Na edição do CadaMinuto Press desta semana, nossa equipe de reportagem conversou com o cantor, compositor e escritor Lobão. O autor de Vida Bandida - dentre outros clássicos do rock nacional - tem sido alvo de uma intensa patrulha em função das críticas que faz à esquerda brasileira, em especial ao Partido dos Trabalhadores. Além disto, Lobão é polêmico desde sempre e não só quando o assunto é política. 

Durante a entrevista, Lobão desce o sarrafo nos anos 80. “Era tudo uma porcaria, tirando algumas poucas coisas”, frisa. Quando o assunto é política, Lobão diz que a esquerda tem levado o país para um processo de imbecilização e “colapso civilizacional”. 

Todavia, o compositor fala para além deste universo, ao detalhar o processo da composição de seu disco, quando tocou todos os instrumentos dentro de uma produção que é fruto da solidão extrema e do enclausuramento. Lobão fala também sobre o recente livro Em Busca do Rigor e Da Misericórdia (o mesmo nome do CD), uma obra extremamente intimista em que detalha as composições das faixas de seu novo álbum. Confira.

Você está lançando o seu terceiro livro. Tem uma questão interessante quando se olha essas obras: a primeira é uma biografia, com uma narrativa jornalística-literária, o segundo vem com reflexões capítulo a capítulo, mas esta obra agora  - Em Buscado do Rigor e da Misericórdia - tem uma maturidade lírica surpreendente. Uma viagem intimista, em que dá para perceber que você mesmo se encontra com você mesmo em alguns momentos. É um livro corajoso por ser tão íntimo em um momento onde você já vem sofrendo fortes críticas por se expor tanto. Como você chegou a ideia desta obra nova?

Eu agradeço as palavras. Muito obrigado. Este livro saiu por acidente. Este livro veio que meio a contragosto porque eu estava no meio de um processo de gravação. Eu assinei um contrato com a Record, em que o querido Carlos Andreazza comprou os direitos sobre a biografia. Ele me pediu que eu fizesse uma anexação, outros apêndices, para que pudesse ser lançado o livro em uma segunda edição. Eu não queria, falei que não. Eu estava obcecado em terminar o disco.Mas, depois de muita insistência dele, eu me convenci que tinha que fazer. Era para ser escrito em uma semana. Eu sentei e escrevi um prólogo. Logo me veio a mente, uma coisa que veio logo em seguida, que foi o sentimento do impacto que eu tive ao escrever os 50 anos a Mil. Eu comecei a escrever Em Busca do Rigor e da Misericórdia. Foi justamente a canção que eu fiz para o meu pai e se tornou o primeiro capítulo. Quando eu cheguei no terceiro capítulo, eu percebi que eu iria contar a história do novo disco que já estava com repertório fechado. Eu acabei regravando o disco tudo. No terceiro capítulo, eu mandei o email para o Andreazza e disse: “olha, eu acho que eu tenho um livro novo aqui”. Eram os capítulos falando das canções, mais algum ou outro capítulo de outros assuntos. Foi parte da gênese criativa do universo que eu estou vivendo.

Este universo - é de se imaginar - é o que envolve todo este embate que você vem tendo com a opinião pública por conta das ideias que você vem expondo e a briga com a mentalidade de esquerda…

