Quando um deputado estadual (ou federal) apresenta um projeto de lei é natural que este provoque discussões e que surjam os que defendem e os que criticam tal lei. Não costumo observar este fenômeno natural da democracia como algo que divide os “bons e os ruins”. A discussão é mais complexa do que a dicotomia que alguns insistem, ao implantar espantalhos, resumindo a discussão em exageros e rótulos.

Isto vem acontecendo com o projeto de lei Escola Livre do parlamentar estadual Ricardo Nezinho (PMDB), que foi aprovado no parlamento. Ora, a Casa de Tavares Bastos - como outras casas legislativas - deve prezar pela pluralidade (uma pena que nem sempre o faça, que quase nunca os interesses sejam nobres, mas é outro papo). Que Nezinho encontre contraponto ao seu projeto. É justo. É um direito de quem é contra a matéria mostrar, apontar e criticar as falhas, querer que ele seja derrubado. Respeito isto, mas acho que toda discussão pode se ater com respeito às fontes primárias (no caso é o projeto de lei em si) e ao campo das ideias. 

Mas, nos últimos dias, surgem - pelas redes sociais - tentativas de memes e textos que buscam colocar aqueles que concordam com o projeto como “direita malvada”, “fascistas”, “nazistas” e demais rótulos. Uma rotulação que atribuiu a pessoas até condutas criminosas. Rotulação também leva a doutrinação, pois evita a profundidade das discussões. Além disto atribuir a alguém ser de uma corrente criminosa de pensamento em função da mera discordância é crime, conforme o Código Penal. É preciso ter cuidado com o que se escreve. Ora, qualquer um pode ler o projeto de lei - que se encontra aqui - e concordar ou discordar dele livremente. Respeitem a democracia e discutam dentro dela. Afinal, foi democraticamente que ele foi aprovado na Casa de Tavares Bastos e agora segue para sanção ou não do governador Renan Filho (PMDB).

O governador que forme suas convicções dentro das atribuições que possui. Aconselhável - o que não é obrigatório - é que o chefe do Executivo busque a leitura do projeto, ouça todos os lados, tome sua decisão e arque com isto.  Se já tiver convicção formada, tem o poder de vetar ou não. De minha parte, li o projeto na íntegra e o defendi. Sem qualquer peso na consciência, porque - em meu entendimento - ele (o projeto) não persegue ninguém. Você tem direito de discordar de mim, agora me respeite. Veja - aos que ainda possuem honestidade - que jogo as fontes primárias no debate. Não tiro o direito jamais de quem quiser criticá-lo, pois seria afrontar a liberdade. Nem vou sair por aí com “pedras nas mãos” a dizer que pessoas que pensam diferente de mim são isto ou aquilo. Eu formei a convicção de que o projeto combate a ideologização e abre espaço para que todo e qualquer assunto - sobretudo na áreas das ciência humanas - seja abordado em sala de aula, desde que respeitando fontes primárias e prestando atenção nas várias teses que o envolvem. 

O projeto não censura. Ele apenas diz que a abordagem de qualquer assunto deve ser feita sem ideologização - o que é diferente de proibir que o professor tenha uma ideologia - ou doutrinação. O que é diferente do professor “não poder falar mal de político”. Que ridículo. Ele pode falar “bem ou mal” desde que respeite os fatos e mostre as teses diversas sobre o assunto. Comento isto em outro texto já publicado aqui com mais profundidade, mostrando inclusive a fonte primária da discussão.

Todavia, como disse: quem quiser que leia a fonte e discorde ou concorde com a questão por si só. 

Se volto ao assunto agora é por conta dos equívocos que atrapalham o bom debate que surgem em relação à questão. Não pelo mérito. Do mérito já tratei e não vejo motivo para ser repetitivo. Quem quiser saber do  que penso em relação ao mérito do projeto clique nos links que coloquei neste texto. Vou tratar aqui dos exageros e falácias na tentativa de descaracterizar o pensamento alheio. Isto é vigarice intelectual. Da mesma forma que respeito o contraditório, cobro o respeito às ideias de quem pensa igual a mim.

