Sefaz orienta, e Seagri turbina receitas de municípios com palma forrageira

06/02/2016 08:51 - Geral
Por Davi Soares - Editor-geral do CadaMinuto Press
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Imagine se, de repente, Alagoas tivesse um novo produto cujo valor movimentado no mercado agrícola fosse bem próximo daquele alcançado pelo cultivo de cana-de-açúcar no estado. De acordo com dados da Secretaria de Agricultura de Alagoas (Seagri), validados pela Secretaria da Fazenda (Sefaz), este produto com valor de mercado desconhecido por muitos, até por produtores, é a palma forrageira – uma espécie de cacto utilizado historicamente para consumo nas próprias fazendas produtoras, para alimentar e evitar a morte do gado em períodos de seca no Sertão e Agreste de Alagoas.

A transformação de Alagoas numa suposta potência do comércio de palma é um dos principais itens de questionamento da Prefeitura de Maceió, que contesta o peso real desta “novidade” no cálculo do Índice de Participação dos Municípios (IPM), responsável pelos parâmetros de distribuição de repasses do ICMS entre os municípios alagoanos. O ponto central do estranhamento é que o montante de produção de palma forrageira declarado à Sefaz pela Seagri atingiu a impressionante cifra de R$ 792,4 milhões em estimativa de comercialização no ano de 2014, não tributada.

Toda essa movimentação se concentra em 29 municípios do Sertão e Agreste de Alagoas, beneficiados pela iniciativa dar valor comercial ao cultivo consumido quase totalmente pelas próprias fazendas produtoras de palma e de gado.

Veja os dados incluídos indevidamente no cálculo do ICMS:

 

Para se ter a dimensão do valor dessa estimativa, a produção de palma representou quase dois terços da movimentação de R$ 1,3 bilhão de cana-de-açúcar registrada pelo fisco alagoano, por meio da Declaração de Atividades do Contribuinte (DAC), no mesmo ano de 2014. A identificação da suposta revolução na economia por meio do cultivo da palma somente foi identificada graças à transparência dos dados que influenciam na distribuição dos repasses do Estado para o município, viabilizada pelo secretário da Fazenda George Santoro, por força de decisão judicial que era descumprida desde a última semana do governo anterior de Teotonio Vilela Filho (PSDB), após petição da Prefeitura de Maceió pela inédita abertura do detalhamento dessas informações.

A Secretaria de Finanças de Maceió também contestou administrativamente a existência do registro em duplicidade de R$ 1,1 bilhão de valores de movimentação de cana-de-açúcar em 2014, dentro de um montante que estaria elevando a realidade deste setor da economia para um montante R$ 1,9 bilhão em cana comercializada. Com base nestas e em outras falhas apontadas, a pasta das Finanças da capital estima que seguirá perdendo R$ 1,2 milhão dos repasses mensais, caso essas informações não sejam corrigidas e continuem influenciando o IPM.

Os municípios que mais registraram “comercialização” de palma forrageira foram Major Izidoro, com estimativa de R$ 59,9 milhões em vendas, e São José da tapera, com R$ 55,4 milhões movimentados. Os dados sobre a palma, juntamente com outras novidades, contribuíram para fazer saltar o percentual do IPM, como no caso de São José da Tapera, que registrava IPM de 0,3319% para 2015, e terá 0,5198% para 2016. Este fenômeno atingiu diretamente as finanças da capital, com a redução deste percentual de repasse de 29,5% em 2015, para 27,3% em 2016.

Seagri corrige dados, mas secretário diz que vende palma e “assinou sem ler”

 

Em 12 de janeiro deste ano, o titular da Secretaria de Agricultura de Alagoas (Seagri), Álvaro Vasconcelos, encaminhou o Ofício nº 26/2016/Seagri/Gab ao secretário da Fazenda, George Santoro, informando que as informações relacionadas à cultura de palma forrageira nos municípios eram relativas à produção nas propriedades rurais para consumo próprio, não caracterizando comercialização. “As informações enviadas inicialmente não caracteriza [sic] circulação de mercadorias, ou seja, não produz valor adicionado”, diz o trecho final do documento assinado por Vasconcelos.

