Os membros do Focco pretendem acompanhar de perto a forma como os municípios alagoanos – até agora 18 – vão receber os recursos oriundos dos precatórios da União que serão pagos entre o final de 2015 e o início do próximo ano. Ao todo, são R$ 439 milhões. O maior valor será repassado para a cidade de Arapiraca.

O montante é oriundo de ações movidas pelos municípios contra a União, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), durante o período de 1998 a 2007. Além das questões legais – que são debatidas com teses jurídicas – sobre a aplicação do recurso, há ainda a preocupação do Focco quanto ao uso indevido do recurso.

Legalmente se debate se a aplicação dos milhões deve ser toda na Educação, ou o prefeito tem liberdade para investimento em outras áreas. O Focco – conforme o promotor José Carlos Castro, em entrevista ao Manhã da Globo e ao CadaMinutoPress – tem o entendimento de que o investimento tem que ser de 100% na Educação, mas não é o que pensam os prefeitos nem a Associação dos Municípios Alagoanos (AMA). Conversamos com Castro sobre o assunto. Confira a íntegra da entrevista.

O Focco tem se debruçado sobre a questão dos precatórios (oriundos de recursos antigos do Fundef) e que agora chegam às contas das prefeituras municipais. Entretanto, existe uma discussão – com possibilidade de se prolongar na Justiça – sobre a aplicação correta destes recursos que somam mais de R$ 400 milhões quando juntadas todas as cidades que vão receber. Como o Focco tem se posicionado quanto a isto?

A questão que se coloca agora é justamente esta: como aplicar estes recursos de forma eficaz e atendendo à população. Os órgãos que compõem o Focco – e ele é composto por órgãos de controle, como os ministérios públicos, controladorias, Polícia Federal, Tribunal de Contas e sociedade organizada – se reúnem para debate estratégias no combate à corrupção, bem como na prevenção. Esse assunto nos chegou recentemente e pelo volume de recursos envolvidos, nos chama atenção e preocupação. São valores expressivos, que significam até duas, três ou quatro vezes os valores que são repassados anualmente a título de repasses federais. Logo, não poderia passar em branco. A primeira iniciativa foi chamar a atenção da sociedade sobre o assunto, e principalmente os municípios, para o problema. Na essência das ações que originou estes valores foram recursos do Fundef, que os municípios tiveram que ajuizar ações para buscar a diferença nos valores que a União deveria ter passado, mas que passou a menor para a cidade. A Justiça Federal reconheceu. Deu ganhou de causa aos municípios que estão prestes a receber estas diferenças. Nosso entendimento é que como foram valores suprimidos, na época, das verbas do ainda chamado Fundef, deveriam ser aplicadas integralmente na Educação. Teria que ser aplicado em Educação. Fazemos isto com base na análise da origem dos recursos e precedentes judiciais que dão esta convicção. Por isto, que nossa posição é de clamar os municípios para que estes recursos sejam gastos em ações envolvendo Educação. Proporcionar assim uma qualidade melhor para jovens e crianças que estão estudando e padecem de uma realidade ruim no Estado de Alagoas. Nossos índices são péssimos. Recursos desta monta, que são valores altos, podem transformar esta realidade e proporcionar aos cidadãos, crianças e jovens, uma qualidade melhor e números melhores na Educação.

Mas há um ponto interessante que chama atenção nesta discussão. Há decisões judiciais que substanciam o entendimento do Focco, mas há também o entendimento jurídico de que o recurso entra como Receita Corrente Líquida (RCL) nas contas dos municípios. Desta forma, o prefeito só estaria obrigado a gastar 25% em Educação. Este é o entendimento da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), por exemplo. O que o Focco pensa a respeito disto? Porque não dá para dizer que o prefeito está errado ou cometeu uma irregularidade, pois há o entendimento também. Como vocês pretendem atuar para chegar a uma decisão apenas?

Isto é verdade. Existem entendimentos judiciais neste outro sentido que você fala. No sentido que é uma receita diversa e que ficaria ao critério do gestor utilizá-la. Nós – do Focco – iremos, inicialmente, buscar um entendimento com os gestores. Nossa intenção é de buscar ajustes de conduta, firmamos acordos, para que tais recursos sejam aplicados da melhor forma possível, e – conforme nossa posição – na Educação. Se não for possível estes acordos, nós iremos ter que buscar as vias judiciais para uniformizar estes entendimentos e fazer com que a melhor forma de aplicação do recurso seja dada.

Outro ponto, promotor, é que para além do campo da legalidade há uma preocupação do Focco que faz sentido, que é o fato do recurso chegar ao final de 2015 e no início de 2016, nestes 18 municípios, e termos a malversação dele em função do período eleitoral. Vocês já chamaram atenção para isto em entrevistas recentes. Até que ponto esta é uma preocupação real do Focco?

