enganam-se os que pensam que o Chefe do Ministério Público teve a intenção de agredir a honrada classe dos advogados, que todos sabemos imprescindíveis à correta aplicação da lei. Seu propósito consistiu em trazer a público a opinião de um profissional que, há trinta e nove anos, se dedica ao combate à violência e à defesa da sociedade, na qualidade de promotor e procurador de Justiça, fato que nenhuma publicação ou instituição tem autoridade moral para negar.
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