Tal informação fez a Prefeitura de Maceió alcançar um dos objetivos principais para evitar perdas de receitas. Porém, quando procurado pela reportagem para comentar a medida, Álvaro Vasconcelos teve uma reação contraditória, informando que o valor da tarefa de palma chega até R$ 5 mil no mercado. E depois de falar que a realidade correta sobre esses dados seria um primeiro relato oficial que teria encaminhado à Sefaz, antecipou que prepara um projeto para ter uma precisão maior nessas informações sobre comercialização, que teriam sido coletados junto ao IBGE e à Conab.

“A realidade é a primeira. A segunda foi um equívoco de um técnico que fez um levantamento, lá, e pediu para eu assinar. Na hora, não prestei atenção. Mas realidade é a primeira, que não lembro ‘de cabeça’, mas é bem mais. Não vou chutar para você. Foi pego [sic] outros dados aí com associações de classe. Esses segundos dados não têm muito fundamento. Até eu vi que tinha feito uma bobagem, porque, na hora assinei. Depois pedi para cancelar logo, porque tinha passado para a Secretaria da Fazenda, só”, disse Vasconcelos, antes de revelar detalhes sobre o comércio: “Uma tarefa de palma chega no mercado até R$ 5 mil”.

Depois de ser informado sobre o teor do ofício em que ele mesmo escreveu que a produção era apenas para consumo interno, o secretário assegurou que ele mesmo vendeu palma e que o comércio foi dinamizado devido à seca.

“É esse mesmo [o ofício]. É para a comercialização de Palma. Com essa seca, Alagoas comercializou palma para Pernambuco... Mas comercializou palma também, porque o produtor antigamente só comercializava para ele, não plantava para comercializar. Mas tinha muita gente que não tinha mais rebanho, e tinha palma. Então comercializou para aqueles que ainda estavam com rebanho e precisando de comida para seca. Eu mesmo vendi palma. Sou vendedor de palma, hoje. Estou me especializando nisso. Houve, realmente, uma comercialização de palma em Alagoas. Mas não podemos nominar quanto foi para fora e quanto foi para Alagoas. Por isso estamos querendo facilitar uma maneira de o produtor ter como emitir uma nota e vai ser importante para ele garantir um crédito no banco. Vamos passar a ter dados mais confiáveis”, revelou Vasconcelos, sugerindo que a reportagem procurasse seu adjunto, Álvaro Otávio Machado.

“Foi uma sugestão da Sefaz para incentivar municípios”, diz adjunto

Por indicação do titular da Seagri, o CadaMinuto Press conversou com o secretário adjunto de Políticas Agropecuárias e Agronegócio da Seagri, Álvaro Otávio Machado, que revelou que tal medida, de mensuração da comercialização de palma forrageira, foi sugerida pela Sefaz, como forma de garantir mais recursos para estruturar municípios e fortalecer a Bacia Leiteira de Alagoas. Porém, como o comércio de palma é insignificante, a Seagri reconheceu oficialmente que não se poderia considerar a palma forrageira no cálculo do ICMS, porque a produção é utilizada para consumo interno.

Segundo Álvaro Machado, desde o início do envio de dados para a Sefaz, está sendo colocado que não foi movimentado o comércio de palma forrageira. As informações seriam uma estimativa de valor agregado ao produto, medido com base nos dados da vacinação do gado contra a aftosa e da estimativa de consumo da palma por animal, plantio por área e região.

“Essas informações foram sugestão do pessoal da Secretaria da Fazenda, tendo em vista que existe uma área cultivada em uma região que é extremamente carente de alimentação para a base da economia do semiárido, na Bacia Leiteira. Inclusive, é uma cultura que foi muito usada nesses quatro a cinco anos de estiagem no Nordeste, com a utilização muito grande nos três últimos anos. Pernambuco e Sergipe compraram uma grande quantidade de palma para seus animais e, inclusive, houve uma migração muito grande de animais de Pernambuco para a Bacia Leiteira, em virtude da existência da palma. Porque os animais estavam morrendo. Então, essa sugestão foi colocada como uma maneira de incentivar os municípios a implementar uma política de uma forragem, de ter a palma forrageira, para que estejam devidamente equipados para que não haja mais essa escassez”, revelou o adjunto da Seagri.