Infelizmente a gente acaba tendo que se preocupar com isto também. Temos que pensar dessa forma porque temos exemplos vastos de mau uso dos recursos públicos. Agora, é claro que – apesar desta preocupação – nós não queremos, nem podemos, prejulgar os prefeitos, fazendo juízo de valor precipitado. Não estamos prejulgando prefeitos, mas sabemos que há muitos exemplos, em Alagoas, de malversação de recursos. Mas o que vemos em algumas situações práticas nos conduz a pensarmos em ações de prevenção desta forma. Se prevalecer o entendimento da Receita Corrente Líquida – que inclusive a AMA pensa desta forma – nós também trabalharemos para fiscalizar e insistiremos que estes recursos precisam ser aplicados com planejamento na sua aplicação. Sem dúvida alguma já fechamos questão para que a fiscalização sobre estes valores seja intensificada, com o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Tribunal de Contas. Vamos voltar os nossos faróis – para além do normal – para que estes recursos não tomem destinos diversos. Iremos buscar um debate nas cidades que receberão estes recursos. De toda forma, é preciso que haja uma discussão sobre o planejamento destes gastos com estes recursos. Isto, necessariamente, vai passar pelas casas legislativas e por um debate público. A população das cidades precisa saber a intenção do gestor e o planejamento. Vale lembrar: o gestor não é obrigado a gastar valores destes montes de uma vez só. Ele pode trabalhar um planejamento financeiro para executar no decorrer do ano que vem. Ainda que não tenha o destino da corrupção, é preciso cobrar eficiência nestes gastos e isto nós vamos acompanhar. Precisamos das parcerias com as comunidades para acompanhar conosco estes recursos. Exemplos danosos temos aos montes e não queremos que isto se multiplique para que tenhamos mais escândalos em Alagoas. Os municípios estão ganhando um prêmio e este prêmio precisa ser corretamente aplicado.

Veja bem, todo o orçamento de uma cidade é gasto em conformidade com as leis orçamentárias aprovadas nas casas legislativas, que estabelecem diretrizes e prioridades. Este recurso chega como um valor extra, mas ele também tem que obedecer isto que está determinado na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, não é isto?

Exatamente. Provavelmente, os municípios não possuem apenas a dotação orçamentária para a aplicação destes recursos. Eles terão que pedir a suplementação nas câmaras de vereadores para a aprovação das rubricas onde serão gastos estes recursos. Este diálogo é que queremos também firmar com o gestor, para tornar transparente a aplicação, se vai ser na Educação, na Saúde, para fazer uma praça.

Aí vem um ponto pouco discutido. Quando este recurso entra como Receita Corrente Líquida, ele imediatamente impacta no orçamento total e faz com que se tenha suplementação também para as casas legislativas em função do duodécimo ser um percentual. Traduzindo em miúdos: mais dinheiro para as câmaras de vereadores que nem sempre precisam deste recurso, que seria mais bem aplicado em outro lugar. Como lidar com isto? Há formas de desobrigar o prefeito a este repasse a mais para o Legislativo?

É possível esta discussão. Inclusive contaremos com o Tribunal de Contas para nos auxiliar nesta análise da questão orçamentária para a melhor aplicação desta receita, para se discutir se entra no cálculo a questão da câmara ou não. Confesso a você que ainda não temos uma fórmula pronta. Estamos estudando. A matéria não é simples. Ela é complexa. E nós claro iremos sentar para que isto seja discutido e que possamos orientar os prefeitos para aplicar a forma correta. De toda maneira temos que nos debruçar sobre esta e outras questões, mas – em todo caso – o primeiro objetivo do Focco já foi atendido que é trazer este debate à luz e mostrar para a população que este recurso vai chegar. Nós estamos criando um debate.

E quanto às expectativas da chegada destes recursos? Profissionais da Educação estão acompanhando bem isto...

É importante que não geremos falsas expectativas quando a chegada destes recursos nestes municípios. Faço este alerta para os profissionais de Educação. Há profissionais que já estão sendo procurados por escritórios jurídicos, advogados, que vendem falsas ilusões. Isto precisa ficar claro na cabeça dos profissionais que não há definição de como o recurso será aplicado, pois se for todo para a Educação há uma parte para o pessoal, mas é preciso que saiba que se discute uma estratégia para o recurso. Então, se cada um for atrás de seu quinhão a coisa não vai funcionar. Se houver rateio indiscriminado não iremos ajudar a Educação, que é o que nós almejamos com estas discussões.

A gente falou do que fazer com os recursos porque a maioria dos municípios ainda vai receber. Mais e os que já receberam, já puderam aplicar os recursos ou ainda aguardam as orientações?

É preciso fazer um destaque: todos os municípios de Alagoas têm direito a este crédito. Todos ajuizaram ações. Ainda há muitos por virem em 2017, 2018, que são recursos que ainda virão. Os que receberam já devem estar planejando como farão os gastos. Eu não tive contato direto com estes gestores, mas a Controladoria Geral da União está cuidado disto e nos trará estas informações para que o Ministério Público possa agir. O Focco é um ponto de encontro dos órgãos para definir estratégias e cada qual dentro da sua área de atuação é que irá fazer o trabalho para o qual possui a competência dentro do que foi traçado. Cada qual tem a sua legitimidade dentro da sua área de atuação. É assim que estamos trabalhando nesta questão.

O senhor falou muito deste diálogo entre os órgãos o que faz do Focco essencial por ser um ponto de convergência nesta estratégia. Mas, neste caso, vocês precisam – enquanto Focco – conversar com os prefeitos. Há esse diálogo com a AMA?

A AMA nos procurou e já conversamos com o presidente da Associação – Marcelo Beltrão (PRB) – e ele nos trouxe a posição da entidade, mas salientou que cada gestor tem a responsabilidade e o seu papel. É o nosso entendimento. A AMA tem até uma ação coletiva na Justiça que representa vários municípios. Ouvimos os argumentos e estamos estudando. Ainda há questões complexas, com decisões judiciais divergentes e nós vamos sustentar a nossa e – se necessário for – no Poder Judiciário estadual ou federal.

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