Sim. É esta briga - de certa forma - com parte da opinião pública. Este discurso de ódio que quem observa as redes sociais vê bem, que são as mensagens que recebo. Minha atitude em relação a isto é ser bem aquilo que você pergunta e percebeu. Uma atitude de ser meditativo e transformar  culturalmente todo este achaque em uma crônica. Eu sou o único artista capacitado por todas as circunstâncias a deixar uma obra que vá remeter a todo este momento. E isto é mais que óbvio. Eu tratei de ser muito parcimonioso neste livro nos meus pendores políticos para não contaminar o valor artístico do trabalho. Aí, durante o trabalho eu fui percebendo a necessidade de proporção - proporção como razão e estrutura estética - de procurar uma coisa muito mais profunda do que simplesmente reagir a todo este achaque externo. O resultado do final do livro e do disco - diante disto - é que temos um trabalho muito bonito. Isto é algo que me deixa muito emocionado, pois é um grande teste. Um eletroencefalograma da minha alma sob pressão muito forte. Eu consegui acurar uma liberdade interior que a mim mesmo me surpreendeu de maneira muito positivo. Então, eu estou sentido que eu mesmo me dei dois presentes: um disco e um livro num ano de muita pressão, inclusive financeira, porque a gente perdeu 80% dos shows que foram cancelados. No meio disto tudo, eu consegui manter minha calma, a tranquilidade e fazer estas obras. É uma aventura épica. O fato de escrever e tocar todos os instrumentos. Estava enclausurado, em uma profunda solidão, e ao mesmo tempo me divertindo muito mesmo. Pra mim, é uma revelação.

Há uma coisa interessante nesta tua fala sobre a produção do disco e do livro que cria meio que um paradoxo com o momento em que estamos vivendo. A gente vive um momento de coletivismo - todo mundo pensando em bando - e você grava todos os instrumentos, se enclausura e parte para esta sinceridade visceral consigo mesmo. Como é jogar um trabalho deste neste momento? Até porque muita gente vai olhar para o disco e para o livro e mandar vê: “não li, não ouvi, mas não gostei”. Como tem sido lidar com isto?

Na verdade, eu confesso que não depositei expectativas externas. Se o disco vai ser bem acolhido, ou se vou ter qualquer tipo de reconhecimento. Se eu colocasse isto como prioridade, eu não conseguiria sair do lugar. Eu digo de antemão que não ia acontecer nada com ele. O disco e o livro foram feitos para mim. Para medir o meu esforço, a minha capacidade. Ao mesmo tempo, na medida em que tudo isto enquanto processo é um salto no escuro, eu torcia para que eu quiçá pudesse me alimentar da minha própria criação. Uma alimentação emocional, eu pudesse ter a constatação de ser um artista que hoje é melhor do que o que eu era, um indivíduo íntegro. Isto tudo ficou muito a flor da pele no processo todo. Eu me vi um homem feliz. Eu sou um homem feliz. Eu fui bem-aventurado, foi uma bem-aventurança. O texto do livro veio fluído, inspirado, cheio de revelações epifânicas de eternidades, sobre luz, sobre vários temas que eu considerava inatingíveis em discos anteriores a isto. Este disco inaugura uma outra fase. De uma outra pessoa, que não pensa de maneira completamente diferente, mas que pensa de maneira mais elevada, muito mais profunda. Muito mais corajosa. Eu tive coragem de abordar assuntos que eu achava que poderiam ficar cafonas como eternidade, transcendência do universo. Há um eixo conceitual de abordagem de temas e musicalmente eu assumi - em outro eixo - as minhas reais influências de formação que durou uma vida inteira, que é a dos anos 70. E eu me acovardava com a rejeição destas influências desde que o punk surgiu, como me assumir fã de rock progressivo, por exemplo. Até hoje é um tabu. E isto aparece instrumentalmente. Minha condição maior foi executar no disco todo os instrumentos e fazer daquele indivíduo só uma banda, ou pior: um super-grupo. Tem um cara lá tocando bateria para caramba, tocando baixo para caramba, porque eu tive a preocupação de tudo ser muito bem tocado. Isto me deu um feedback enorme.

Como você enxerga esta obra pronta, já acabada, e que não soa datado, pois se torna maior que o momento. É um disco conceitual onde o próprio rock que é produzido no país nem liga muito mais para isto, pois basta olhar o que anda sendo produzido. Um rock governista e descerebrado ou cover de si mesmo. Como você isto?

