Recordar é viver. Em um passado recente, quando ainda não era o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB) - na época deputado federal - se debruçou com uma questão: a permissão ou não de venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol.
Na época, o contexto era a Copa do Mundo. E foi tratada - como o próprio Renan Filho frisou na época, em discursos em entrevistas - como uma particularidade. Um evento específico e depois tudo voltaria ao normal.
Mas vejamos. Ainda que seja uma particularidade, se o argumento for o da associação entre a bebida alcoólica e a violência motivada por esta nos estádios, ele vale para agora e valeria para época. Tanto que foi usado por aqueles que discordavam de Renan Filho no período.
Pois, o atual governador quando deputado federal defendeu que a Fifa pudesse comercializar a bebida nos estádios (e mais: só nos estádios. Fora deles, nem pensar. Havia um raio), mesmo com a legislação brasileira dizendo o contrário. Logo, se havia o quesito constitucionalidade na época, é o mesmo que há agora. Sei que lá era uma situação específica, mas vejam as similaridades entre os argumentos e os contra-argumentos.
Na época, em que Renan Filho defendeu a comercialização, ele foi confrontado com o Estatuto do Torcedor. E rebateu no plenário da Câmara de Deputados. “No que diz respeito à venda de bebidas alcoólicas, o Estatuto do Torcedor afirma que é "condição de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo não portar bebidas ou substâncias proibidas". Apesar de termos lei que estabelece o contrário, as bebidas foram comercializadas normalmente nos estádios em todas as Copas do Mundo; como se vê, a questão dá margem para o debate, e por essa razão devemos instituí-lo o quanto antes nesta Casa”.
É, governador, a questão dá margem mesmo para o debate. Em outra entrevista, Renan Filho destacou - para atender aos interesses dos patrocinadores da Copa do Mundo de 2014 - que será incluído em projeto de lei, específico para o evento, a liberação da comercialização de bebidas alcóolicas nos estádios de futebol.
Se há uma diferença do contexto, diz respeito a capacidade do Estado de garantir segurança aos bons torcedores que vão ao espetáculo, pois não é o fato deles beberem que vai gerar a briga. Os brigões são os brigões por índole. Estes devem ser combatidos de qualquer jeito. Responder pelos seus atos e retirados dos estádios. Os violentos - sóbrios ou ébrios - devem ser punidos pela violência. Os torcedores não podem ter suas liberdades individuais restringidas em função disto. Chega do indivíduo ter sempre que pagar pela incompetência do Estado que ao reconhecer sua incompetência ainda quer impor ao cidadão “uma legislação babá”.
Mas, na Copa, o interesse não era o do cidadão, nem o do bom torcedor. Era o da Fifa. Aí, amigo, eis a declaração: "A FIFA tem os seus patrocinadores é importante que eles tenham o direito de comercializar seus produtos durante os jogos. Em todos os países que sediaram a Copa do Mundo foi vendido cerveja. Nos próximos países também será da mesma forma. Até no Qatar, onde culturalmente é proibida a venda de bebidas alcoólicas”. Fala do governador Renan Filho quando era deputado federal.
Em outra reportagem, disse: “Não haverá vendas de bebida alcoólica fora dos estádios da Copa do Mundo. Pelo que está descrito, e poderá ser aprovado na próxima terça-feira (na época) na comissão, os torcedores brasileiros, visitantes e turistas poderão consumir a bebida dentro dos estádios. O Estatuto do Torcedor não permite isso em competições nacionais e internacionais. Essa exceção acontecerá apenas durante a Copa”.
O discurso do governador (quando deputado federal) e uma das reportagens às quais me refiro podem ser encontradas aqui e aqui.
O pensamento do governador na época pode ser trazido para o contexto atual. Se o Estado ofertar a segurança devida, o estádio tiver a segurança necessária, não será a bebida o indutor ou “coibidor” da violência. Afinal, quantos não são os casos - diante da falha fiscalização - de drogas apreendidas em estádios, de gente que entra com objetos que podem servir de armas e por aí vai.
Uso das palavras do governador para - respeitosamente - discordar dele, porque acho que o que ele pensava em relação a um evento específico pode servir para o todo. Afinal, já foi liberado a venda de bebida alcóolica em estádio e ninguém nunca apresentou - de forma satisfatória - um estudo estatístico entre o antes e o depois. São apenas opiniões motivadas pelo romantismo no sentido de achar que o cidadão precisa sempre de uma babá para impedir que ele faça alguma besteira. Coitado de nós quando esta babá é sempre o Estado.
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