O primeiro equívoco é o seguinte: 1) dizer que Ricardo Nezinho quer colocar professores na cadeia. Isto é um absurdo. Primeiro porque demonstra ausência de conhecimento completo sofre a esfera de atuação da legislação estadual. Uma falácia que de tão grande soa como vigarice intelectual ou ingenuidade. Prefiro acreditar no segundo, pois sempre julgo as pessoas pela boa-fé. Mas é impossível negar que muitos dos que mentem sabem que estão mentindo.

Mas, mesmo assim, vamos ao que dizia - antes de ser aprovado! - o projeto no aspecto das “punições” (e digo isto porque ele foi modificado para algo mais simples, mas mesmo assim não há nada sobre prisão antes, nem nada depois):

“Art. 7° As escolas, seus funcionários ou servidores públicos que não se adequarem e/ou não cumprirem os exatos termos desta lei estarão sujeitos as seguintes sanções:

I - Escolas particulares:

a) Pela primeira transgressão a escola receberá uma advertência por escrito e um prazo de 15 (quinze) dias para efetuar as respectivas correções;

b) A partir da segunda transgressão a escola será multada em até 40 (quarenta) salários mínimos e um prazo de 15 (quinze) dias para efetuar as respectivas correções, devendo o valor pago pela multa ser revertido obrigatoriamente em materiais de áudio visual e informática, destinados às escolas públicas da rede estadual de ensino”.

“II - Escolas públicas:

a) Pela primeira transgressão o responsável pela transgressão, seja ele professor (a) e/ou dirigente que não tenha tomado à medida corretiva imediata, receberá uma advertência por escrito e um prazo de 5 (cinco) dias para efetuar as respectivas correções;

b) Pela segunda transgressão o responsável pela transgressão, seja ele professor (a) e/ou dirigente que não tenha tomado à medida corretiva imediata, receberá uma suspensão de 15 (quinze) dias sem vencimentos e o substituto terá um prazo de 5 (cinco) dias para efetuar as respectivas correções, sob pena de punição igual, devendo o valor descontado dos vencimentos ser revertido obrigatoriamente em materiais de áudio visual e informática, destinados às escolas públicas da rede estadual de ensino.

c) Pela terceira transgressão o responsável pela transgressão, seja ele professor (a) e/ou dirigente que não tenha tomado à medida corretiva imediata, será exonerado do cargo, seja ele celetista, comissionado ou estatutário e o substituto terá um prazo de 5 (cinco) dias para efetuar as respectivas correções, sob pena de punição igual”.

Não havia nada sobre prisão aí. Cai a falácia. Claro, um professor - ou qualquer leitor - pode julgar que as penas são duras e debater sobre isto. É um direito.  Inclusive houve espaço para isto no parlamento estadual. Foi debatido e olhem só, estas penalidades que estavam aí, como expus, caíram. Então, quando se discutiu asas punições que aí estão postas, no debate democrático se viu que o caminho tinha que ser outro. Que coisa linda que é a democracia. Ficou assim:

"Artigo 7 - os servidores públicos que transgredirem o disposo nesta Lei estarão sujeitos à sanções e penalidades previstas no Código de Ética Funcional dos Servidores Públicos e no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Estado de Alagoas".

Ou seja, não se falava em prisão antes. Não se fala depois. Muito pelo contrário. Se corrigiu o projeto ao longo do debate que e proporciona pela democracia.  

A segunda falha é dizer que é fruto de “movimentos religiosos”. Ora, pode até existir pessoas religiosas (ou movimentos) que defendem o projeto, pois existem. Agora, dizer que o projeto tem cunho religioso? Não, não tem. Pois combate - inclusive - a doutrinação religiosa dentro da escola. Uma religião - qualquer que seja ela - se abraçasse a causa talvez quisesse impor sua visão e não cobrar a neutralidade religiosa. Duvida? Eis aqui escrito no projeto:

“Art. 1° Fica criado, no âmbito do sistema estadual de ensino, o Programa "Escola Livre", atendendo os seguintes princípios:

I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; 

II - pluralismo de ideias no âmbito académico;

III - liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;

IV - liberdade de crença;

V - reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;

VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;

VII - direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica;”

É possível discordar do que estão posto nestes pontos? Claro! Mas se discorde deles. Por acaso a escola não deve promover liberdade de crença? Na minha visão, deve sim. Inclusive promover todas as outras liberdades que estão postas no texto grifado. 