Primeiro, eu acho que este disco novo não cabe no rock. Ele é maior que isto. Ele tem muita influência de viola caipira. Há composições em violas caipiras. São instrumentos essencialmente brasileiros que estão neles. Está inserido neste contexto e promove o conceito do disco muito além. Eu poderia perfeitamente admitir que é um disco de Música Popular Brasileira, mas não é o que a MPB vem produzindo. 

E como você enxerga hoje a tua geração? Você foi da geração dos anos 80 que - de certa forma - buscava ser contestadora, heróica, buscava fazer a diferença, enfim…uma geração que foi importante…

Eu sempre fui crítico aos anos 80. Tirando o Barroso, o Cazuza, o Renato (Russo), era uma porcaria. Eu não me considero anos 80. Na geração do rock progressivo, nós tivemos grandes músicos, com os Mutantes, o Terço, ali sim tínhamos músicos excepcionais. Canções excepcionais. Os anos 80 foi um sucesso mercadológico, mas um retrocesso musical muito grande. Qual o instrumentista dos anos 80 que você diga: “este cara toca pra caramba!”? Não tem. As pessoas tocavam mal pra caramba e imitavam mal pra caramba. Um imitava o The Police e o U2, com imitação pura e simples do mais baixo gabarito. Tinha algumas coisas interessantes. Por exemplo, o Renato (Russo) escrevia canções belas. O Cazuza também. Eu mesmo falava para o Cazuza quando compunha com ele: “Cazuza, você jamais vai ter o topete de mostrar a sua versão para mim”. Eu não confio sequer numa versão de uma música tocada pelo Barão Vermelho. De uma música minha com ele (o Cazuza). Eu só ouvi Vida Bandida porque transcendeu a música. Ele cantou de uma maneira que me emocionou muito. Agora, as outras que fiz com ele eu não ouvi até hoje. Eu acho os anos 80 o cocô do cavalo do bandido. Eu sempre achei. Fico quase que ofendido de alguém achar que aquilo ali vale alguma coisa.

Mas, mesmo com estas críticas, foi uma geração que teve o espírito de contestação nas letras. Nas atitudes. Hoje, o que se tem é a figura do roqueiro chapa-branca, do pau mandado…

A expressão “rock pau mandado” que você fala, eu digo outra coisa: qual o estilo musical hoje que não é chapa-branca? Se isto fosse um mal apenas do rock era ótimo. Mas estamos em um processo de imbecilização, um colapso civilizacional, cara. O Brasil está em colapso civilizacional. Ninguém é outra coisa. O PT é um partido stalinista que odeia rock. Então se há uma coisa mais idiossincrásica que você pode encontrar é um roqueiro defendendo e dependendo de governo. É de uma burrice suntuosa. Um cafajeste todo tatuado, fazendo rock e puxando o saco do PT. É de uma imbecilidade. É lamentável vê artistas fazendo parte dessa máquina de assassinato de reputações. É muito covarde. A gente sabe que isto não é de hoje. Nos anos 70, o Simonal sofreu isto. Enfim, muita gente já sofreu isto. Muitas pessoas foram detonadas por não terem endossada a luta armada de esquerda. Eu estava lendo um livro do Martin Vasquez da Cunha - que é A Poeira da Glória - em que ele cita que o próprio Nelson (Rodriques) também teve os episódios com estes clichês usados para assassinar reputações, como “defensor da ditadura”, “fascista”, enfim. Esta nuança de totalitarismo cultural já existia de forma bastante visível e sensível nos anos 70. Estamos em uma ditadura cultural com as mesmas múmias insepultas, que são os mesmos personagens, como Antônio Cândido, Chico Buarque…na política, é a Dilma, o Zé Genoíno, o Dirceu, tem ainda a Marilena Chauí. Todos múmias insepultas. Agora, o Luiz Felipe Pondé fala algo que é sensacional: o PT caindo acaba com tudo isto. São personagens postiços. A MPB nunca mais decolou em função do processo de vampirização dos seus caciques. O cara nasce e morre com medo. Se acha incapaz de atingir um patamar de um Chico Buarque. Colocam os caras num patamar inatingível. E aí, eles ficam inatingíveis. Basta ver a quantidade de cantoras que a gente produz, por metro quadrado, emulando o cabelo da Maria Bethânia. É ridículo. Todas com cabelinho caindo, florzinha na cabeça…nossa! É sempre o mesmo padrão chinfrim de emulação para ser MPB. Uma sigla que é postiça, que é ideológica. Isto não vai dar em lugar nenhum. 

