Comumente - nos últimos tempos - quando uma polêmica toma conta da imprensa, o principal sempre acaba ficando fora do resumo.
Bem, há um pedido de impeachment deflagrado contra a presidente da República, Dilma Rousseff (PT). Isto separa opiniões. Conforme recentes pesquisas, a mandatária da nação tem uma aprovação de apenas 10% dos brasileiros. Além disto, outros institutos mostram que mais de 60% dos cidadãos da nação aprovam o impeachment.
Políticos - na maioria das vezes e com raras exceções - adotam posturas cautelosas, quando não favoráveis a presidente, como foi a que tomou o prefeito de Maceió, Rui Palmeira (PSDB) e o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB).
Na mídia, a “guerra” e as “comparações” entre o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha (PMDB) - que deflagrou o pedido - e a presidente Dilma se tornam mais evidentes que o conteúdo do processo. Enfim, uma guerra midiática - com exagero de tudo que é lado - que deixa o principal fora do resumo.
Indico ao leitor, como fiz em outro post, que vá à íntegra do pedido, que pode ser encontrado aqui. Faça suas avaliações, pois não se pode confiar na cautela do PMDB, que colocou a biruta no ar para observar para onde o vento aponta. Muito menos se pode confiar nos demais políticos de partidos com matizes ideológicas tão próximas do PT, como é o caso de PSOL, Rede, dentre outros. Até os tons de vermelho presentes no PSDB devem ser olhados com cautela.
Aqui mesmo, não me espanta que a maioria dos políticos alagoanos saiam em defesa da presidente.
É hora da população buscar as fontes primárias desse processo, que pode ser traumático, mas que também pode ser um sopro de esperança diante da turbulência política e econômica que arrasta o Brasil para o buraco. As perspectivas não são nada boa. Até os aliados de Dilma Rousseff - como é o caso dos peemedebistas alagoanos - sabem disto.
Só os completamente comprometidos ideologicamente não entendem a roubalheira que este governo federal promoveu, tenha a presidente envolvimento direto ou não. Eu acho quase impossível não ter ciência do que ocorreu. São 13 anos de um projeto - independente de conquistas sociais que se reconheça, pois reconheço até algumas que vem de uma construção histórica, pois o Brasil não nasce com o PT - de poder que se mantém pelo fisiologismo, loteamento de estatais e esquemas de “governabilidade” por meio de mensalão, petrolão e outras práticas escusas.
Mas vamos ao pedido de impeachment. Primeiro: que fique claro que não há golpe. É de uma falácia monstruosa este tipo de argumento. Ora, é um dispositivo constitucional que sequer depende de Cunha, que o deflagrou. Depende da avaliação - que será feita por uma comissão - do que se encontra no pedido, do entendimento de parlamentares de base e de oposição (se é que eles existem de fato!).
Há todo um trâmite que garante a ampla defesa da presidente Dilma Rouseff diante daquilo que ela é acusada. Dilma - por sua vez - também cria cortinas de fumaça (estratégia natural da política, outro político brasileiro em seu lugar também faria) ao comparar sua biografia com Eduardo Cunha.
Dilma diz que não tem conta na Suíça. Dilma diz que não está envolvida em escândalos nos quais Eduardo Cunha está. Ora, não é disto que ela é acusada. É se defender do que não está escrito (ou dito) para por meio das comparações criar aquele clima de “sujo falando do mal lavado”. E assim levar a melhor ou se vitimizar, ou os dois.
Se Dilma é culpada ou não pelo que é levantado no pedido de impeachment, vale lembrar que ela será submetida a um julgamento no Congresso com direito a se defender. Eu não escondo a minha visão: ela tem responsabilidade sim! Coisas do Estado Democrático de Direito que as esquerdas - com a qual Dilma Rousseff simpatiza e faz parte - não conhecem bem. Pois nos regimes que eles defendem o que há é estado de exceção. Este sim, bem próximo ao fascismo.
Quando a esquerda brasileira usa rótulos, acusa outros daquilo que ela é. Eu - enquanto jornalista - posso ter minha visão sobre as acusações presentes no impeachment. É, eu as tenho. Acho que o pedido tem razão de ser. Mas não é a minha visão que vai imperar, mas a do parlamento que terá que avaliar o que ali se encontra.
Então, o papel mais importante que a imprensa tem a fazer neste momento é elencar o que está no pedido de impeachment, debater de forma séria com juristas que não estejam associados a qualquer um que seja dos lados, e esclarecer ponto a ponto, ainda que seja defendendo Dilma ou a acusando. Mas ai invés disto, vemos uma das mais desonestas (intelectualmente falando) guerras midiáticas.
Uns dizendo que o impeachment não tem razão de ser, mas sem apresentar a fonte primária, mesmo ela sendo de tão fácil acesso, como já mostrei neste blog, ao comentar a opinião do senador Renan Calheiros (PMDB).
Então, vamos lá.
O pedido do senhor Hélio Bicudo e Miguel Reale abre contextualizando os fatos com a crise vivenciada no país, o que não é mentira. Cita as fraudes que vem sendo apuradas pelo Tribunal Superior Eleitoral diante do indício da campanha que elegeu Dilma Rousseff estar cheia de irregularidades, como o recebimento de dinheiro indevido (fruto de corrupção).