Fala-se o mesmo em relação à política para dizer que é um projeto de “direita”. Veja o que diz: “neutralidade política”. Neutro não é esquerda, nem é direita. Outro ponto: “liberdade de crença”. Ou seja, quem quiser ser de um lado pode e deve ser respeitado; quem quiser ser do outro, também. Sem perseguições. Agora, que em aula se respeita as fontes de todos os lados. 

Eu fui professor durante muitos anos. Ensinei filosofia. Sempre levei Karl Marx para que me aluno lesse em sala de aula. Em paralelo levei Voeglin que faz um contraponto. E aí, meu aluno que comparasse os textos e decidisse. Nunca escondi a minha posição, mas a minha é a minha, a do aluno é a aquele decidir ter e seguir. 

A terceira ideia a ser rebatida é tratar o projeto como algo que “proíbe o professor a falar de política”. Mentira. O projeto - inclusive - respeita a opinião do professor, apenas pede que ele seja neutro na apresentação as fontes quando da formação humana e de valores. A opinião que ele terá a partir disto, pertence  a ele. Ele que dê a opinião, desde que apresente as fontes. Trocando em miúdos: o professor pode dizer: “aluno eu vejo o mundo assim, mas existem estas fontes que veem o mundo assado” e aí promover o debate para que o aluno decida pelo seu próprio caminho. 

Duvidam? Veja o que o projeto fala do professor:

"A rt. 3° No exercício de suas funções, o professor:

I - não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para qualquer tipo de corrente específica de religião, ideologia ou político-partidária;

II - não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;

III - não fará propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas;

IV - ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordando ou não com elas;

V - salvo nas escolas confessionais, deverá abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com os princípios desta lei"

Fazer propaganda é diferente de expor pontos de vistas. E aí presta atenção no ponto “IV” pois ele vai de encontro a mais uma informação desencontrada. Já li “memes” dizendo que é para “proibir de falar de Karl Marx” em sala de aula. 

Vamos lá. No “IV” diz o seguinte: “tratar questões políticas, sócio-culturais e econômicas (…) de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas”. Pois elas existem, concorde ou não o professor com elas. Então vamos lá, o professor deve apresentar o pensamento de Marx ao aluno, em sua íntegra. Sem tirar nem por. E aí, apresentar autores que seguem a linha marxista e outros que fazem críticas ao marxismo. Exemplo: se há uma interpretação da sociedade por um Karl Marx, há por um Eric Voeglin. Visões que se chocam e aí, o aluno que decida, conforme for aprofundar suas leituras com base no que a sala de aula abre portas. Censura é mostrar um autor - qualquer que seja - como um deus, como se não houvesse o seu contraditório. Ou como se o contraditório fosse feito por “gente malvada”, aderindo a velha dicotomia que está posta no início do texto.

Uma provocação que me foi feita - certa vez - é: então deve ser mostrado ao aluno o livro de Adolf Hitler? Ora, se o aluno aprender as verdades histórias sobre o nazismo será mostrado um livro como conhecimento histórico de uma época da humanidade que deve ser rejeitada pela afronta a liberdade, pela morte de milhões de pessoas, pela crueldade de um ser desprezível que foi Hitler. Porque esta é a verdade histórica. E esta deve está posta em sala de aula sem relativismos. Dentro deste contexto, o aluno tem que saber que Hitler escreveu um livro contendo ideias perigosas que devem ser combatidas sempre, pois o homem é um ser livre e não pode ser perseguido pelo que pensa e pelo que defende. Um professor que elogia Hitler em sala de aula ou que prega o nazismo deve ser punido severamente e não precisa nem de Nezinho para isto, pois ele está incitando a violência, o racismo, e por aí vai. E isto o projeto combate também, ora. 

Ninguém pode ser perseguido pelo que pensa, quanto mais ser morto. E o mesmo que vale para Hitler, vale para Joseph Stalin e outros teóricos que cometeram atrocidades. Mas, infelizmente, temos livros e apostilas por aí que são capazes de falar da Revolução Russa sem citar mortos. Vocês já imaginaram falar de nazismo sem citar campos de concentração? Absurdo, não é? Mas - como não temos neutralidade em alguns casos - é possível falar de Stalin sem falar de campos de concentração que existiram por lá. Quisera não fosse preciso lei para falar este óbvio, mas infelizmente hoje é preciso.