Você acredita que com o PT fora do poder se abre espaço para uma nova mentalidade política no país, com mais conteúdo e menos rótulo? Ou é algo bem mais profundo que isto para que se tenha uma real mudança porque a esquerda ainda é muito forte para além deste processo que envolve hoje o PT?

Isto é uma incógnita. Há escritores surgindo hoje como Bene Barbosa, Martin Vasquez Cunha, Bruno Garschagen, Flávio Morgestern, enfim…há um pessoal de gabarito intelectual poderoso, com teorias pertinentes e pessoais, fecundas, críticas. Então, acredito que este tipo de pensamento que vem sendo produzido tem tomado espaço muito maior do que os intelectuais de esquerda que estão surgindo aí. Há um pensamento de relevância surgindo. Isto acontece também entre artistas. Por isto que talvez o meu disco tenha - neste momento - a importância dentro do universo da música que os livros que estes escritores que citei vem tendo na literatura. Há um grupo aí formando cultura nova no país. Era isto que a gente sempre pensava fazer. A gente conversava isto muito com o Olavo (de Carvalho) de formar uma nova geração com outro pensamento. Agora, não sei se terá um papel imediato de atuação na política brasileira. Vamos ver. 

Fora do do PT, como você vê hoje o papel de figuras que são tidas como caciques políticos desde sempre no país, como é o caso do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB), e do ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello (PTB), que são dois nomes daqui de Alagoas, por exemplo?

Rapaz, você veja uma coisa: se a gente for focalizar os caciques de cada estado é difícil encontrar referências positivas. Eu tenho pra mim que é mais fácil tirar um ou outro neste universo de salafrários. Quando você tira um ou outro, o resto é a mesma coisa. A gente pinça um ou outro. Talvez somem 10 políticos que ainda valem a pena e que não sejam salafrários. Agora, existem os super-salafrários, né? Claro que se tratando de Renan Calheiros nós estaremos falando de um mega-salafrário, assim como é o caso do Fernando Collor. São emblemáticos. Eles já estão na “salafrariedade” há 30 anos. São profissionais do ramo. São atores que já atuam em vários escândalos há muitos anos. Mas, Alagoas fique tranquila porque isto não significa que o Estado tenha a exclusividade de políticos expert em canalhice. Muito pelo contrário. 

Você tem sido muito atuante no campo político. Destacou-se nos movimentos de rua. Pensa em ser candidato?

Não. Eu sou um cara que sou duro com as pessoas. Se sou duro com as pessoas é porque sou muito duro comigo mesmo. Então, eu me cobro muito uma excelência para fazer as minhas coisas. Eu estou no meu ofício. Para mim, um político tem fazer carreira, com estudo em universidades, dependendo do cargo, saber Direito, saber Administração, Direito em várias áreas, falar várias línguas. É inadmissível vê político dependendo de interprete para falar com o mundo. Há um conjunto de matérias que vejo como necessárias para se tornar um político. Então, eu seria aventureiro, leviano, irresponsável, caso isto viesse a me seduzir. Caso viesse me seduzir, porque é algo que nem passa pela minha cabeça. Causa-me até calafrios. Eu odeio política. O fato é este. Não tem a menor chance. Eu só falo as coisas e me envolvo porque eu fico muito puto enquanto artista. Porque a gente lida com ideias, sentimentos, percepção. O artista sempre marca sua posição e não é de hoje. 

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