A França entre Miterrand e Le Pen

05/02/2016 08:55 - Educação
Por redação

          Tempos estranhos esses em que o europeísmo começa a dar lugar novamente aos nacionalismos exacerbados, o cosmopolismo dá lugar a ideia de fechamento das fronteiras.

          É como se os alemães se sentissem muito alemães e menos europeus e isso vale também para franceses, italianos, bascos, ingleses e húngaros.

          A história recente provou que quando isso aconteceu as consequências foram quase sempre catastróficas para Europa e para a humanidade.

          Talvez seja chegada a hora de resgatar a utopia de homens como Miterrand, Helmut Kohl e Feliipe Gonzáles de uma Europa sem fronteiras e aberta ao mundo, uma Europa que em sua essência encarna o melhor que a genialidade humana pode conceber.

          Eram muitas vidas em uma só, foram muitos homens encarnados numa única pessoa, e, como eles pareciam não se conhecer, guardavam entre si enorme coerência com suas ideias e intervenções. Assim passou pela vida François Maurice Adrian Marrie Miterrand, que durante 14 anos governou a França e em boa parte deles, se confundiu com a semiose da nação.

          Personificou o estadista admirável, o artífice da União Europeia, o social democrata empedernido; por vezes, o autocrata temido, o marido de Danielle, o amante de Anne. Com tantas vidas para viver, conseguiu ser único e autêntico.

          Duas décadas depois da sua morte, num mundo em que a governança global virou mera quimera e Donald Trump exibe fôlego na eleição presidencial americana, homens como Miterrand fazem falta. Daqueles dias apoteóticos que marcaram a sua chegada ao poder, até os últimos dias marcados pela solidão colérica e agonizante do câncer, Miterrand viveu com a estatura de um gigante.

          Sua chegada ao palácio do Élisée marcou umas das maiores fugas de capitais da história do país, só comparável com o ocorrido após a eleição de Léon Blum na década de 30. Não foram poucos os que testemunharam ansiosos homens de negócio que perambulavam confusos pelos saguões do Charles de Gaulle a procura de destino seguro para os seus capitais.

          O homem - que na juventude chegou a admirar o general de Gaulle -, ascendeu ao poder convicto a respeito do papel que o Estado deveria desempenhar na concertação do seu país; e foi imbuído desse espírito, que Miterrand ou Miterramissés, como o chamavam seus opositores, aboliu a pena de morte, nacionalizou Bancos e indústrias, descriminalizou a homossexualidade, congelou o preço dos livros e repactuou, com base em princípios keynesianos a relação entre o Estado e  a  sociedade civil.

          Derrotado pela enfermidade que o perseguiu nos seus últimos anos de vida, o grande faraó, que ergueu a belíssima pirâmide do Louvre, teve seu corpo chorado por suas duas viúvas e pelos seus filhos.

          Num momento em que a França e a Europa enfrentam o drama dos refugiados árabes e o crescimento dos movimentos de ultradireita, fica cada vez mais claro os antagonismos que separam aquela França sonhada por Miterrand, da França que pode emergir da cabeça de homens como Le Pen.

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