Então, o professor que é de esquerda - mas que apresenta as fontes históricas sobre o que ensina, que respeita as versões sólidas existentes e o contraditório de suas próprias ideias - não tem o que temer deste projeto. Pois ele não censura ninguém. E tem mais: se uma escola quiser montar uma disciplina totalmente focada em uma única corrente ideológica, ela pode. Desde que informe isto aos alunos ou pais.

Eis aqui:

“As escolas confessionais, cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, religiosos ou ideológicos, deverão constar expressamente no contrato de prestação de serviços educacionais, documento este que será imprescindível para o ato da matrícula, sendo a assinatura deste a autorização expressa dos pais ou responsáveis pelo aluno para veiculação de conteúdos identificados como os referidos princípios, valores e concepções”. 

Ou seja: nada impede que o professor forme uma turma - sobre qualquer que seja o tema - e o insira na grade curricular, desde que isto seja expresso e de comum acordo com pais e alunos. Nada mais justo, pois são pais e alunos que consomem o serviço. 

Então vejam, estes são alguns pontos que trago, mas sem xingar ninguém, sem agredir quem quer que seja, respeitando a liberdade de discordarem de mim, de acharem que o que falo não está correto e por aí vai. Todavia, busquei - em todos os momentos - o respeito à fonte primária, que é a lei, para mostrar o que embasa o que eu penso, deixando claro que as pessoas podem discordar sobre um assunto sem que necessariamente de um lado estejam os “malvados” e de outro “os salvadores da pátria”.

Ora, como pai de uma garota de 10 anos de idade, eu acompanho tudo o que ela lê na escola, eu acompanho as lições, eu questiono o que ela aprende em sala, e muitas vezes a incentivei a levar o contraditório a um professor (solicitando que ela entrasse no debate com toda educação do mundo). É assim que a minha filha age e isto tem feito dela uma leitora, de consciência crítica ampla, que não aceita certas “verdades de autoridade” sem questionar, mas que questiona com educação, respeitando à divergência e ao próximo. Sem agredir por causa de pontos de vista diferentes, mas sendo firme no que ela enxerga como a verdade.

Isto tem me criado algo que julgo positivo (sei que há pais que se incomoda com isto): uma filha com liberdade de discutir comigo as regras que coloco para ela e - por meio do entendimento - aceitar as regras ou até flexibilizá-las, quando ela me convence dos meus exageros. Estou muito confiante que educando assim a minha filha ela vai em um bom rumo. Por isto, queria eu que a lei de Ricardo Nezinho fosse desnecessária. Talvez seja no futuro, quando pais e mães se preocuparem mais com o que seus filhos leem e ouvem, abracem mais a educação de seus filhos, tratando a escola como o que ela é: uma ferramenta auxiliadora, pois os verdadeiros responsáveis pelas crianças e sua formação são as famílias. 

E, sinceramente, não permitirei xingamentos neste post. Nem rótulos. O respeito que tenho a todos, passo a cobrar o mesmo para mim. Que tenho o pleno direito de concordar ou discordar de um projeto de lei. Afinal, democracia é isto.  

Quem foi meu aluno sempre soube qual era a minha posição em sala de aula. Nunca escondi. Mas sempre soube também que existe o contraditório e quem pensa diferente de mim, inclusive eu mesmo que citava estas fontes na busca pela neutralidade para que o estudante pudesse escolher. Acho que uma das frases que mais repeti em sala de aula foi: “não creiam em mim, busquem as fontes primárias do que estou falando que se encontram aqui (mostrava listas de livros e etc)”. Creio ser assim Educação. Ambiente plural e livre para o confronto de todas as ideias. Que eu pague o preço por acreditar nisto. 

Link para a íntegra do projeto para que você mesmo forme sua convicção: aqui. Este texto não tem ainda a modificação das sanções que foram aprovadas na Casa e que cito no texto.

Estou no twitter: @lulavilar