A carta escrita pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB) e encaminhada à presidente da República, Dilma Rousseff (PT) tem – obviamente – um teor de desabafo pessoal, mas não acerta quem resume este texto a isto, ou tenta minimizar sua importância ainda que por meio de uma nova estratégia da comédia política brasileira: o humor governista e limitado.

Ontem, conversei com o governador Renan Filho (PMDB). O chefe do Executivo resumiu a carta de Temer a um “desabafo pessoal”. É a mesma linha de raciocínio de outros ilustres peemedebistas alagoanos: o senador e presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB) e do deputado federal Marx Beltrão (PMDB).

Com todo respeito ao governador, ao senador e ao deputado federal alagoano, minha visão é outra. A carta revela muito do PMDB neste momento. Pode ser uma postura solitária de Temer, mas não é um sentimento que não encontra eco ou que esteja no coletivo do PMDB. Encontra sim! Está sim!

O que a carta de Temer expõe é a relação já tensionada – e velha conhecida! – entre o PMDB e o PT que se arrasta desde o final do governo passado da presidente Dilma Rousseff. Agora, a cada dia a relação se desgasta de vez, sobretudo quando ganha força a possibilidade de Temer assumir o poder. É o vice-presidente se afastar de tudo e contar com os seus. Afinal, se não fizer isto pode acabar sobrando para ele também.

Já estão afirmando que Temer também assinou decretos semelhantes aos de Dilma e que são alvos do pedido de impeachment. Além disto, há ação no TSE. Momento complicado do país.

Para quem ainda acha que as insatisfações entaladas são apenas “temerianas”, pesquisemos sobre as declarações cirúrgicas calheiristas. Ou devemos esquecer das vezes que até o próprio presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, foi extremamente duro com o governo federal fazendo vezes de opositor. Basta uma procurada no Google.

Há ainda que se lembrar das dificuldades para se alinhavar e firmar a aliança – fato que Temer cita em sua carta, mostrando as dificuldades de se convencer o partido, falando do protagonismo que ele mesmo teve nesta articulação – entre o PMDB e o PT para a eleição de 2014, reafirmando a parceria entre Michel Temer e Dilma Rousseff. E o por que disto? Ora, o PT sabe quem é o PMDB e vice-versa.

Longe dos holofotes, é mais que óbvio que peemedebistas não confiam no Partido dos Trabalhadores, sendo uma aliança para longe do campo programático e sustentada pelo fisiologismo puro, o jogo de ocupação de espaços e os esquemas revelados pela Operação Lava Jato. A diferença é que para o PT o esquema de corrupção instalado no país é um instrumento de manutenção de poder e aliados.  

Não é por acaso que – juntamente com o PP – PMDB e PT são os principais partidos da Lava Jato. Quem for podre aí, que se quebre. Que venha a delação do senador Delcídio do Amaral, que é mais um petista preso. Que se frise o “mais um”. Michel Temer desabafa algo que está entalado na garganta de muito peemedebista, mas que não pode ser exposto. Ou pelo menos não pode ser exposto ainda. A carta de Michel Temer mostra claramente se não o todo de um PMDB, uma grande parte. Para não implodir, é necessário ter escapes.

Basta olhar como o partido se comporta (e se comportou na tumultuada sessão de ontem) na Câmara de Deputados. No PMDB de hoje o cenário é o seguinte: uma grande parte subiu no muro e outra já pulou o muro. Claro, há uma minoria que ainda faz o jogo do Palácio do Planalto por interesses próprios ou inconfessáveis.

O senador Renan Calheiros deve jogar o jogo do Palácio do Planalto enquanto este for favorável a ele. Afinal, é um dos personagens centrais dos escândalos postos. O peemedebista-mor de Alagoas – que é um hábil enxadrista político – pode favorecer e muito a presidente Dilma Rousseff nos dias que virão. É aguardar. Não há ponto sem nó na agenda de Renan Calheiros.

Mas e dentro do PMDB?

Mais um exemplo: na Câmara de Deputados, um episódio ilustra o que aqui estou falando. O PMDB tem novo líder. Leonardo Quintão assume o papel e – a partir de agora – vai trabalhar pelo pedido de impeachment da presidente.

Leonardo Picciani foi dispensado por 35 deputados. Outros cinco assinariam o documento. Picciani é citado na carta de Michel Temer, como um peemedebista que virou líder sem que o presidente da legenda (que é o Temer) tivesse sido consultado. Ou seja: um nome de Dilma Rousseff e não necessariamente da agremiação.

Entendem por que Temer não expõe apenas um desabafo pessoal? Precisa desenhar? A carta de Temer torna público algo que encoraja peemedebistas no Congresso Nacional. Vale ressaltar: a culpa do que acontece com o PMDB é do PMDB que se aliou ao processo político do poder pelo poder que foi descrito neste post.

Nas contas que são feitas nos bastidores de Brasília, são 20 deputados peemedebistas que podem ser considerados dilmistas. O PMDB elegeu 66 deputados federais no ano de 2014.  Eis a vida difícil que a presidente Dilma Rousseff terá pela frente no Congresso Nacional.

Se Renan Calheiros minimiza a carta de Temer é porque sabe que papel terá que cumprir pela frente.

Se Renan Filho minimiza a carta de Temer, há outro motivo também: os governadores que assinaram o documento de apoio à presidente Dilma Rousseff sabe o quanto ela se encontra frágil. Sabem que isto abre espaço para barganhas em meio às crises política e econômica. Sendo assim, a assinatura dada pode ser compensada por algo que foi pedido em troca. Um pedido de mais ajuda aos estados nordestinos, por exemplo.

Em curto prazo, boas novas para Alagoas e – consequentemente – para o governo de Renan Filho, que tem que tocar obras e lidar com a crise. Faz parte da política.

A carta dos governadores –portanto – é um jogo orquestrado do Palácio do Planalto em um momento de fragilidade da presidente Dilma Rousseff, que vai a busca de governadores cheios de pleitos – em função do nosso pacto federativo – que não podem se darem ao luxo de fazerem viagens perdidas à Brasília.

Ora, governadores (e isto é diretamente proporcional às necessidades de um estado da federação diante da crise) possuem todo o interesse de assinar a carta em apoio a quem ainda detém a chave do cofre central. Portanto, há uma obviedade no alinhamento que fazem com que alguns chamem até de “golpe” um instrumento – que é o impeachment – que está constitucionalmente previsto.

Ah, nenhum governador está errado em pedir mais e mais e mais para o seu Estado. Arrancar recursos de um pacto federativo cruel para melhorar a vida de seu povo. Agora, o erro está em isto impedir de se desnudar discussões maiores: revisão do pacto federativo e a real face de um governo federal incompetente, que se apóia no fisiologismo e no toma lá da cá para ter apoio, que loteou estatais, dentre outras irresponsabilidades.

Governadores ainda chamam o pedido de impeachment de golpe. Na minha visão, se rendem ao maniqueísmo ridículo, sem discutir o teor do pedido. Chamam de golpe na maior cara dura, sem sequer se aterem ao conteúdo do documento elaborado por juristas, como os decretos de créditos já citados aqui neste blog que somam mais de R$ 18 bilhões. Não há golpe coisa alguma. O que há é mais e mais fisiologismo em forma de assinaturas de apoio. Uma presidente frágil e sem consistência política pode atender a pedidos de forma mais fácil. O problema é que esta conta também vai chegar. Aguardem.

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