Conversei – nesta semana – com o cientista político Ranulfo Paranhos, no Manhã da Globo. Ele é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. É Professor do Instituto de Ciências Sociais e também do Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Alagoas. Desenvolve pesquisa na área de Estudos Legislativos, Partidos Políticos, Eleições, Judicialização, Improbidade Administrativa e Corrupção. Tem experiência profissional na área de Consultoria Política Parlamentar, Elaboração de Projetos de Lei, Pesquisa de Opinião e Eleições.
Durante o papo, Paranhos analisou os efeitos e as causas da crise que o país atravessa neste momento. De acordo com o cientista, o governo Lula conduziu o Brasil ao atual estágio ao não se preparar para o fim dos ciclos das commodities. Ressalta que o país precisa investir em tecnologia e Educação para não ser eternamente dependente do extrativismo.
“Todos os países que tiveram suas economias baseadas na extração de minérios possuíram democracias frágeis”, ressalta. Ele cita que este é um dos graves problemas – inclusive – da América Latina. Paranhos também fala do nível de intervencionismo no Estado brasileiro. Confira.
Estamos vivenciando um cenário de crise econômica que não aponta melhora. Além disto, uma crise política que envolve – em escândalos – os principais políticos e partidos do país. É o nosso pior momento da história? O Brasil se encontra em uma encruzilhada difícil em relação às perspectivas de melhoras?
Quando se compara o Brasil, com países da Europa, da África, de outros países com, suas crises, se percebe que o Brasil nunca passou por uma crise tão complexa, tão severa e tão devastadora. Acho que esta é a palavra. Até então o que tínhamos era um processo que vinha de uma estabilidade econômica conquistada lá no período em que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) era ministro do governo Itamar Franco. Tanto é que ele vira presidente da República. Em 2002, quando FHC sai, o Brasil está num estágio de estabilidade que coincide com um ciclo de commodities. Ou seja, o que a gente produzia, os países – sobretudo a China – comprava. Este ciclo tem um prazo de validade. Todos os economistas e imprensa especializada avisou isto, ou fez uma previsão em relação a este ciclo. A previsão se cumpriu. O ciclo dura 10 anos. O prazo para ele se fechar era 2010. A crise econômica mundial teve desfecho em 2009. O Brasil não se preparou para a crise, não se preparou para o fechamento deste ciclo de commodities.
O que vem a ser este ciclo que você fala e qual o impacto disto para os dias atuais?
É uma ideia muito simples. O que nós produzimos e exportamos baseou nossa matriz econômica. O Brasil tinha uma matriz econômica baseada na exportação de matérias-primas. Como ferro sem valor agregado, soja, laranja, que é o que os países da América Latina fazem. Além disto, nós não produzimos e não temos tecnologia. Então nossa característica é plantar e extrair minérios. Quando a China deixa de comprar isto, é óbvio que este dinheiro vai faltar. Deixa de entrar capitais. Isto estava previsto.
Foi um erro do governo então não ter se preparado para isto e agora chegar a este momento com uma economia tão fragilizada?
Qual a grande crítica que se faz diante disto. Do ponto de vista de estratégia do governo e busca por desenvolvimento econômico. É que – se tínhamos uma moeda estável em 2002 – o projeto de governo a partir daí, ou seja, com o governo Lula, era preparar o Brasil para o fechamento do ciclo de commodities. Como é que eu faço isto? Investindo sobretudo em uma grande área chamada Educação. Não é que eu vá investir unicamente nas crianças na Educação. Não. Eu tenho que criar – com base nisto – políticas macroeconômicas. Eu invisto em tecnologia, invisto em Educação. Ao fazer isto – que é um processo lento, mas já estaríamos no meio do caminho – teríamos resultados que apareceriam em 10 ou 15 anos. Começariam a aparecer resultados agora. O Brasil é um país continental. Não tem justificativa que nós não consigamos produzir sequer um chip de um aparelho celular. Não temos tecnologia nem para isto. Se você compara o Brasil com a Coréia do Sul, é tecnologicamente incomparável.
Por qual razão?
Porque todos os países que possuem suas bases econômicas fundamentada em extração de minério ou exportação de commodities, tem por regra uma estabilidade econômica e democracia frágeis. Os países da América Latina possuem estas características. Isto não é uma coisa que chega a ser uma piada de mau gosto, pois quando a presidente vai discursar coloca a culpa na crise internacional. Ela já chegou a dizer que não sabia que a crise era tão grande, quando tudo isto que está aí já era a crônica de uma morte anunciada. Soa como uma piada. Já era tudo anunciado.