Machado reconhece que a política de incentivo aos produtores é importante e avalia que a estruturação desses dados será um avanço na agropecuária de Alagoas. Mas sinaliza que considera a baixa confiabilidade desses dados sobre a palma em Alagoas.

“Houve um valor investido também [na cultura de palma]. E quando você alimenta o leite... O leite é um produto agregado também. É até como uma política de incentivo. Eu entendo assim. Fica difícil a gente levantar dados [da produção de palma], porque não houve um complemento de governos anteriores. O secretário Álvaro Vasconcelos é quem está tentado estruturar isso, para que haja precisão mais próxima da realidade em todas as atividades relacionadas à agropecuária no Estado de Alagoas”, disse Álvaro Machado.

Apesar do relato, o adjunto da Seagri não arriscou especificar um valor médio da palma no “mercado” de Alagoas.

Sefaz nega ter sugerido inclusão de dados de comércio de palma

 

Em resposta aos questionamentos enviados pela reportagem à sua assessoria da Sefaz, o secretário da Fazenda, George Santoro, encaminhou informações em que destacou a abertura dos dados de formação dos índices de repasses de ICMS para os municípios. O titular da Fazenda negou ter sugerido que a Seagri mensurasse a comercialização da palma. E revelou detalhes sobre a formação do IPM. Mas indicou não ter certeza sobre uma eventual republicação de índices corrigidos. O motivo é que esta medida depende da análise da Procuradoria Geral do Estado (PGE) sobre a suposta perda de prazo para questionar os dados, por parte da Prefeitura de Maceió.

Sobre tal perda de prazo, a Secretaria de Finanças de Maceió informou que, quando se publicou os índices definitivos é que apareceram as inconsistências que estão sendo questionadas. Na prévia, não havia tais diferenças, por isso, na publicação preliminar, em 23 de outubro de 2015, Maceió ficaria com 29,03% do bolo da arrecadação do ICMS. Enquanto que, em 11 de janeiro deste ano, o índice caiu para 27,3%, com a publicação definitiva.

Tais procedimentos de debate sobre a distribuição dos recursos do ICMS deveriam ter sido publicados entre abril e maio. E já há um compromisso da Sefaz de iniciar este debate sobre os índices de 2017, já neste mês de fevereiro, e defini-los em abril.

Veja o que diz Santoro sobre os questionamentos do CadaMinuto Press:

Quando será feita a republicação dos índices, com as correções de falhas apontadas pelo Município de Maceió na formação de tais indicadores?

A apuração do Índice de Participação dos Municípios – IPM, que está sendo utilizado agora em 2016, foi realizada desde o início do ano de 2015, de forma absolutamente transparente, inclusive implementando um conjunto de procedimentos que permitiu a abertura absoluta de todos os dados para todas as prefeituras.

O IPM Preliminar, publicado pela Portaria GSEF nº 824 em 23 de outubro de 2015, foi amplamente discutido em visita a Associação dos Municípios Alagoanos – AMA – onde foram divulgados todos os dados e procedimentos adotados.

Na sequência, a equipe técnica responsável pelo IPM ficou a disposição para esclarecer todas as dúvidas quanto à sistemática do cálculo, tendo realizado diversas reuniões com vários representantes e técnicos, tudo com o objetivo de demonstrar a lisura na apuração do índice, sempre com ênfase nos critérios técnicos que devem guiar o cálculo do IPM.

Após a publicação do IPM Preliminar, os municípios tiveram um período de 30 dias para o questionamento das informações, conhecido como período de impugnações conforme previsão legal.

Durante esse período, a SEFAZ/AL recebeu 62 (sessenta e dois) pedidos de impugnações das Prefeituras, sendo 11 (onze) processos da Prefeitura de Maceió, dos quais 8 (oito) foram atendidos.

Após o prazo legal de impugnações e da publicação do índice definitivo, a Prefeitura de Maceió protocolou novo pedido em 13 de janeiro. Na sequência, foi realizada reunião entre os técnicos das duas secretarias e também foi feita reunião entre os Secretários de Fazenda do Município e do Estado para discutir o tema levantado nessa última impugnação.