São seis delações premiadas (até aqui!) que versam sobre este assunto. Em paralelo são apontadas irregularidades como flagrantes violações à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que ensejaram representação criminal à Procuradoria Geral da República. Sim, existe! “Diante da legislação penal comum, a Presidente incorrera, em tese, nos crimes capitulados nos artigos 299, 359-A e 359-C, do Código Penal, respectivamente, falsidade ideológica e crimes contra as finanças públicas”, aponta o pedido.
Há contextualizações com a Lava Jato, com o caso de Pasadena. As descrições e sequenciamento lógico dos fatos precisa ser levada em conta para que - quem quiser defender a presidente - desconstrua ao invés de simplesmente aderir aos gritos de guerra. É lembrado inclusive da delação - de Alberto Yousseff - que versa sobre a ciência da presidente em relação ao caso.
Um dos trechos é este aqui: “Poder-se-ia aduzir que fatos anteriores ao exercício da Presidência da República seriam irrelevantes, como, por exemplo, a compra da Refinaria em Pasadena, enquanto Dilma Rousseff era Presidente do Conselho da Petrobrás. Todavia, fazer referência a esses acontecimentos se revela preciso, não com o fim de obter responsabilização por eles, mas com o intuito de evidenciar que a tese do suposto desconhecimento se mostra insustentável. Fosse um único fato, até se poderia admitir tratar-se de um descuido, ou coincidência; porém, estando-se diante de uma verdadeira continuidade delitiva, impossível crer que a Presidente da República não soubesse o que estava passando a sua volta. E os crimes se estenderam a 2015, ou seja, invadiram o segundo mandato!”
Mais: “Reforça o entendimento de que a Presidente da República agiu com dolo o fato de ela sempre se mostrar muito consciente de todas as questões afetas ao setor de energia, bem como aquelas relacionadas à área econômica e financeira. Ademais, além de ser economista por formação, a dirigente máxima do país ocupou cargos umbilicalmente relacionados ao setor de energia, não sendo possível negar sua personalidade centralizadora. Em análise bastante minuciosa, o jornalista, escritor e político Fernando Gabeira, mostra bem que só pode alegar falta de elementos para o Impeachment quem não concatena os fatos”.
Vale lembrar do que diz o ministro Paulo Brossard - ao escrever sobre Impeachment no ano de 1992:“O sujeito passivo do impeachment é a pessoa investida de autoridade, como e enquanto tal. Só aquele que pode malfazer ao Estado, como agente seu, está em condições subjetivas de sofrer a acusação parlamentar, cujo escopo é afastar do governo a autoridade que o exerceu mal, de forma negligente, caprichosa, abusiva, ilegal ou facciosa, de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro do cargo”. A reflexão também se encontra lá.
O capítulo 2 trata dos crimes de responsabilidade. E lá está - em minha visão - o fato mais difícil da presidente se defender. Os decretos editados em 2014 e 2015 (já neste mandato) em que abre créditos suplementares - de valor extremamente elevado - sem pedir autorização do Congresso Nacional. Trata-se de mais de R$ 18 bilhões.
O detalhe: “Esses decretos foram publicados após a constatação, pelo Tesouro Nacional, de que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual não haviam sido cumpridas, como revelado pelo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 5o Bimestre de 2014 do Tesouro Nacional”.
É crime conforme o artigo 10, itens 4 e 6, da Lei de número 1.079 de 10 de abril de 1950. Além disto, “a ilegalidade da conduta da denunciada se revela a partir das proibições constantes do art. 167, V da CF2 e art. 4o da Lei Orçamentária Anual – LOA-2014 (Lei 12.952/2014)”.
O que diz a lei 1.079 neste ponto? Eis: “Art. 10. São crimes de Responsabilidade contra a lei orçamentária: 4) Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária; 6) Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal”
O art. 167, inciso V, da Constituição Federal, estabelece ser vedada a ABERTURA DE CRÉDITO SUPLEMENTAR sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes. Esta autorização tem que constar de lei específica (art. 165, §8o da CF). Também é citada as implicações em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Observem o quadro de exposição da página 18 do pedido de impeachment. Analisem por vocês mesmos. E este é só um dos pontos entre tantos. Destaco este porque acho - não o mais grave - mais o comprovadamente mais lógico na argumentação encaminhada à Câmara de Deputados.
Claro, cabe ainda a defesa da presidente. Caso o processo ande a este ponto, farei questão de ler na íntegra esta também. Espero que os brasileiros tenham acesso e assim possam fazer suas análises. Aguardo para saber se serei convencido por Dilma Rousseff.
Mas, vocês são livres para formarem suas opiniões. Apenas evitem os cantos de sereias e vão às fontes primárias. É um período crucial de nossa história em que precisamos nos informar sobre tudo que anda acontecendo. Somos livres para isto e não dependemos de filtros. As fontes primárias aí estão. Não há razão para não irmos a elas e ficarmos só nos memes de internet.
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