Nós temos um Estado com forte grau de intervencionismo. Reduzir o Estado e apostar no incentivo ao setor produtivo ajudaria a sair da crise? Afinal, nos países com melhores liberdades econômicas parece melhorar a vida da população, como se mostram as estatísticas.
O nosso Estado tem uma burocracia burra, não é? Ela trava o sistema. O Estado não foi inventado para ser departamento de assistência social, para doar ou distribuir dinheiro. Ele é criado para regular. A lógica central da criação do Estado moderno atual é que ele assegure livre concorrência, primeiro porque ele é criado para retirar os poderes do Executivo para o povo. Esta lógica é transferida para a economia. Quando isto é pensado na Inglaterra é pensado em relação à Coroa que tem poderes sobre o Estado. O que a gente precisa fazer é um liberalismo político e um liberalismo econômico. Reduzir a influência do Estado e o poder do Estado sobre a vida das pessoas, mas assegurar – em um primeiro momento – liberdade de expressão, de ir e vir, de se defender, garantia da vida e propriedade. Esta é a função do Estado. Este Estado na América Latina – sobretudo nos últimos anos – é um Estado mais interventor, muito presente no desenvolvimento, ou na forma como a economia se comporta. O resultado disto tem sido o pior possível.
Isto em toda a América Latina?
Sim. Nós temos uma América Latina caracterizada por regimes que se autodenomina de esquerda, que tem características básicas: a primeira delas é concentração de poderes, como foi na Argentina, no Equador, na Bolívia, na Nicarágua e – sobretudo – na Venezuela, que é o ponto crítico disto. O que isto tem trazido de reflexo: uma intervenção nos modelos econômicos distribuindo recursos em que, os estudos mais sérios, apontam que retira o indivíduo da linha de pobreza, mas não reduz desigualdade social. O pobre sobe um pouquinho, mas o rico sobe muito mais. Aquele que está nas categorias mais acima ficam mais rico. A distância entre o rico e o pobre na América Latina aumentou. O que nos leva a um ledo engano é que o que tava muito embaixo subiu um pouco, mas o que estava acima. O índice que mede a desigualdade social aumento. Ele é medido de 0 a 1 e quanto mais próximo de 1 mais desigualdade social. No Brasil, isto aumentou. Há estudos de professores da UNB que mostram a diferença entre o que o governo tem propalado e a realidade. O governo faz análises a partir da Pnad, que não é um censo. Os pesquisadores foram nos dados da Receita Federal. Ou seja, o indivíduo que presta contas do Imposto de Renda. Com estes dados, com o censo, se percebe que o que o governo tem dito é uma falácia. O Estado tem que garantir democracia. Este Estado assistencialista não consegue ter democracia consolidada. Como a maioria destes países tem poucos partidos, se tem governos autoritários. No Brasil, o fato de termos muitos partidos – dentro deste contexto – soa como uma proteção à democracia.
E como fica o PT neste quadro?
O PT é um partido que faz parte deste quadro por meio do Foro de São Paulo, mas a perspectiva é que o partido comece a perder forças. A probabilidade que o PT reduza 40% nas eleições que vem é algo real. Isto é real. Tem sido a característica: intervenção direta na economia por excesso de poder político. Uma das propostas que mostra esta concentração de poder – e que o PT não conseguiu levar à frente – é a discussão do controle social de mídia. Por um lado, se discute muito bem, que é o fato de termos poucos grupos de comunicação nas mãos poucas famílias, o que de fato é um problema. Mas por outro ponto, uma segunda frente, o que se queria é censura. Ninguém entende de outra forma. Tanto que o PMDB deu a declaração que não passa. Outra questão: a vontade por fazer plebiscito também mostra esta concentração de poder. O plebiscito não é a vantagem que se pensa nas democracias. Muito pelo contrário. Você pode ter um poder de convencimento que leva a população a escolher a pior das escolhas, como levar temas complexos para o cidadão decidir, como a reforma política. É uma discussão muito mais fundamentada e de maior qualidade se ocorrer no Congresso Nacional. Então, na América Latina sempre houve esta tendência da concentração de poder, mas neste quadro o PT deve ser reduzido e estas bandeiras devem perder força.
Estou no twitter: @lulavilar