Ficou acordado que a SEFAZ faria consulta à Procuradoria Geral do Estado para verificar a possibilidade legal de fazer alteração de forma administrativa fora do prazo legal. Também foi informado que a SEFAZ iria formalizar solicitação a Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura do Estado – SEAGRI para esclarecer o documento apresentado nesta impugnação feita pela Prefeitura de Maceió. Estamos aguardando o posicionamento dos órgãos supracitados.

Cabe ainda ressaltar que a Secretaria de Finanças do Município de Maceió solicitou a formação de uma fiscalização conjunta para melhor apurar a informação de um contribuinte e ainda no mês de fevereiro isso será providenciado.

A Sefaz admite que houve erro no cálculo dos índices para 2016?

Fizemos um trabalho desde o início do ano de 2015 buscando aprimorar a qualidade do cálculo do IPM, com ampla participação de todos os agentes públicos interessados neste cálculo e amplo reconhecimento da AMA, de representantes e técnicos das prefeituras, o que nos indica que fomos absolutamente transparentes durante o processo.

O IPM de 2016 foi apurado com base nos critérios legalmente instituídos pela Legislação competente, e durante a apuração foram disponibilizados todos os dados via internet, e por todos os meios físicos e digitais. Para tanto, estamos apurando essa situação apontada pela Prefeitura de Maceió.

A inclusão da circulação de R$ 792 mil de palma forrageira foi um erro, a aplicação de um novo conceito, ou uma forma de ampliar a arrecadação de municípios do Agreste e Sertão?

A legislação pertinente à apuração do IPM, em especial a Portaria GSEF 389 publicada no dia 16 de agosto de 2007, determina que os dados necessários à apuração do Valor Adicionado serão extraídos dos documentos informativos de Produção Agrícola, Pecuária, Pesca e Mineral, expedidos pelos órgãos públicos.

Essa informação sobre a produção agrícola tem previsão legal para computo no cálculo do IPM, e define a Secretaria de Agricultura - SEAGRI como órgão competente para prestar essa informação. Dessa forma, no cálculo do IPM 2016, a SEFAZ utilizou as informações do Mapa Agropecuário de 2014 enviadas pela SEAGRI para o cômputo do referido índice.

A Fazenda costuma validar as declarações da Secretaria da Agricultura sobre a circulação de mercadorias, sem que se faça algum tipo de checagem de dados com a realidade da economia do Estado?

A SEFAZ/AL recebe dados de vários órgãos, ANP, DNPM, CASAL, IBGE, TCE, ADEAL, SEAGRI, e utiliza estas informações com a premissa de que são revestidas de fé pública, portanto, qualificadas para serem utilizadas na apuração do IPM.

Há histórico de produção e comercialização de palma forrageira em montantes tão significativos quanto o que foi apresentado para a formação dos índices de distribuição do ICMS para este ano de 2016?

Infelizmente a atual gestão da SEFAZ não identificou em seus registros a memória de cálculo dos IPMs dos anos anteriores de forma detalhada, não tendo, dessa forma, o montante e a composição da produção agrícola dos anos anteriores.

Ressalto assim, que conforme combinado na reunião na AMA, será criado grupo de estudos com a participação dos Técnicos da SEFAZ e da AMA para melhorar a qualidade de apuração do IPM. 

O que se pode esclarecer quanto à afirmação do adjunto da Seagri de que houve uma sugestão da Sefaz para a inclusão das informações sobre o "comércio" de palma em Alagoas?

Em relação aos dados, acreditamos que houve algum equívoco na informação repassada pelo adjunto Álvaro Machado. Em momento algum a Secretaria de Fazenda sugeriu a mensuração da comercialização da palma para cálculo do IPM, o que foi destacado, inclusive, pelo próprio secretário de Agricultura, Álvaro Vasconcelos, quando o contatamos hoje, no final da manhã.

É interessante que, nestes casos mais complexos, você obtenha contato direto com o gestor da pasta, a pessoa mais adequada para desenvolver os questionamentos propostos.

Ressaltamos, ainda, como já dito em resposta anterior, que para cálculo do IPM são considerados dados encaminhados por vários órgãos, inclusive pela SEAGRI, informações estas consideradas qualificadas pra uso na apuração do índice.

Leia mais: As surreais palmas de ouro de Alagoas

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